O Campeonato Brasileiro Feminino de 2021 não terminou como o Palmeiras e a sua torcida planejavam. Perder o título para o seu principal rival deixou um gosto amargo para quem vive a atmosfera do clube palestrino. O duelo diante do Corinthians aconteceu no último domingo (26), na Neo Química Arena, com as Brabas do Timão levantando o caneco pela terceira vez após vencerem a partida por 3 a 1.
A tarefa da equipe de Ricardo Belli não era das mais fáceis. Mesmo sendo, hoje, o time mais bem preparado para bater de frente com o Corinthians, era preciso tirar a hegemonia de um clube que chegava pela quinta vez consecutiva à uma final de Brasileiro Feminino e mais do que isso, que respira a modalidade desde a sua criação, em 2016.
Muitas são as lições que, se disposto, o Palmeiras pode e deve tirar dessa situação. Não chegou à decisão à toa: invicto na primeira fase, mostrou poder de reação no mata-mata ao perder nas quartas o primeiro jogo para o Grêmio por 2 a 1 e fazer 4 a 1 na volta, foi eficiente nas semis vencendo o Internacional nos dois jogos e teve a artilheira do torneio, Bia Zaneratto, com 13 gols (em 15 partidas que disputou).
Parabéns ao @SCCPFutFeminino pelo título. @Palmeiras_FEM orgulho da trajetória até aqui, é o começo, passos importantes estão acontecendo para o desenvolvimento da modalidade no clube.É gratificante ver a evolução do @BRFeminino parabéns aos envolvidos,principalmente @PelleAline
— Beatriz Zaneratto (@biazaneratto) September 27, 2021
Desenvolvimento
O projeto envolvendo o futebol de mulheres só voltou à instituição Palmeiras em 2019. Em parceria com a prefeitura de Vinhedo, instalou seu time por lá e mandou suas partidas no estádio Nelo Bracalente. Naquele ano, conquistou o acesso para a Série A1 do Brasileiro Feminino e venceu a Copa Paulista ao derrotar o São Paulo por 2 a 1, de virada.
No ano seguinte, o clube trouxe peças interessantes para jogar pela primeira vez a elite do nacional. Uma delas foi a zagueira argentina Agustina, hoje capitã do time, líder dentro de campo, habilidosa, mas que acabou falhando – e consequentemente se abalando – na final do Brasileirão contra o Corinthians.
Outros nomes também fizeram barulho por lá. Ary Borges e Ottilia – que vieram do rival São Paulo, causando alvoroço nas redes sociais –; a experiente Rosana e a ex-Orlando Pride, Camilinha. Ali já pudemos ver um movimento interessante, demonstrando que o clube entraria de vez na briga por títulos.
Fora de campo, a fornecedora de material esportivo do clube, a PUMA, fechou um acordo inédito com o time para patrocinar 23 atletas. Dentro dele e atuando por algumas vezes no Allianz Parque, a equipe chegou à semifinal do Brasileirão e também do Paulista Feminino. Terminou o ano sem títulos, mas apostou suas fichas em 2021.
Para a temporada atual, trouxe 14 novas atletas, entre elas a atacante Bia Zaneratto. Ricardo Belli montou um bom elenco, competitivo, de futebol atraente, sobrou na primeira fase do Brasileirão Feminino ao lado do Corinthians. O baque veio quando Bia precisou voltar para a China após os Jogos Olímpicos de Tóquio (seu contrato de empréstimo acabou), evidenciando o problema ofensivo que o time enfrentaria na final, quando Chú, que cresceu no mata-mata e foi decisiva, não pode jogar por conta de uma lesão e quem entrou em campo não correspondeu.
Investimento a longo prazo
Daquele time que venceu a Copa Paulista em 2019, apenas a goleira Jully e a zagueira Thaís permanecem no elenco e entraram em campo contra o Corinthians na final. Do outro lado, o rival tinha entre as 23 relacionadas para a partida, 11 jogadoras que estavam no clube no ano do primeiro título Brasileiro, em 2018. Outras sete se tornaram bicampeãs.
O case de sucesso do Corinthians Feminino passa pela espinha dorsal de anos, incluindo a comissão técnica. Ricardo Belli está no Palmeiras desde 2019 e tem mostrado evolução com o tempo, mas mudando quase todas as peças conforme a temporada acaba é correr o risco de parar em quem está entrosado tática e tecnicamente.
Sobre nossa equipe, tenho muito orgulho de todas vocês, somos EQUIPE, em toda e qualquer situação, somos Palmeiras. Temos um grupo jovem, trabalhador, de muita coragem e talento, que competiu com muita intensidade em todos os jogos. Nada apaga o que vocês fizeram.
— Ricardo Belli (@ricabelli) September 27, 2021
Além disso, das cinco finais do nacional que o Corinthians chegou, ele perdeu duas. A cada vez que chega se fortalece mais, aprende a disputar decisões e se acostuma com o frio na barriga que envolve tais partidas – o Palmeiras desmontou psicologicamente após levar o primeiro gol na decisão enquanto agredia o adversário.
Na gestão, também é preciso querer progredir. Pensar em um marketing que aproxime a torcida do time (redes sociais exclusivas para o feminino criadas este ano já são um começo), lotar as redes sociais de conteúdo que enalteça o trabalho do departamento e das atletas, apostar em condições de trabalho ideais, como mandar seus jogos no Allianz Parque (o que vem sendo feito cada vez mais).
Até o começo de 2021, as palestrinas jogavam em um local (Vinhedo) que não possuía a dimensão correta para receber partidas oficiais, além de não ter iluminação adequada para jogos noturnos e não comportar a imprensa de forma correta. O espetáculo também precisa de um bom palco – vale lembrar que o Estádio Nelo Bracalente foi alvo de bandidos em janeiro e fevereiro deste ano, onde foram furtados objetos de uso da Prefeitura de Vinhedo (microfones, mesa de som e cabos elétricos) e também da Sociedade Esportiva Palmeiras, como 15 pares de tênis, 120 camisas e 60 meiões de futebol.
Correr atrás do tempo
Quem investiu no futebol feminino antes mesmo da obrigatoriedade teve “tempo” de pegar corpo. O que podemos ver hoje é que clubes daquela época que não mantiverem a evolução, vão ficar atrás de quem chegou depois e decidiu trabalhar sério, aumentando o nível competitivo. E isso passa pela própria CBF, que reestruturou seu departamento e passou a cuidar melhor do seu produto.
Categorias de base também são um assunto sério para quem está na modalidade. Não é sobre encher o elenco principal de jogadoras novas apenas para “compor” o banco, mas sim sobre formar e abastecer com maturidade, crescimento e desenvolvimento. No Palmeiras, ainda não há uma base permanente – foi montado um time para a disputa do Brasileiro sub-18 em 2020, mas em 2021 o clube não teve equipe na competição.
No feminino, também não é sobre jogar um trabalho fora porque o título não veio. Mais do que nunca é preciso usar o tempo como aliado. Se existe uma hegemonia, é porque ela foi construída e pode – e deve – servir de exemplo.
Que o Palmeiras se nutra da rivalidade com o Corinthians para querer chegar aonde o rival chegou. Ainda tem Campeonato Paulista este ano e a inédita Libertadores da América no ano que vem. Há muitas formas de fazer um bom trabalho.