Foto: Thais Magalhães/CBF
A CBF decidiu dar um choque de gestão no futebol feminino com demissões em massa após a queda precoce da seleção brasileira na Copa do Mundo – demitindo, inclusive, profissionais que não tiveram nada a ver com o desempenho da seleção principal, como foi o caso de Jonas Urias, técnico da seleção sub-20. Mas agora é preciso ter cuidado com o que será feito daqui pra frente.
O nome de Arthur Elias, técnico do Corinthians desde 2016, é o mais cotado para assumir a seleção brasileira – e com justiça. No Brasil, não há ninguém melhor preparado do que ele nesse momento. Mas pra além do nome que ficará no comando, é preciso montar uma comissão técnica de excelência para seguir os passos da evolução conquistada nos últimos anos.
Até 2019, o futebol feminino na CBF era gerido exclusivamente por homens. E a comissão técnica que foi para o Mundial da França apenas cumpria a cota exigida pela Fifa em termos de presença feminina – uma mulher na comissão técnica e uma na comissão médica. Eram elas: a auxiliar (Bia Vaz) e a fisioterapeuta (Katherine Ferro).
A chegada de Pia Sundhage trouxe uma mudança significativa nesse quesito quatro anos depois. Para a Copa de 2023, metade da delegação brasileira era formada por mulheres, incluindo a auxiliar Lillie Persson, a preparadora física Ivi Casagrande, a analista de desempenho Vanessa Fernanda, a médica Paula Benayon, a fisioterapeuta Ariane Falavina, e a psicóloga Marina Gusson – além de outras mulheres em cargos administrativos.
Algumas dessas profissionais são reconhecidas mundialmente como referências em suas áreas, como é o caso de Ivi Casagrande, que inclusive foi convidada pela Fifa para palestrar no Congresso Técnico da entidade na Austrália após a Copa do Mundo.
No caso de Arthur Elias, que é o principal nome na mira da seleção, sua comissão técnica no Corinthians é formada majoritariamente por homens, principalmente no que diz respeito aos cargos técnicos, com funções relacionadas ao campo. O auxiliar, os preparadores físicos, os preparadores de goleiras são todos homens, e as mulheres ficam restritas à comissão médica (nutricionista, enfermeira, psicóloga e fisioterapeuta).
Não se sabe se Arthur viria para a seleção com toda a sua equipe do Corinthians ou se montaria uma nova comissão técnica na seleção. Seria de extrema importância que a preocupação da CBF e de quem quer que assuma a seleção principal seja a de formar uma equipe diversa (com mulheres também assumindo protagonismo na área do campo) e de excelência.
O Corinthians é um clube de referência no Brasil e tem o melhor departamento de futebol feminino do país, sem sombra de dúvidas. Mas talvez para a seleção brasileira seja pouco apenas “importar” a expertise do clube paulista. O próprio Tite quando foi chamado para a seleção masculina em 2016 incluiu outros nomes além daqueles que já trabalhavam com ele no clube.
Seria importante montar uma comissão com nomes que sejam referências mundiais, que tenham conhecimento sobre o que de melhor acontece no futebol feminino para além das fronteiras do Brasil – e hoje em dia, o desenvolvimento da modalidade está muito acelerado fora daqui, em lugares como Estados Unidos e Inglaterra, principalmente.
Tudo isso sem esquecer a importância de não retroceder ao que era em 2019, quando a seleção brasileira feminina era comandada e gerida quase que exclusivamente por homens. Em 2023, já vimos a evolução inclusive de outros países, trazendo mais mulheres para as comissões, mulheres com conhecimento do campo, do jogo e também das peculiaridades do futebol feminino. Há muitas capacitadas no Brasil e fora dele.
Claro que nessas horas sempre aparecerão aqueles para dizer: “De que adianta investir na equipe mais especializada, mais diversa, se com essa equipe o Brasil teve seu pior desempenho em Copas do Mundo nos últimos 27 anos?”.
Só que a verdade é que o futebol não é uma ciência exata, não é como a matemática que você vai somar 2 com 2 e o resultado sempre será 4.
No futebol, o resultado é influenciado por múltiplos fatores e, se pegarmos a Copa de 2023 como exemplo, a Espanha foi campeã mesmo com as jogadoras convivendo com uma cultura de abusos por parte da federação e do técnico no comando. Isso significa que esse é o modelo que deve ser reproduzido para se ter sucesso? Obviamente que não.
O mais importante agora é cuidar para que tanto a seleção feminina quanto o futebol feminino fiquem nas mãos de pessoas capacitadas e dispostas a seguir desenvolvendo a modalidade no país para que possamos voltar em breve a ter protagonismo nas principais competições. Tem uma Olimpíada chegando (que começa 26 de julho de 2024) e a CBF precisa garantir um planejamento minucioso que dê ao Brasil condições de chegar ao torneio e competir com as principais seleções do mundo.
Não há problemas em ter um homem como Arthur Elias no comando da seleção brasileira feminina em vez de uma mulher. Há, sim, problemas se o comando do futebol feminino voltar a ser quase que exclusivamente dos homens. Que a CBF não promova esse retrocesso e saiba valorizar os passos que foram dados nos últimos quatro anos.