Demissão de Jonas Urias mostra que CBF não faz ideia do que está fazendo no futebol feminino

Desde a eliminação precoce da seleção feminina na primeira fase da Copa do Mundo, já se sabia que viria uma reformulação na modalidade por parte da CBF. O presidente Ednaldo Rodrigues dizia que o trabalho de Pia Sundhage estava sob avaliação, mas antes mesmo de demiti-la, o chefe da Confederação Brasileira de Futebol tomou uma série de decisões no mínimo contestáveis e desrespeitosas – e que mostram que ele e a entidade sob seu comando não fazem a menor ideia sobre qual rumo estão dando para o futebol feminino no Brasil.

Começou com o anúncio de que Simone Jatobá, então técnica da seleção sub-17, convocaria a seleção sub-20 para um torneio da categoria. Isso aconteceu sem o conhecimento do técnico da seleção sub-20, Jonas Urias, que naquela ocasião estava na Austrália a convite da Fifa para o Congresso Técnico da Copa do Mundo. Sem comunicar o treinador, o presidente Ednaldo tomou a decisão de dar à Simone a incumbência de convocar e comandar a seleção sub-20 na Liga de Desenvolvimento que ocorreria em setembro.

Jonas Urias retornou ao trabalho normalmente na semana passada e, nesta segunda-feira, recebeu uma ligação para comparecer ao RH, onde foi comunicado do seu desligamento. Nenhuma conversa com o presidente ou com qualquer membro da gestão da CBF. Curiosamente, Jonas foi desligado no dia que a própria confederação celebrou em suas redes um ano da maior conquista que as seleções femininas de futebol já tiveram nos últimos 16 anos – o bronze no Mundial sub-20 conquistado em 2022 justamente sob o comando do treinador.

https://twitter.com/SelecaoFeminina/status/1696165085733908786

Não houve qualquer explicação por parte da CBF ou do presidente para essa decisão. O trabalho da única comissão técnica que deu algum resultado para a seleção brasileira nessa gestão foi descontinuado. A vaga deverá ficar com a então técnica da seleção sub-17, Simone Jatobá – ela levou a sub-17 ao título Sul-Americano, mas no Mundial parou nas quartas-de-final.

Jonas deixa a seleção sub-20 após quatro anos de trabalho em que ajudou a desenvolver uma filosofia que marcou uma geração. O “sempre juntas”, lema da equipe que conquistou o bronze na Copa do Mundo da categoria em 2022, é lembrado é reproduzido pelas jogadoras até hoje. Ao lado da sua entao auxiliar, Jessica de Lima, Jonas fez um trabalho primoroso, que por um detalhe não conquistou um lugar ainda mais alto no pódio. O Brasil foi a única seleção a fazer frente à Espanha, campeã mundial sub-20, num jogo quase perfeito na estreia que terminou 0 a 0 – foi a única seleção que as espanholas não conseguiram vencer no torneio. O legado que ele deixa pra base é imenso, agora resta uma dúvida: será aproveitado pela CBF?

Critérios para reformulação

Não há dúvidas de que uma reavaliação do trabalho de Pia Sundhage e sua comissão deveria acontecer depois de um resultado tão ruim na Copa do Mundo. Mas quais são os critérios que estão levando o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, a fazer as demissões que já foram anunciadas até aqui?

Ana Lorena Marche, supervisora de seleções femininas, foi desligada na última sexta-feira (25). Thiago Mehl, preparador de goleiras, foi demitido. Mayara Bordin, que ocupava o cargo de administradora da seleção, e Sthefânia Lacerda, supervisora, foram desligadas na última semana. Antes delas, a auxiliar técnica da sub-20, Bia Vaz, havia sido comunicada da sua saída. Agora, Jonas Urias, técnico da sub-20, foi o alvo.

Será que o presidente da CBF sabe mesmo para onde está levando o futebol feminino? Por que ele optou pela saída de um treinador que deu resultado para a seleção e que revolucionou o trabalho feito na base do Brasil, estruturando uma filosofia de jogo e proporcionando uma integração inédita com a seleção principal – que inclusive teve duas jogadoras na Copa do Mundo advindas da sub-20 (a zagueira Lauren, titular nos dois primeiros jogos, e a lateral direita Bruninha)?

No Mundial, inclusive, Jonas viajou para a Austrália a convite da comissão técnica de Pia Sundhage para ser observador dos futuros adversários que poderiam cruzar com o Brasil nas oitavas – fase para a qual o Brasil não avançou. Será que o presidente da CBF tem por objetivo nessa reformulação tirar todo mundo que trabalhou com Pia neste Mundial? Seria esse o critério?

Ao que nos parece, Ednaldo não faz ideia do que está fazendo com o futebol feminino. Ele mesmo, após passar alguns dias acompanhando os treinos da seleção brasileira na Austrália, foi só elogios para o trabalho de Pia Sundhage. E de repente, sem o resultado, ele não consegue mais enxergar nada de bom? Precisa tirar todo mundo que de alguma forma fez parte do trabalho dela para reformular a seleção?

Uma gestão que, por sinal, deixou as seleções de base sem atividade nenhuma por meses no ano dessa Copa do Mundo, sabe mesmo o que está fazendo com o futebol feminino do Brasil?

O que será aproveitado do trabalho dos últimos quatro anos? Qual é o plano que a CBF tem para as seleções brasileiras femininas? Qual é o planejamento de amistosos da seleção principal a 11 meses da Olimpíada? E na base, o que será aproveitado do trabalho que rendeu um bronze no Mundial sub-20?

As respostas para essas perguntas, por enquanto, são apenas demissões sem qualquer explicação da CBF.

Todos os países que conquistaram protagonismo no futebol feminino na última década – Espanha, Inglaterra, França, Holanda… – fizeram um plano integrado de desenvolvimento do futebol feminino, incluindo metas para criação de seleções e competições de base, fortalecimento da liga local e a melhor estrutura possível para a seleção principal.

Enquanto a CBF brinca de gerir futebol, outros países dão as lições que insistimos em não aprender.

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2 respostas

  1. Nao acreditei quando vi a noticia e fui checar.
    Ednaldo foi suficientemente burraldo para fazer isso. E como espera que as novas que vem das seleçoes de base se sintam agora quando chegarem a idade e condiçoes de profissional e da seleçao principal?
    Vai ver que o capadocio pensa em seguir a moda do masculino e contratar outro (a) estrangeiro (a).

  2. Alo, Marta. Voce sempre se preocupou com o futuro do futebol feminino.
    Pronuncie-se entao agora, já que o nó é serio e os panacas perderam a modestia.
    Voce nao tem nada a perder e estamos pagando para ver cartola reagir.

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