Quando a França passou o Brasil no futebol feminino?

Foto: FIFA/Twitter

O Brasil participou de todas as edições da Copa do Mundo Feminina, desde 1991. Já a equipe francesa só foi disputar a primeira edição em 2003, quando ficou no mesmo grupo do Brasil e não avançou de fase – o duelo entre os dois ficou empatado em 1 a 1. Quatro anos depois, a seleção brasileira fez sua melhor campanha no Mundial feminino, chegando à final contra a Alemanha em 2007. Naquela edição, a França sequer foi classificada. 

Mas o cenário do futebol entre mulheres no Brasil e na França começa a se inverter no ciclo seguinte. Em 2009, a Federação Francesa passou a investir em programas especiais para incentivar a implementação de equipes femininas de base e profissionais. Uma das estratégias foi oferecer benefícios aos clubes masculinos que abrissem categorias voltadas para meninas e mulheres. 

“Nas divisões menores (masculinas), a partir da quarta, existe uma regra que cada clube pode contratar apenas quatro jogadores por temporada. Mas se esse clube tiver time feminino adulto, ele ganha o direito de contratar mais um jogador para a equipe masculina. Se tiver um time feminino sub-17, mais um. E, assim, sucessivamente até o sub-11. No fim, um clube conseguiria até dobrar o número de contratações masculinas por meio de investimento no futebol feminino”, explicou Lindsay Camila, ao Dibradoras em 2019, quando era técnica do Terville masculino. A brasileira morava na França há mais de 10 anos e comandou as categorias de base do Lyon de 2006 a 2010.

Na prática, as equipes femininas de base se multiplicaram no país, ampliando as oportunidades para jovens talentos seguirem no futebol em campeonatos desde o sub-7, passando por sub-9, sub-11, sub-16, sub-18 até o adulto, com sete divisões femininas. 

O fomento das categorias de base dos clubes fez com que o número de jogadoras registradas na França saltasse de 50 mil, em 2012, para mais de 180 mil, em 2019. Crescimento que fortaleceu a liga francesa profissional. O Lyon virou o símbolo máximo do alto nível que o futebol feminino do país atingiu. O clube dominou a Champions League por quase uma década, sagrando-se campeão oito vezes desde o primeiro título em 2011.

Lyon comemorando o 8º título da Champions League Feminina em 2021/2022 | Getty Images

Frutos que a França começou a colher também com a seleção principal já na Copa de 2011, quando fez sua melhor campanha no Mundial, terminando na 4ª colocação após chegar às semifinais contra os Estados Unidos. Já a seleção brasileira cairia para os mesmos Estados Unidos naquela edição da Copa, mas ainda nas quartas de final. 

Em 2011, o Brasil ocupava a 4ª posição do ranking da Fifa e a França já havia subido para a 6ª. Nos dois anos seguintes, a equipe brasileira se manteve na mesma colocação, enquanto a francesa subiu para a 5ª. Mas foi em 2014 que o ranking mundial refletiu o contraste de investimento vivido pelos dois países nos anos anteriores: o Brasil despencou para o 8º lugar, enquanto a França subiu para o 3º. 

Desde então, a seleção brasileira nunca mais passou das oitavas de final na Copa do Mundo. Já a França chegou às quartas nas duas edições seguintes (2015, quando foi eliminada pela Alemanha, e em 2019, pelos EUA). Além disso, o futebol francês ganhou ainda mais respaldo no país por ter sediado o último Mundial feminino, em 2019.

Foto: FIFA

Jogando em casa diante de estádios lotados, a seleção francesa foi algoz da equipe brasileira na Copa de 2019 ao eliminá-la nas oitavas de final, por 2 a 1, na prorrogação. Mesmo depois do Mundial, as Bleues imprimiram a primeira derrota à equipe verde-amarela sob comando de Pia Sundhage, por 1 a 0, no Torneio da França disputado em 2020. As duas seleções voltaram a se enfrentar em um jogo amistoso em 2022 e a França venceu novamente, dessa vez por 2 a 1. No histórico de confrontos diretos contra a França, o Brasil nunca conseguiu vencer: são seis derrotas e cinco empates. 

Brasil: investimento tardio na base

Os campeonatos femininos desde uma idade muito nova, como 7 anos, até hoje não existem no Brasil. O mais comum é que projetos sociais preencham essa lacuna na formação de jovens jogadoras em clubes femininos do país. Por aqui, o primeiro torneio estadual de base surgiu em 2017, com o Paulista sub-17, e o primeiro Campeonato Brasileiro Sub-18 foi realizado em 2019.  

Atualmente, existem as Ligas de Desenvolvimento Sub-14 e Sub-16 que são disputadas durante uma semana em uma sede única estipulada pela CBF. Neste ano, elas foram realizadas em abril, mas a CBF não liberou verba para custear a ida da técnica da seleção brasileira sub-17 Simone Jatobá para acompanhar a competição. E, uma semana antes, a técnica Pia Sundhage havia criticado a entidade máxima do futebol brasileiro por não ter uma seleção brasileira feminina sub-15. 

“As meninas de 14, 15 anos que querem representar a seleção, na Inglaterra, na Suécia, elas podem, mas no Brasil não”, lamentou Pia. A treinadora da Inglaterra, Sarina Wiegman, estava presente no momento e ficou surpresa: “Espero que o Brasil tenha uma seleção sub-15 assim que possível, vocês precisam disso. Estou surpresa. E um pouco decepcionada”, comentou Sarina. A cobrança deu resultado. A CBF lançou a seleção sub-15 em junho, com a primeira convocação realizada por Simone Jatobá para treinos na Granja Comary neste mês.

Mas os desafios ainda são muitos. No Brasil, não existe um controle formal da quantidade de meninas que atuam nos clubes do país. A ministra do Esporte, Ana Moser, anunciou em maio que faria um diagnóstico da situação atual do futebol feminino no Brasil e um plano de ações até 2025 para a implantação da estratégia de fomentar a modalidade. 

Tiveram avanços também, principalmente nos últimos quatro anos. Um dos marcos foi a obrigatoriedade aos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro e da Copa Libertadores masculinas de terem equipes femininas adultas e de base desde 2019. Ao longo desses anos, clubes que investiram em um trabalho comprometido com o futebol feminino viram jogos decisivos baterem recorde de público nos estádios e as transmissões na TV subirem de audiência. Atualmente, a liga nacional adulta do Brasil conta com três divisões – a última foi implementada em 2022.

Na CBF, outro fator de destaque foi a inserção de mulheres para gerir o trabalho da seleção e das competições femininas, passando por Aline Pellegrino, Duda Luizelli e Ana Lorena Marché até a própria técnica bicampeã olímpica Pia Sundhage. Na seleção principal, a preparação para esta Copa do Mundo foi a melhor já existente.

Apesar do histórico ruim diante da França, o atual elenco brasileiro é forte fisicamente, teve uma preocupação para estar preparado emocionalmente e evoluiu muito taticamente sob comando da sueca nos quatro anos de trabalho. Nessa atmosfera, o Brasil ainda chega embalado pela estreia no Mundial com goleada sobre o Panamá, por 4 a 0.

Foto oficial da Seleção Brasileira na Copa do Muno de 2023 | Thais Magalhães/CBF

Do outro lado, as francesas viveram episódios conturbados antes do Mundial, com ameaça de boicote por parte das jogadoras em protesto à gestão da técnica Corinne Diacre, que foi substituída por Hervé Renard quatro meses antes de começar a Copa. No primeiro jogo neste Mundial, as francesas não conseguiram reverter o favoritismo diante da Jamaica em vitória. As Bleues dominaram o jogo, com 73% de posse de bola e 14 chutes ao gol contra 6 das jamaicanas, mas ficaram no empate em 0 a 0.

França e Brasil se enfrentam neste sábado (29/07), às 7h (de Brasília), valendo a liderança do Grupo F da Copa do Mundo da Austrália e da Nova Zelândia.

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Uma resposta

  1. Fiquei surpreso com toda esse plano de massificaçao e organizaçao de base das francesas.
    Questao de escolha, de opçao. Imagino que uma equipe da segunda divisao da frança que gaste Euros 5 milhoes por ano, ao compor uma equipe feminina sub-13 e uma sub15 vai gastar a mais 15% disso. Que pode compensar no ano seguinte melhorando renda de sua equipe e contratndo jovens talentos.

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