Técnica do Equador, Emily diz: “Não me preocupo em ganhar, mas em fazer as meninas evoluírem”

(Foto: Federação Equatoriana de Futebol)

Emily Lima completou, em 2021, 10 anos de carreira como treinadora. E agora, a poucos meses de trabalhar em um de seus maiores desafios de sua trajetória – a disputa da Copa América comandando a seleção equatoriana – ela tem seus planos bem traçados. Dentro de campo, quer “tirar pontinhos” de Colômbia e Chile – as seleções mais fortes de seu grupo – e buscar vitórias diante de Paraguai e  Bolívia para sonhar com a classificação para o Mundial de 2023.

Se conseguir esse enorme feito, deverá seguir seu trabalho no Equador. Se não acontecer o planejado, ela deseja buscar oportunidades internacionais atrás de experiência. “Tenho curiosidade de saber como é trabalhar na Europa ou Estados Unidos”, revelou em entrevista exclusiva às Dibradoras.

Fora das quatro linhas, o jogo está ganho e bem administrado. Casada com Pollyane Ribeiro desde o início do ano passado, o próximo objetivo do casal é ampliar a família. “Morar junto atrai o casamento, o casamento chama o filho e agora estamos planejando esse passo. A Polly está indo para o Brasil pra fazer exames e, provavelmente no ano que vem a gente tenha novidades”, confidenciou a treinadora, que deseja ter um menino.

Neste papo com a primeira mulher a comandar a equipe de base e profissional da Seleção Brasileira na CBF, Emily fez um balanço da carreira, falou sobre seu temperamento de luta, o trabalho no Equador, como enxerga o futebol no Brasil e claro, como preparou a seleção equatoriana – que comanda desde dezembro de 2019 – para a Copa América que começa no próximo dia 08 de julho na Colômbia.

Emily de luta: “Sigo a mesma, mas sei me controlar mais”

Foi no dia 05 de dezembro de 2019 que Emily Lima assumiu o comando das seleções de base e profissional do Equador. Ao lado de sua comissão técnica, a treinadora iniciou todo um trabalho de mapeamento e scout de jogadoras para colher informações sobre as atletas.

Em meio a pandemia de Covid-19 nos anos seguintes, Emily também se dedicou a aprender sobre a história do futebol feminino no Equador. “Não teve proibição, mas o preconceito aqui é igual ou pior do que o Brasil. Conseguimos fazer um resumo bem legal e criamos um scout, mais ou menos parecido com o que eu tinha iniciado na CBF, com as características das jogadoras equatorianas: parte técnica, tática, física, psicológica pra avaliar melhor nossas atletas individualmente. Criamos tudo isso em 2020 e estudamos”, contou.


Apenas em 2019 foi criada a Superliga, o primeiro campeonato profissional do país. Antes disso, o esporte era amador. “Para jogar as edições de Libertadores, a Federação era quem convocava as atletas e o Equador participava com um único time. Só em 2019 vem a Superliga com clubes investindo. São 16 clubes participantes e o Independiente del Valle é o único com jogadoras registradas. O que vejo aqui são coisas que já vivi há 15, 20 anos atrás no Brasil”, revela Emily.

Por conta da pandemia, ela coordenou as equipes de base até o final de 2020 e, de um ano pra cá, o foco foi trabalhar a equipe principal nas datas Fifa de 2021 e na Copa América deste ano.

O contrato inicial da treinadora visa a classificação para a Copa do Mundo de 2023 e, mesmo longe de suas raízes, a técnica revela que continua sendo a mesma pessoa, com o seu temperamento de sempre e buscando melhorias, mas admite estar um pouco mais controlada.

“Continuo sendo a mesma. A briga aqui é constante e eu não posso mudar meu caráter, nem negociar meus valores e princípios. Sou mais controlada no sentido de explodir no primeiro momento, porque antes eu era assim. Hoje eu vou fazer as mesmas coisas, mas vou pensar um pouco mais e tomar minha decisão. Consigo me controlar um pouco mais.”

Em busca da vaga para o Mundial: “Vou usar as armas que eu tenho”

O Equador estreia na Copa América no dia 08 de junho diante Bolívia, em Cali. E, no dia 14 já encara o Chile, a seleção mais bem preparada do grupo A, segundo análise de Emily. A técnica avalia a evolução de seu grupo de uma forma muito positiva e enxerga possibilidade de bons resultados na competição sul-americana.

“Minhas atletas entendem melhor o jogo, tomam melhores decisões em campo. Neste um ano e meio de trabalho, conseguimos implementar três sistemas defensivos e dois ofensivos, algo muito difícil de se fazer em uma equipe. Temos algumas estratégias que a gente foi fazendo durante as Datas Fifa de 2021. É uma seleção desacreditada por todos, mas acho que pode surpreender na Copa América”, comentou.

Emily comandando a seleção do Equador. (Foto: Leonardo Sguacabia/Photopress/Gazeta Press)

O elenco do Equador é renovado e, segundo Emily, conta com uma mescla de jogadoras que já atuaram em Copas com meninas mais novas que jogaram campeonatos sul-americanos de base (sub-17 e sub-20). E, fazendo uma análise simples e direta, a treinadora revelou que sua “briga” no grupo é contra Bolívia e Paraguai.

“Estreamos contra a Bolívia e temos que ganhar, porque aí as coisas já mudam um pouco no nosso grupo. Aí veremos os resultado de Paraguai, de Bolívia e Chile. Acho que o jogo chave é o primeiro e, por sorte, é a Bolívia. Depois a gente descansa pra pegar o Chile e, se a gente empatar, tá bom! Pode acontecer de ganhar e de perder, mas se ganharmos da Bolívia e empatarmos com Chile, ficamos com 4 pontos e jogamos a responsabilidade para os outros. Nossa briga é com Bolívia e Paraguai, porque se a gente classificar em terceiro, vamos disputar o quinto lugar da repescagem. Temos que tirar pontinhos de Colômbia e Chile, que pra mim é melhor do que Colômbia, mas temos que pensar que existe o fator casa e torcida. Só não podemos perder pontos de Bolívia e Paraguai”, analisou.

Para Emily, o maior desafio que encontra com as atletas equatorianas é a falta de anos de prática, algo que atrasou demais a evolução do futebol no país. “No Brasil, mesmo com todas dificuldades, as mulheres praticavam futebol, já no Equador, não. É como se estivéssemos 15, 20 anos atrás do Brasil, mas agora praticando, com um campeonato, torneios de base, seleção em atividade. Pegamos a seleção desativada quase desde o Mundial de 2015, é muito tempo. Enquanto isso, os outros países estão praticando. E um ponto é fundamental: quanto mais pratica, você vai ter melhores resultados ao longo do tempo”, avaliou.

Emily gosta de treinar equipes ofensivas, mas entende que, no atual contexto, terá que jogar com as armas que tem. E não sente vergonha nenhuma em dizer que usará das melhores estratégias para alcançar o resultado esperado. “Existem momentos em que temos que abrir mão do que gostamos. Temos que ser humildes e entender que meu time não tem característicao ofensiva, mas tem qualidade pra transitar e defender. Perfeito, tá bom. Vou potencializar o que elas têm de melhor. Pra mim não é vergonhoso defender, como muita gente fala coisas do tipo no Brasil, porque isso também é uma estratégia pra ganhar o jogo. Se eu tiver comandando uma seleção em que me deixem jogar mais ofensivamente, eu vou fazer.”

Ainda avaliando a parte técnica, Emily vê muita diferença entre Brasil e Equador, por exemplo. Mas entende que se suas atletas estiverem bem fisicamente, podem dificultar a vida dos adversários e cita a partida que fez contra a seleção feminina do Brasil em novembro de 2020, na Neo Química Arena. Na ocasião, o Brasil de Pia Sundhage venceu por 6×0.

“Na parte técnica, o Brasil sobressai muito. E fisicamente é um ponto onde podemos ter mais resultados porque o físico e o biotipo da jogadora equatoriana favorece a força física. Estamos tentando melhorar isso porque se fisicamente estamos bem, a gente consegue dificultar a vida do adversário. Vou citar o jogo contra o Brasil, que foi nosso primeiro contato maior com a seleção. Nossas principais características para esse jogo eram a parte física e organização tática. E a gente não queria jogar mesmo, porque não dava. Mas poderíamos dificultar pro Brasil defendendo bem e aguentando fisicamente até onde a gente conseguisse. Levamos um gol no primeiro tempo e conseguimos segurar bem até o minuto 72, e aí é que o Brasil começa a fazer o 2º, 3º, 4º e vai embora. Temos esse jogo como parâmetro e há uma evolução muito grande na melhora física para hoje. Então, isso nos leva a acreditar que é possível classificar tendo estratégias defensivas, dentro do que evoluímos até agora”, explicou a técnica.

Os próximos passos: “Quero dar umas voltas por aí”

O contrato de Emily Lima com a Federação Equatoriana dura até o último jogo da Copa América. Se a equipe se classificar para o Mundial, o vínculo automaticamente se renova por mais um ano. “Se não classificar, a gente vai conversar, mas minha ideia é buscar trabalhar na Europa”, revelou.

Emily confessou ter o desejo de “dar umas voltas por aí”, mas não cravou destino certeiro. O que ela deseja mesmo é acumular experiências e, claro, trabalhar. “Tenho a curiosidade de ir para a Europa ou Estados Unidos porque o continente da América do Sul é muito preconceituoso. Não tem um lugar onde eu estive em que as pessoas gostavam de trabalhar. Sempre tenho atrito com isso, acho um absurdo. Duvido que na Europa tenha um diretor que me diga ‘isso já tá bom, chega, tem muita informação’.  Fiz algumas entrevistas com equipes da Europa e com uma seleção de lá e eu me senti tão bem porque a gente falava a mesma língua. Eram entrevistas de futebol, a pessoa sabia o que estava falando. Quero muito classificar e ficar mais um ano no Equador, mas se não acontecer, na primeira oportunidade que tiver, eu vou agarrar”, revelou.

Emily recebeu sondagens de uma seleção europeia, mas recusou por não querer romper o contrato com a Federação Equatoriana. Ela também recebeu mensagens e ligações de clubes brasileiros em setembro de 2021, mostrando propostas, mas ela também não aceitou romper seu atual contrato.

“Todas as minhas respostas eram: eu não posso fazer isso aqui, depois de todo esse tempo de trabalho e dar um até logo, porque eu não faria isso com nenhum time que me contratasse. A gente não pode cair no mesmo erro do masculino. Teve um clube que me ligou com treinador e eu disse ‘sei que vocês têm um treinador e enquanto ele estiver aí, eu não vou conversar com vocês’. As pessoas precisam conhecer o meu perfil, gosto de começar certo e terminar certo.”

Futebol feminino no Brasil: “Já sabia que se tornaria uma realidade”

Emily reconhece os avanços que o futebol feminino viveu nos últimos anos, mas confessa que já imaginava que essa evolução aconteceria rápido. “A gente viveu esse ‘boom’ há uns 20 anos quando aconteceu o 1º Paulistana, em 1997. Havia transmissão em TV aberta, alguns clubes tinham contrato, mas a modalidade não tinha o que tem hoje: a certeza de que não haverá retrocesso. Eu sabia que iria evoluir no momento em que uma Federação se organizasse – que foi o que aconteceu com a Federação Paulista de Futebol, trazendo pessoas que entendiam de futebol feminino. A CBF abre os olhos também contratando pessoas com entendimento do feminino. O mundo está mudando, estamos avançando barreiras em vários aspectos e não tinha como o futebol feminino não evoluir”, opinou.

Emily sabe que fez parte desse processo de evolução dentro e fora de campo. Mesmo afirmando que não sonhava em ser treinadora, ela entendia que poderia atuar positivamente se trabalhasse dentro de um clube, mudando a estrutura daquele lugar. “Me aposento em 2009 e faço a transição pra ser supervisora porque eu sempre acreditei que se a gente organizasse o futebol brasileiro, poderíamos ter sucesso. Entendia que não poderia mudar o cenário, mas sim onde eu estivesse trabalhando e acabei fazendo isso na Portuguesa, onde comecei. Ganhei confiança, depois assumi o Juventus e tudo aconteceu muito rápido, mesmo sem muita vivência e treinamento. Tive sorte como atleta e treinadora e já que a sorte estava do meu lado, me restava estudar e trabalhar. E assim as coisas foram acontecendo. Nada é por acaso, tudo está me preparando para os próximos desafios.”

A treinadora segue acompanhando o futebol brasileiro e revelou que tem visto com bons olhos a presença feminina no comando das equipes. “Acompanho muito a Rosana por ter esse vínculo de amizade com ela. E quando ela jogava comigo, falávamos muito sobre futebol e se nota o entendimento que ela tem ao ver o time dela jogando. Mas sinto que nós – e me incluo nisso – estamos muito parecidas. Não tem uma treinadora que me chame a atenção, mas acho que temos muitas ideias e características parecidas. Acho que é bom porque a gente trabalha nos detalhes, que às vezes passa batido, isso é notável. Acho positivo, você já pode ver a mulherada estudando e buscando seu espaço. A Tatiele ganhando Brasileiro, a Lindsay ganhando Libertadores, então, na minha opinião, as mulheres não se preocupam muito com ser campeãs, as coisas acontecem naturalmente. Falando por mim, eu não me preocupo em ganhar, me preocupo em evoluir e fazer com que as meninas evoluam porque é isso que vai nos fazer ganhar. O futebol exige que a gente ganhe, mas isso não pode ser uma pressão que atrapalhe o processo do seu trabalho.”

(Foto: Reprodução Instagram)

Além de Emily no Equador e Pia Sundhage treinando o Brasil, outras duas mulheres comandam seleções na Copa América: Rosana Gómez é a técnica da Bolívia e Pamela Conti da Venezuela. As outras seis equipes são treinadas por homens: Ariel Longo (Uruguai), Nelson Abadía (Colômbia), José Letelier (Chile), Marcelo Frigério (Paraguai), Conrad Flores (Peru) e Germán Portanova (Argentina).

O país que se sagrar campeão da América receberá 1,5 milhão de dólares (equivalente a R$ 7,1 milhões) e a vice-campeã ganhará 500 mil dólares (cerca de R$ 2,3 milhões). A  mascote da competição será Alma, uma cachorrinha que ama futebol.

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