A história de Bruna Rodrigues no esporte é semelhante a de qualquer pessoa que desejaser atleta. Começa ainda na infância, normalmente no colégio, chega à adolescência sonhando com seleção brasileira e não se enxerga em outra profissão.
E também como muitos atletas, a trajetória de Bruna foi interrompida precocemente por conta de lesão. A hoje técnica de basquete precisou largar as quadras aos 22 anos depois de operar cinco vezes e ficar afastada por um ano e meio se recuperando.
“Eu comecei como atleta em Blumenau e nas escolinhas daqui mesmo. Tinha uma vida dedicada a isso. Minha lesão séria no joelho acontece em 2013, tive complicações, infecções. Já estava envolvida com a parte técnica do basquete nas escolas, era formada em Educação Física e não era tão apaixonada quando comecei a ser professora”, conta a ex-jogadora.
A identificação de Bruna com a cidade catarinense facilitou para se manter na área após se aposentar das quadras. “Desde muito nova estive no basquete, não vejo minha vida de outra forma”, afirma a treinadora de 28 anos, que passou por todas as categorias do clube até assumir nesta temporada o time principal.
“Em 2014 fui cuidar do Sub-12, 13, 14 (onde foi campeã estadual e vice sul-americana) e do Sub-15. Em 2016 torno assistente do Camargo (antigo técnico do BFB Blumenau) no adulto. Em 2016/2017 entramos na LBF, mesmo ano em que fui convocada para ser assistente técnica das categorias de base da seleção brasileira. Era meu sonho de criança chegar à seleção. Permaneço até hoje lá e no clube”, conta.
Na temporada passada o Blumenau chegou pela primeira vez a uma final de LBF e ficou com o vice, além de conquistar o campeonato catarinense, a Taça FCB e os Jogos Abertos de Santa Catarina. Com a ida do técnico João Camargo para o SESI Araraquara – após quase duas décadas comandando o time catarinense – as portas se abriram para Bruna encarar este primeiro desafio em um time profissional.
A ex-atleta é a única mulher comandando uma equipe entre as dez que participam da Liga. “É um pouco estranho porque o habitual é as pessoas, os torcedores, estarem procurando técnicos homens. Mas eu tive muito respeito dos treinadores, todos me mandaram mensagens de apoio, parabenizando, elogiando e reconhecendo o nosso trabalho. Nossa comissão é composta somente por mulheres, então tem tido um olhar, sim”, explica a treinadora.
“Passamos por algumas situações quando vamos viajar, por exemplo. Perguntam: ‘Ah, mas cadê o treinador de vocês?’, e perguntam para mim (risos). É um pouco cultural os homens estarem no comando de equipes, e quando se deparam com uma mulher, mais nova ainda (de idade), gera um espanto”, completa.
Apesar de trabalhar com e para mulheres, Bruna se encontra em um meio ainda dominado por homens nos cargos de maior expressão. Segundo ela, cresce o número de mulheres interessadas pela área técnica e de gestão, mas segue pouco perto do que deveria e poderia ser. “Em Santa Catarina até temos algumas mulheres, tem crescido a busca ao longo dos anos, mas ainda é algo que está longe do que esperamos”, lamenta a comandante.
Diferente da Confederação Brasileira de Futebol, que desde 2009 tem a CBF Academy para homens e mulheres se capacitarem na gestão do futebol – inclusive, em 2021, a entidade lançou o programa “Mulheres no Jogo”, que visa aumentar a presença feminina com 20% das vagas de seus cursos destinados a elas, com benefícios de bolsas – na CBB não há algo voltado para a capacitação e formação de profissionais da área, apenas iniciativas pontuais, como explica Bruna.
“Em 2021 teve o Projeto Adelante (parceria entre a FIBA Américas e a Confederação Brasileira de Basketball para ampliar a participação da mulher no basquete, dentro e fora das quadras) voltado para formadores e técnicos do basquete em geral, principalmente o feminino. Foram 70h de modo EAD (Ensino a Distância)”, explica a treinadora. “Dentro da seleção, por exemplo, tem uma regra da FIBA (Federação Internacional) em que é obrigatório ter mulher nas comissões de categorias de base”, completa.
As iniciativas envolvendo as mulheres precisam ir além da capacitação. Um dos pontos principais que precisa ser olhado com atenção pelas entidades que comandam a modalidade é a premiação em suas ligas femininas. Hoje, quem conquista a LBF ganha apenas medalhas como recompensa.
“É um tema interessante de se falar. Se formos comparar com outras modalidades, temos ainda uma discrepância muito grande. Os investimentos no masculino são muito altos, com marca esportiva, por exemplo, patrocínios. Poucas atletas são patrocinadas por marcas esportivas, são realidades muito diferentes. Muitos clubes contam com a ajuda de prefeituras para manterem seus projetos. Com a gente, as atletas ganham salário, casa, alimentação e bolsa integral em faculdade”, explica Bruna.
Para a treinadora, muita coisa ainda precisa crescer na modalidade feminina, mas a principal delas está na iniciação ao esporte. “O maior problema hoje está nas escolas, as crianças não têm mais acesso às modalidades em geral, ao basquete, fica difícil para essa criança chegar a uma escolinha de basquete das associações ou entidades. Tem que ter projetos relacionados a isso, equipes darem valor ao aprendizado dessas fases iniciais, terem competições. Muitas federações não têm equipes participando de torneios”, lamenta a ex-atleta.
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“Falta muito o trabalho nas categorias de base e isso tem refletido nas últimas seleções. Muito se fala da preparação em si, mas precisamos dar às atletas tudo para que elas tenham o melhor treinamento, desenvolvimento, não pular etapas. Se todo mundo trabalhar com a mesma metodologia, alinhados, com certeza a nossa evolução vai ser muito maior”, completa.
Há muitos anos acompanhando o processo do basquete feminino brasileiro, Bruna também destaca algumas evoluções. “Ano passado teve pela primeira vez o campeonato Sub-23 organizado pela CBB, muitas meninas se destacaram, estão na LBF, isso já demonstra a importância das categorias de base. Temos uma potência no basquete feminino, elas precisam estar treinando, competindo”, diz a treinadora.
Sobre seleção brasileira, a ex-jogadora vê com otimismo o trabalho que vem fazendo José Neto (ele assumiu o comando do time em 2019) e a sua comissão técnica. Há anos sofrendo com falta de investimento e bons profissionais desde a gestão até o comando técnico, o Brasil ficou novamente de fora do Mundial da modalidade deste ano (pela segunda vez consecutiva).
“É um processo de renovação, de uma nova metodologia. Nos últimos dois, três anos já observamos o quanto progredimos fazendo frente com potências mundiais. É um processo longo e que vem sendo desenvolvido de uma forma fantástica. Adulto, Sub-14, todas as categorias com a mesma metodologia, sistema de jogo, ideias, para que as atletas cresçam e se mantenham totalmente adaptadas. Estamos mudando a mentalidade dessas jogadoras, elas precisam se preparar cada vez mais, não só no momento de seleção ou de clube”, afirma Bruna.
Atualmente o BFB Blumenau ocupa a 6ª colocação da atual temporada da LBF, com 8 pontos conquistados. Em cinco jogos, foram três vitórias e duas derrotas, a última delas para a equipe do seu ex-comandante (o SESI Araraquara, de João Camargo) por 77 a 73.
“Venho percebendo uma evolução muito grande a nível de jogadoras, além de equipes se estruturando mais para dar às atletas melhor estrutura, condições. O campeonato também tem evoluído muito. Ano passado foi um dos mais competitivos, não tinha um favorito. Nós, por exemplo, éramos a 8ª força e terminamos vice-campeãs”, diz a comandante.
Feliz e realizada pelo momento que vive junto à modalidade, Bruna não vê, hoje, a possibilidade de trocar o feminino pelo masculino. “Não penso em treinar masculino. Meu objetivo é de alguma forma ajudar o basquete feminino, que sofreu e vem sofrendo muito nos últimos anos. O masculino tem já bastante gente trabalhando”, explica a técnica.
“Estou fazendo faculdade de gestão esportiva e alto desenvolvimento para poder auxiliar aqui na nossa cidade. Meu objetivo é estar totalmente alinhada para ajudar entidades, gerenciar comissões técnicas”, conclui.