Com o tricampeonato brasileiro conquistado no último domingo, o Corinthians consolida uma hegemonia no futebol feminino nacional. Desde que o clube retomou o investimento na modalidade em 2016, foram oito títulos conquistados (Copa do Brasil em 2016, Libertadores em 2017 e 2019, Brasileiro em 2018, 2020 e 2021, Paulista em 2019 e 2020) e números impressionantes alcançados.
Em 151 jogos nesses últimos cinco anos, o Corinthians comandado pelo técnico Arthur Elias teve 125 vitórias, 17 empates e apenas nove derrotas. Foram 459 gols marcados e só 81 sofridos (dados do Sofascore Brasil).
Nesta temporada, inclusive, o feito da equipe alvinegra é ainda mais impressionante considerando que o nível do Campeonato Brasileiro nunca foi tão forte. Quanto mais os adversários se reforçam em busca de fazer frente ao Corinthians, mais o time de Arthur Elias evolui e mostra que não está disposto a sair do topo tão cedo.
Dos três títulos de Brasileiro conquistados, o Corinthians nunca havia conquistado a taça sem ao menos um tropeço no mata-mata. Desta vez, mesmo construindo boas vantagens no primeiro jogo, a equipe alvinegra conseguiu melhorar ainda mais o desempenho no segundo. Foi assim nas quartas-de-final contra o Avaí Kindermann, por exemplo, quando as corintianas venceram a ida fora de casa por 4 a 1 e golearam também na volta: 6 a 0. Contra a Ferroviária, nas semifinais, 3 a 1 na ida e os mesmos 3 a 1 na volta. Contra o Palmeiras na decisão, 1 a 0 num jogo difícil no Allianz Parque, e uma atuação de gala no primeiro tempo que selou os 3 a 1 da volta na Neo Química Arena.
Mas como foi possível chegar a esse patamar?
Gestão
Há, talvez, dois nomes que ajudam a explicar esse sucesso: Cris Gambaré, diretora de futebol feminino, e Arthur Elias, o técnico da equipe desde 2016, que já havia sido campeão brasileiro em 2013 pelo Centro Olímpico.
Cris foi quem levou o projeto do futebol feminino corintiano para a diretoria alvinegra e fez com que ele saísse do papel na parceria com o Audax em 2016. Ela costuma dizer que “o Corinthians fez a lição de casa na casa dos outros”, mas que foi um período de muito aprendizado, imprescindível para que, quando investisse na gestão própria, o clube já tivesse conhecimento para ter mais acertos do que erros.
O trabalho dela passou também por convencer Andrés Sanchez, então presidente do Corinthians, a investir numa modalidade pela qual ele não tinha nenhuma simpatia. Por incrível que pareça, hoje, o cartola virou um fã declarado do time feminino. E o alicerce que foi construído no clube permite que nem mesmo as crise de bastidores do futebol masculino tirem as conquistas das mulheres.
Aliado ao bom trabalho de Cris na gestão tem o trabalho de Arthur Elias e sua comissão técnica, sempre buscando evoluir mais na estrutura oferecida para as mulheres.
“A gente não trabalha para ser exemplo, mas pra fazer nosso melhor, crescer, representar bem, mas sem dúvida tivemos estrutura e consolidação para desenvolver o trabalho. São pessoas com comprometimento para manter esse nível de atuação. O Palmeiras investiu muito, a modalidade cresceu. Ficamos felizes com isso, mas sabemos que tem mais potencial no mercado, nível de jogo, tudo isso vai crescer ainda”, afirmou o treinador em entrevista ao Sportv após a final.
Trabalho à longo prazo
Além da boa gestão, outro fator importante para tornar o Corinthians um time tão vencedor foi o trabalho à longo prazo. Hoje, muitas das jogadoras que atuaram com ele desde 2013 (quando foi campeão brasileiro com o Centro Olímpico) ainda estão na equipe, o que favorece um entrosamento impossível de ser encontrado em qualquer outra equipe do Brasil. Suas ideias de jogo já estão tão bem compreendidas pelo elenco.
Das 11 titulares escaladas para a final contra o Palmeiras, sete estavam no time desde 2018. E dentre as seis contratações feitas para 2021, só uma estava na escalação inicial – a goleira Kemelli, de 22 anos, que não veio para ser titular logo de cara, mas ganhou essa oportunidade após a lesão de Tainá Borges, que era a então substituta de Lelê, a goleira que deixou o clube no fim da temporada passada.
Desde 2019, aliás, a política de contratações do Corinthians passou a ser jogadoras jovens, promissoras, que pudessem ter uma carreira mais longa no clube. A ideia não é trazer nomes consagrados, para assumirem titularidade de cara. Mas sim complementar a força do elenco com atletas que possam se desenvolver mais lá dentro e renderem por mais tempo. Foi assim com Gabi Portilho, por exemplo, que está na segunda temporada no clube e agora ganhou oportunidade de ser titular. A goleira Kemelli, a meia-atacante Miriã, a zagueira Tarciane, todas contratadas nesta temporada são jovens e com muito potencial pela frente.
E à frente desse trabalho está um grande entendedor do futebol das mulheres no Brasil, que consegue tirar um desempenho melhor do seu time a cada temporada. Arthur Elias já jogou no 442, no 433, já transformou laterais em zagueiras ou meias, mas nunca abdicou do seu futebol ofensivo, moderno, com obsessão pela posse da bola.
“É gratificante (saber que somos referência no futebol feminino), eu trabalhei para isso. Estou no feminino desde 2006, meu primeiro título foi em 2013. Abdiquei de muita coisa, trabalhei sete anos sem remuneração, investi tempo, trabalho, dinheiro, quando estava tudo longe do que é hoje. As mulheres merecem mais, sempre, e fico feliz em saber que lutei, tive competência para chegar e ter essa história aqui”, disse.
Na final contra o Palmeiras, com tanta qualidade em campo, estava claro que o jogo seria decidido nos detalhes. E quando as rivais impediram o Corinthians de construir seu jogo por baixo na primeira partida, o time soube achar a solução na bola parada muito bem ensaiada (e que, inclusive, havia sido tentada no primeiro tempo, mas só deu certo no segundo). No jogo deste domingo, na Neo Química Arena, de novo as corintianas souberam escapar da forte marcação alta do Palmeiras com uma bola esticada para Adriana e abriram a vantagem justamente no melhor momento das palmeirenses no jogo.
Depois, uma roubada de bola no campo de ataque e mais um gol corintiano. E por último, o recurso técnico de Vic Albuquerque achando uma bicicleta no meio da área para fazer uma pintura em Itaquera. Quatro gols nas finais, construídos de maneiras diferentes. O Corinthians de Arthur Elias é um time que sabe achar soluções nas maiores adversidades e que erra muito pouco, por isso, é tão difícil de ser batido.
Novidade da base
O Corinthians, em comparação com outras equipes de futebol feminino, chegou “atrasado” na base. Mas depois de tomar uma goleada do São Paulo por 5 a 1 no Brasileiro Sub-18 de 2020, houve uma cobrança interna para que o trabalho com as “brabinhas”, como são chamadas as meninas da categoria de base, fosse contínuo.
Com um trabalho melhor estruturado para 2021, o time alvinegro começa a mostrar sua força também nas categorias inferiores. Foi campeão brasileiro sub-16 (venceu o Internacional nos pênaltis) e está na final do Brasileiro sub-18 pela primeira vez contra o São Paulo.
Se o Corinthians já era forte no adulto sem o investimento nas categorias de base femininas, imaginem o que vem por aí.