“Queria que não existisse punição para as atletas durante a gravidez”, diz Maria Elisa

Há pouco mais de um mês, no dia 12 de agosto, Maria Elisa, jogadora de vôlei de praia, fez um grande desabafo em seu Instagram. O título era “Atleta pós gravidez” e no decorrer do texto, a atleta declarava ter sido punida profissionalmente após se tornar mãe.

“Quando decidi ser mãe eu sabia que não seria nada fácil meu retorno, assim como não foi de nenhuma que decidiu voltar a jogar. Você ganha bastante peso, perde força, seu centro de gravidade muda, passa 9 meses muitas vezes com dores lombares, volta aos treinos com estas dores, fica mais suscetível a lesões por causa dos hormônios, você acorda várias vezes a noite, carrega o bebê, agacha e levanta várias vezes ao dia, tem dificuldade de conseguir parceira (não foi o meu caso), perde patrocinadores, perde ritmo de jogo, joga contra todos os times que estão no seu melhor e o regulamento depois de tudo isso te pune com 25 % dos seus pontos retirados, tanto no Circuito Brasileiro quanto no Circuito Mundial. Qual a justificativa para esta retirada de pontos? Porque decidimos ser mães? O que há de errado nisso?”

Em entrevista às Dibradoras, Maria Elisa contou que fez o post com o objetivo de desabafar e que se espantou com o tamanho da repercussão.

“Estava no banho, morta de chorar e de cansaço, dor nas costas, no ombro, e tudo isso sem dormir (por conta dos cuidados com o filho Lucca), treinando, sendo cobrada e sem 25% dos meus pontos (no ranking). Eu preciso desabafar. Foi aí que eu escrevi aquele texto em cinco minutos. Estava de toalha, na cama, comecei a escrever e postei.”

E foi a partir dali que ela conseguiu mudar o regulamento da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e auxiliar as atletas-mães. “O que eles conseguiram foi ótimo, mas não foi o ideal”, opinou a jogadora.

Nova regra, mas ainda longe do ideal

Maria Elisa engravidou no final de 2019, mas acabou vivendo grande parte da gestação durante a pandemia. Em julho de 2020, seu filho nasceu e depois de quatro meses do parto, ela voltou a treinar por três vezes durante a semana.

“Sem renovação na modalidade durante um ano e pouco, decidi voltar a treinar e vi que eu ainda estava bem pra jogar. E aí, no dia-a-dia, foi aí que eu comecei a perceber as dificuldades do meu corpo. Queria voltar, tinha uma ótima parceira (Talita), mas não dormia direito – porque meu filho acordava –  sentia muita dor nas costas, tive uma lesão no ombro no meu ombro muito por conta do hormônio da gravidez. O tempo que eu tinha de descanso, já não tinha mais. Patrocinador não queria patrocinador porque queriam ter certeza de que eu estava bem pra investir e quando voltei pro circuito e me vi perdendo 25% dos meus pontos por conta de uma regra que me pune se eu não voltar após um ano fora. Como é que a gente pode ficar grávida por 9 meses e ter só 3 meses pra voltar?”

(Foto: Reprodução Instagram)

Infelizmente, esse tipo de situação não acontece apenas no vôlei de praia. Essa é uma realidade que toda mulher precisa encarar quando engravida. Falando especificamente das atletas, que dependem de desempenho e preparo físico, a maioria delas não encontra apoio dos clubes e federações para garantir seus direitos trabalhistas e, para não “perder tempo”, dinheiro e patrocínios, muitas delas acabam voltando ao esporte antes do indicado para garantir seu sustento e retornar à boa performance mais rápido.

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Dupla de Carol Solberg por três anos, Maria Elisa acompanhou de perto os desafios de ser mãe-atleta quando viu a parceira conciliar sua vida profissional com a maternidade. “Presenciei diversos momentos com a Carol e posso dizer que dificulta. Não é fácil para o bebê e nem para a mãe-atleta. Vivi essas situações com ela, mas não tinha noção do perrengue físico que era”, recordou.

Maria Elisa e Carol buscam vaga nos Jogos de Tóquio (Divulgação FIVB)

Depois das inúmeras curtidas, compartilhamentos e comentários no post feito na rede social, Maria Elisa contou que percebeu ali que não estava errada. “Foi aí que decidi mandar um e-mail pra Federação Internacional e pra CBV questionando o motivo do regulamento ser dessa forma, até pra eu poder entender a posição deles e criticar ou não.”

A resposta veio somente por parte da Federação Internacional (FIVB), que gradeceu o questionamento e disse que levaria o assunto para discussão internamente. Na sequência, o órgão esportivo sugeriu que Maria Elisa deveria expor o caso para a Comissão de Atletas de Vôlei de Praia. E ela fez isso.

Ela ligou para o vice-presidente e atleta, Ramón Gomes, e ele já havia visto a postagem. “Ele me disse que iriam levar o assunto para discussão. E aí eu disse: ‘vocês estão pensando em levar o caso adiante sem me perguntar nada?’

E a decisão, por parte da Comissão de Atletas, foi a seguinte: após engravidar, a atleta tem o prazo de 18 meses no total (9 meses de gestação e 9 de recuperação) para retornar às competições (em nível nacional) sem perder nenhuma pontuação. Se não voltar nesse prazo, ela automaticamente perde todos os pontos no ranking.

(Foto: Reprodução Instagram)

“A minha reivindicação era para que a gente tivesse um ano para retornar às quadras após parir. Porque aí o corpo volta ao normal, você ganha musculatura e é o tempo que você precisa de respaldo físico para aguentar a ‘porrada’. E não ter que voltar às pressas com chance de lesão”, opinou Maria, que considerou um radicalismo fazer a atleta perder todos seus pontos após 18 meses.

“Eu queria que fosse assim: que a gente retornasse 1 ano após o parto e ficasse com 100% dos pontos assegurados. E se voltar em 1 ano e meio, fica com 75%. Porque assim, e se você tiver alguma complicação no parto? Se a criança precisar de uma atenção ou cuidado especial? Eles me deram 9 meses para me recuperar, mas se voltar depois disso, não tenho ponto nenhum. Eu agradeço o que eles conseguiram, mas acho que faltou a sensibilidade de me levar na reunião. A nova regra é ótima, mas não foi o ideal”, concluiu.

Próximos passos de uma conquista solitária

No Brasil, Maria conseguiu chamar a atenção para o assunto, mas ela deseja ir além: quer mudar as regras também no Circuito Mundial (que é a mesma seguida pelo Brasil, mas ela deseja implantar a sua versão). Além disso, ela quer fazer com que sua reivindicação se torne um projeto de lei federal.

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“Quero que não exista nenhum tipo de punição durante a gravidez para as atletas de todas as modalidades. Esse é meu sonho, para que nenhuma delas seja prejudicada em ponto, em ranking, seja lá o que for. Preciso de tempo para estudar as peculiaridades de cada esporte para que a lei possa servir para o máximo de atletas possível. E quem pode me ajudar com isso é o COB”, ressaltou.

(Foto: Reprodução Instagram)

Mesmo recebendo muito apoio e parabéns pela conquista, foi o desabafo solitário de Maria Elisa que mudou a realidade de muitas jogadoras que já podem se beneficiar dessa mudança. Não há um grupo organizado de mulheres que pensam, unidas, dentro da modalidade, para brigar pelos seus direitos.

E Maria afirma que as atletas que não endossam sua “briga” não fazem por mal. “Nosso meio é muito competitivo. As primeiras, segundas e terceiras colocadas no ranking, têm as despesas pagas pela CBV. As outras precisam pagar para competir nas etapas do circuito mundial com o dólar a seis reais e o euro a sete. Vivemos com a faca no pescoço porque estamos sempre lutando pra estar no lugar da outra. Um deslize, uma moral que você dá pra outra, você cai financeiramente”, revelou.

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A própria Maria relembrou da situação vivida por Carol Solberg, que acabou sendo advertida pela 1ª Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva e julgada (e absolvida) pelo STJD após declarar “Fora Bolsonaro” durante uma entrevista em competição.

“Na época, eu fiquei com medo dos atletas se prejudicarem, de perdermos patrocínio. Mas hoje eu já vejo de forma diferente. O que a Carol fez foi muito importante para que os atletas ganhassem voz. Ela deu um chute numa porta que ninguém abria por medo. Conheço a Carol e ela não fez de caso pensado”, afirmou.

A própria Maria Elisa já viveu na pele situação parecida. “Uma vez eu fiz uma crítica ao governo na minha rede social e na hora eu recebi uma ligação do Banco do Brasil me pedindo pra apagar a postagem. Eu já vivi isso e me senti mal, porque vi que eu não tinha o direito, como cidadã, de estar insatisfeita. Não acho que tem que ser assim.”

Fernanda com os gêmeos Luan e Yago, e Maria Elisa com Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

A nova parceria de Maria Elisa no vôlei de praia é com Fernanda Berti, mãe de gêmeos de sete meses e que será beneficiada com o novo regulamento. Em entrevista ao GE.com, Berti revelou que contava com patrocinadores até o fim de 2019 e viu todos os contratos serem encerrados ao não conquistar a vaga olímpica para Tóquio. Com a gravidez, só uma empresa se interessou em conversar com ela, mas também não fechou negócio.

“Você presta serviço para o seu país, ganha títulos, medalhas, e de repente fica sozinha. Você volta de uma gravidez e não tem apoio de ninguém. O vôlei de praia é um esporte tão vencedor nas Olimpíadas, mas nesse ponto parece amador. Eu volto com a cara e a coragem, pagando técnico do meu bolso para poder voltar a jogar e quem sabe ganhar algum dinheiro nas competições. É muito triste, porque só dá para contar com você mesmo”, afirmou ao portal Globoesporte.com.

Imitando a vida em um contexto esportivo, Maria Elisa venceu o primeiro set, mas ainda precisa fechar esse jogo de maneira satisfatória, sem punir as mulheres que desejam ser mães. “É como se fosse um absurdo você deixar de representar o Brasil porque quer engravidar. Desculpa, eu tô trazendo um futuro jogador de vôlei ao mundo. E mesmo que ele não seja jogador, eu estou realizando um sonho!”, completa.

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