YARAS: Mulheres do rugby conquistam identidade própria e ganham força com nova CEO

Prestes a embarcar para sua segunda Olimpíadas, a seleção feminina de rugby vive um momento especial – e inédito. A fase “coincide” com a chegada de Mariana Miné, primeira mulher a ocupar o cargo de CEO da CBRu.

Conhecida desde 2013 como Yaras, a seleção das mulheres carregava em seu uniforme o símbolo da seleção brasileira masculina, que é batizada como Tupi. Através de um vídeo-manifesto lançado no último dia 24, protagonizado pelas próprias atletas, foi apresentada uma nova identidade visual que resgata a origem do nome de batismo.

O processo de construção reuniu virtualmente atletas do elenco atual e ex-atletas que definiram a palavra “corrigir” como tema principal da campanha, subindo a hashtag #TempoDeCorrigir. Lido pela ex-jogadora olímpica, Beatriz Futuro, o manifesto responde à seguinte pergunta: “Por que você luta?”.

“Para abrir caminhos, para me expressar como eu quiser, para ser dona do meu corpo” são algumas das respostas do vídeo que representa um dos capítulos mais importantes da história das Yaras: o do empoderamento! Na mitologia tupi-guarani, Yara é filha de Pajé e temida guerreira que, para escapar da morte, se refugiou nos rios amazônicos. Por essa razão, é conhecida em partes do país como a “senhora das águas”.

“A essência de ser uma Yara é ter a consciência de que precisamos uma das outras para vencer nossos desafios e sonhar com mais conquistas. Esse reconhecimento é muito importante para esse grupo de mulheres que construiu identidade própria em um esporte que ainda é considerado essencialmente masculino”, pontua Isadora “Izzy” Cerullo, experiente e vitoriosa atleta do atual elenco.

Absoluta na América do Sul, a seleção feminina venceu todos os 18 campeonatos Sul-Americanos que disputou desde 2004, quando a equipe foi criada. Além disso, se classificou para as três edições realizadas até hoje da Copa do Mundo de Rugby Sevens e conquistou o bronze nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em 2015.

Na Rio 2016, a primeira vez em que a modalidade (sete de cada lado) passou a integrar o programa olímpico, as Yaras terminaram na nona colocação. Em 2019, venceram o tradicional torneio Hong Kong Sevens e garantiram classificação para o Circuito Mundial, em que apenas as melhores seleções participam. Os feitos só reforçam a importância de estamparem no uniforme sua própria identidade.

Créditos: João Neto/Fotojump

Para Mariana Miné, CEO da CBRu, tal mudança também representa um marco à sua gestão. “Eu fiquei apaixonada por essa história quando cheguei aqui (CBRu). Lá para 2014 essas jogadoras começaram a se perguntar muito quem elas eram, o Tupi não representava o feminino, é uma figura masculina. No rugby é muito forte essa questão dos apelidos, é mais forte até que a própria bandeira”, diz a CEO.

“Foi um movimento independente, mega empreendedor. As atletas contrataram um designer para criar uma identidade visual, várias delas têm algo indígena tatuado no braço, criaram uma linha de roupa também e colocaram à venda, então esse dinheiro elas usam para treinos, atividades, às vezes pagam algo para as atletas que ganham menos. Essa história bateu muito forte em mim e comecei a pensar se elas deveriam realmente jogar com o Tupi no peito. Levei para o conselho a ideia de isso ir para o uniforme e eles foram super a favor, ficaram emocionados e ficou decidido: ‘Elas precisam ter a Yara no peito’”, completa.

Natural de São Bernardo do Campo, graduada em administração de empresas pela FGV, Mariana foi selecionada ao cargo de CEO da confederação através de processo conduzido por um comitê formado por 6 dos 13 conselheiros da CBRu. A partir daí começou a transição de carreira da paulista.

Créditos: Divulgação/CBRu

“Trabalhei em empresas grandes, multinacionais e fiquei muitíssimo empolgada quando surgiu essa vaga. Por mais que eu nunca tivesse trabalhado com esporte, eu entendo o esporte como uma ótima ferramenta de mudança social, que impacta vidas, se aprende sobre resiliência, garra, esforço e eu já tinha um contato prévio com o rugby quando fiz intercâmbio na Austrália bem na época do Mundial da modalidade, em 2003. Sabia que era um esporte que tinha muita coisa por de trás, além do jogo em si. Isso me tocou muito, foi uma das coisas que me fez dizer: ‘Eu quero’”, conta a empresária.

Miné assumiu o cargo em dezembro de 2020 e tem como uma de suas maiores metas levar a filosofia do rugby adiante. “Massificar o espírito do rugby é tão importante quanto massificar o rugby em si. Eu ouvi de alguns conselheiros algo que eu levo para vida: a gente aqui dentro entende que se o Brasil fosse o país do rugby e não o do futebol a gente teria um país melhor. Comecei a buscar informações, a ler, saber sobre os All Blacks, por exemplo, aquela coisa de que melhores pessoas formam melhores atletas, isso é muito forte no rugby”, explica Mariana.

“Num mundo polarizado que temos hoje, que é A ou Z, o rugby tem um jeito de ser completamente diferente, único esporte que conheço que tem o ritual do 3º tempo, onde o jogo acaba e vai todo mundo junto celebrar, é maior do que a rivalidade em si, é o momento das pessoas se conhecerem. É um ritual que acontece desde o nível amador até os torneios internacionais. Além disso, tem uma coisa muito forte do fair play, o árbitro é absoluto em campo, não tem nenhum tipo de pressão em cima, só o capitão fala com o árbitro e se ele disser ‘é isso’, todo mundo acata”, completa.

Estamos falando de um esporte ainda considerado amador no Brasil. Por aqui, os únicos atletas que recebem dinheiro para praticar o rugby são os que defendem as seleções brasileira. Para Miné, este é mais um dos muitos desafios que ela tem pele frente.

Quando cheguei aqui foi uma coisa que até me assustou. Numa CBF você tem um atleta que joga, ganha no clube e ganha um X pela seleção, no rugby é completamente diferente. Todo mundo que joga nos clubes é amador, não recebe nada, muitas vezes pagam mensalidade para jogar e na seleção é o único lugar que temos atletas semiprofissionais ganhando. Um percentual muito grande do nosso orçamento vai para os atletas através de salário ou auxílio moradia, alimentação”, explica a executiva, que complementa enfatizando a importância de se trabalhar em conjunto com federações e clubes.

“A gente está tentando cada vez mais encurtar esse caminho, temos um time dentro da CBRu responsável por desenvolvimento com um papel muito forte de fazer a ponte com federações e clubes, entender quais são as melhores formas de formato de torneios. Não é um desafio fácil, a gente não está hoje no grupo de modalidades que estão dentro das escolas como futebol, vôlei, handebol, essa questão do desenvolvimento é um trabalho difícil. Já instituímos algo que nunca foi feito antes que é uma sequência de reuniões com os presidentes das federações para falar o que estamos fazendo para a base e ouvir deles, quem está com cases positivos e conseguir que a vitória de um se transforme na vitória de outros também”.

Créditos: Divulgação/CBRu

A quantia destinada aos atletas que defendem as cores do Brasil no rugby é diferente para homens e mulheres. Elas ainda ganham menos do que eles, e muito disso pelo atraso no desenvolvimento da modalidade feminina. Vale ressaltar que enquanto a seleção feminina reina na América do Sul, a masculina ganhou uma única vez o Sul-Americano, em 2018 – além de um bronze na Copa das Nações Emirates Airlines 2011.

“Existe uma diferença que vem sendo reduzida e ela acontece por causa do mercado internacional. O rugby feminino é visto como promissor, está engajado, mas ainda é menos desenvolvido, então nesse sentido você não tem assédio a jogadoras brasileiras para ir para o exterior, o que acontece no masculino, isso puxou o salário deles para frente. Nos últimos três anos estamos diminuindo essa diferença, a gente entende que precisa resolver e eu vou, assim que eu tiver condições financeiras para”, promete Mariana.

A vida profissional de Miné sempre esteve inserida em meios majoritariamente masculino. Ao se tornar uma das poucas gestoras mulheres dentro do mundo esportivo, ela espera servir de exemplo para outras futuras líderes. “O universo corporativo como um todo é muito masculino, muitas vezes olhamos para cima e tem pouco exemplo feminino a quem se inspirar, encontramos até barreiras emocionais que fazem com que a mulher não se enxergue naquela função, naquela posição. Durante toda a minha carreira eu sempre procurei me apoiar em exemplos positivos, eu sempre tive uma vontade muito grande de empreender, de crescer profissionalmente, de construir uma carreira forte”, diz a gestora, que segue com um conselho:

“Eu acho que a gente tem que, acima de tudo, se jogar no desafio. Vejo muitas mulheres se questionando se isso é para nós ou não é. Eu sou líder, tenho dois filhos pequenos (Tom, 4 anos, e Olivia, 1 e meio), tenho uma vida com o meu marido super feliz e às vezes eu acho que nós mulheres ficamos muito nesse dilema do profissional vs pessoal, e às vezes dá para fazer as duas coisas”.

Dos muitos desafios que o seu cargo lhe impõe, um deles está em conseguir investimento na modalidade. Para isso, Mariana traz toda a sua experiência no mundo corporativo e divide com o conselho administrativo e com os órgãos colegiados que integram o modelo de organização da CBRu.

“Eu venho do mundo corporativo, onde muitas decisões são tomadas pelo corporativo, e quando você tem esse outro lado no esporte, você pensa em como vai deixar um legado maior para a comunidade como um todo. Desde a Rio 2016 o esporte vem sentindo uma saída de reforço e refúgio para outras coisas. Eu entendo que estou aqui para ajudar meus patrocinadores a contar histórias relevantes para a marca deles e ser parceira nessa construção, sair do básico de estampar camisas e nomes em placas de publicidade. É um desafio muito grande para o esporte brasileiro de reforçar vínculo com patrocinadores e criar valor.”

De malas prontas rumo a Tóquio com as Yaras, Mariana espera que o impacto do atraso na preparação causado pela pandemia da Covid-19 seja o mínimo possível. “É um enorme desafio, estou numa empolgação tremenda. Do lado do masculino temos a qualificação da Copa do Mundo. Desde que cheguei, está sendo difícil garantir às seleções tempo de treino por conta da pandemia. Nosso esporte é de muito contado físico, dificulta a preparação. Havia um torneio em Madri e fomos barradas porque a situação pandêmica no Brasil estava (está) muito difícil. Momento muito difícil para garantir condições de treino”, lamenta a gestora.

Mariana Miné e as Yaras embarcam para Tóquio no dia 7 de julho com estreia marcada para o dia 29 do mesmo mês – o adversário deve ser decidido somente na última semana de junho, já que faltam duas seleções para confirmar presença nos Jogos.

Já os Tupis, que desistiram de buscar vaga para esta Olimpíada, tentam pela primeira vez a classificação no Mundial da modalidade, marcado para 2023, na França. Pela 1ª fase das Eliminatórias o Brasil enfrenta o Paraguai, no dia 26 de junho, em São José dos Campos com transmissão da ESPN.

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