A verdade é que todo mundo sabia que isso estava na iminência de acontecer, mas ninguém estava preparado para a notícia. O anúncio da lista de convocadas para a última data Fifa antes dos Jogos Olímpicos veio, e a possibilidade de termos, pela primeira vez desde 2004, uma Olimpíada sem o trio Marta, Formiga e Cristiane se tornou real.
A maior artilheira da história dos Jogos Olímpicos entre homens e mulheres não está entre os 25 nomes que irão disputar os amistosos contra Rússia e Canadá nos dias 11 e 14 de junho. A ausência de Cristiane não pode ser considerada “absurda”, já que a atacante tem oscilado nos jogos do Santos e e não esteve na maioiria das convocações de Pia Sundhage. A camisa 11 sofreu com lesões desde a Copa do Mundo de 2019 e, com isso, não conquistou “vaga cativa” no time comandado pela sueca.
Ainda assim, não deixa de ser impactante pensar nessa ausência. Ao lado de Marta e Formiga, Cristiane é a alma da seleção brasileira desde o início deste século. Juntas, elas disputaram cinco Copas do Mundo (de 2003 a 2019) e esta seria a quinta Olimpíada do trio, que conquistou um vice-campeonato mundial e duas pratas olímpicas.
Uma exímia finalizadora, jogadora inteligente, com ótima visão de jogo, excelente senso de posicionamento e, acima de tudo, uma líder nata. Essa é Cristiane para a seleção brasileira, uma atacante completa. Só que, por causa dos frequentes problemas físicos que enfrentou nos últimos anos – lesões musculares, principalmente, a deixaram bastante tempo fora de campo -, a camisa 11 não teve sequência.
Foram 12 convocações de Pia Sundhage desde que ela assumiu a seleção, e Cristiane esteve em 5 delas. Ao todo, a atacante fez 8 jogos sob o comando da sueca e marcou dois gols. As artilheiras dos 16 jogos de Era Pia são Debinha, com 11 gols, e Bia Zaneratto, com cinco.
Não são os números de hoje que justificam uma convocação de Cristiane para os Jogos Olímpicos. É a história que ela construiu. Mas com essa lista, Pia deixa claro que, “só” a história não garante vaga na seleção.
Alguma chance de a lista olímpica ter algum nome que está fora desses 25 já anunciados para os amistosos de junho?, perguntamos à Pia. “Não é impossível, mas vai ser muito difícil ir para os Jogos Olímpicos quem não estiver na lista de hoje”.
Impacto
Com 14 gols marcados em Jogos Olímpicos, Cris se tornou em 2016 a maior artilheira da história da competição – e poderia ter feito até mais se não tivesse se machucado no último jogo da primeira fase. Ali, ela viveu o maior baque de sua carreira. Porque nas semifinais, acabou entrando no fim do jogo, mesmo machucada, e errou sua cobrança de pênalti.
A dor daquele momento somada à dor da perda da avó, que aconteceria pouco tempo depois, foram um baque muito grande para a jogadora, que teve depressão e quase parou de jogar.
Cris chegou a “se aposentar” da seleção após a demissão de Emily Lima em 2017 por não concordar com a gestão da CBF, mas voltou atrás convencida pelo então técnico Vadão, o comandante do Brasil nos Jogos de 2016 que reassumiu o cargo após a saída da treinadora.
Na preparação para a Copa do Mundo de 2019, a atacante mais uma vez sofreu com lesões. Ela ficou fora de todos os amistosos daquele ano antes do Mundial – quando o Brasil acumulou a maior sequência negativa de sua história, com nove derrotas. Não jogava uma partida pela seleção desde fevereiro de 2018 e havia feito poucos jogos pelo São Paulo, o clube com o qual assinou naquele ano (e nenhum gol). Ainda assim, por uma aposta do treinador (que a camisa 11 sempre fez questão de citar e agradecer), o nome dela esteve entre as convocadas.
A grande surpresa da convocação da @SelecaoFeminina p/ a última Data Fifa antes de Tóquio é a ausência de Cristiane, a maior artilheira dos Jogos Olímpicos. Antes da Copa de 2019, Cris tbm vinha de altos e baixos e um jejum de mais de 1 ano sem atuar com a Seleção por lesões (+) pic.twitter.com/isY39Dx9qR
— Maíra Nunes (@mairagnunes) May 21, 2021
Cristiane retribuiu muito bem a confiança de Vadão. Na preparação para a Copa, que aconteceu em Portugal, acompanhamos a seleção e vimos que a artilheira estava bastante “quieta”. Depois, ela explicou para nós: estava concentrada. Completamente focada em voltar a todo o vapor.
Não deu outra. O Brasil estreou contra a Jamaica e, para aquele jogo, Marta não estava disponível (ela havia se lesionado na preparação). Pois foi Cristiane quem respondeu. O Brasil ganhou de 3 a 0 com três gols dela: um de cabeça, um de falta, e um de dentro da pequena área. Todos os recursos que uma atacante desse porte pode oferecer em um único jogo.
A atacante ainda fez ótimas partidas contra a Austrália (fez um golaço eleito o mais bonito daquele Mundial posteriormente), Itália e França – deste último, ela saiu quando não aguentava mais de dor na coxa (havia sofrido uma nova lesão) durante a prorrogação.
A experiência mostra que o risco de levar uma atacante como Cristiane ainda que vindo de uma temporada instável pode compensar. Mas não seria correto também “condenar” Pia caso a treinadora decida não levar a artilheira. Afinal, se pedem “renovação”, não podem criticar a técnica por levar algum outro nome que esteja melhor.
Nessa equação, é difícil saber qual seria a decisão correta. Mas para Cristiane, vale se apegar à resposta de Pia na coletiva. “Difícil, mas não impossível”. E para quem já conseguiu “dibrar” tantas adversidades para se tornar uma das maiores jogadoras da história da seleção (e uma das maiores artilheiras também), esse é só mais um desafio que ela pode tirar de letra.
2 respostas
Primeiro texto que eu leio de vcs aqui no site. Excelente! Dinâmico, gostoso de ler.
Quanto à convocação, é hora de renovação.