Ignorando futebol feminino, Super Liga se esgotou antes de começar

Super Liga europeia não considerou efeitos dela para o futebol feminino.

*Por Júlia Belas

A Super Liga Europeia mal começou, mas já está ameaçada após a desistência da maior parte dos seus fundadores. No comunicado divulgado pelos 12 clubes que se comprometeram com a iniciativa, havia uma promessa (um tanto vaga) de que haveria um equivalente feminino à competição bilionária “assim que seja praticável”, para ajudar a “avançar e desenvolver o futebol feminino”. Mas qual o impacto real dessa promessa?

Os 12 clubes fundadores da ESL seriam o AC Milan, Arsenal, Atlético de Madri, Chelsea, Barcelona, Inter de Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham. Destes, o Barcelona e Chelsea estão nas semifinais da atual temporada da Champions League Feminina e poderiam sofrer com sanções caso fossem punidos pela Uefa. O Chelsea, comandado por Emma Hayes, é o atual campeão da FA WSL e superou o gigante Wolfsburg nas quartas da Champions. O Barça, por sua vez, profissionalizou a sua equipe feminina em 2015 e chegou a ser vice-campeão do torneio continental na temporada 2018-19, sendo derrotado pelo Lyon na final.

Por outro lado, outros clubes envolvidos na concepção da Super Liga não mostram o mesmo desempenho. O Real Madrid, que comandou a criação da ESL, disputa sua primeira temporada oficial na Espanha, depois de anos ignorando a modalidade. Dos fundadores, só o Arsenal foi campeão da Europa, em 2007.

(Foto: AFP)

Cinco deles nunca disputaram uma Champions League Feminina: Milan e Inter de Milão na Itália, Manchester United e Tottenham na Inglaterra, e o próprio Real. O Liverpool, por sua vez, foi rebaixado à segunda divisão na Inglaterra e é constantemente criticado por sua falta de investimento na modalidade. O United se recusou a manter um time feminino por mais de uma década. Além disso, a Super Liga não teria dois dos principais times da modalidade: Lyon e Wolfsburg, que figuram entre os maiores vencedores da Europa, ficariam de fora.

O comunicado de lançamento do torneio afirma que a temporada inaugural começaria “o mais cedo possível” e que, no futuro, os clubes discutiriam com a Uefa e a Fifa soluções para a Liga e para o futebol “como um todo”. No entanto, além da promessa vaga de uma Super Liga feminina no futuro (não confundir com a Super Liga Feminina, campeonato nacional da Inglaterra), nenhuma outra categoria é mencionada. A Uefa e as ligas nacionais afiliadas prometeram lutar contra esta iniciativa em todos os níveis, tanto jurídicos quanto esportivos. Os clubes e jogadores seriam banidos de torneios domésticos, europeus e mundiais. De novo, nenhuma menção a categorias de base, futebol feminino ou qualquer outra.

Futebol feminino é anexo, nunca assunto principal

O futebol feminino sempre é pensado em relação ao masculino. É apenas uma alternativa, um projeto a ser desenvolvido depois, quando o masculino já estiver estabelecido. O orçamento é menor e, em caso de crise, o primeiro a ser cortado.

Nadine Kessler, ex-jogadora alemã e atual chefe de futebol feminino da Uefa, alertou para as possíveis consequências para o futebol feminino. “Os clubes precisam poder ter a ambição de ser parte da elite do futebol feminino europeu, a Champions League Feminina da Uefa. Com uma competição fechada como a ESL, isso não é possível”, explicou ela em um comunicado.

Nadine Kessler falou sobre o fato de a Super Liga não ter considerado o futebol feminino (Foto: Fifa)

“O ecossistema inteiro do futebol financia tudo, da base à elite, inclusive o futebol feminino – estes são canais de financiamento fundamentais dos quais estas partes do jogo, nosso jogo, dependem”.

Outro comunicado bastante comentado foi o de Ada Hegerberg, do Lyon, maior goleadora da história da Champions Feminina. “Ganância não é o futuro”, disse ela. Emma Follis e Anita Asante, do Aston Villa, foram outras atletas que se pronunciaram contra o torneio. Comandante do time feminino do Chelsea, Emma Hayes preferiu não se pronunciar, dizendo apenas que não sabia tanto sobre a proposta.

A verdade é que os 12 clubes fundadores (10 dos quais já debandaram) não ouviram representantes dos times femininos, as suas torcidas e a comunidade do futebol para tomar essa decisão. E talvez este tenha sido o principal erro do grupo desde o começo: quando as discussões são pensadas apenas para o time masculino profissional, sem considerar as implicações em outras categorias, a Super Liga já começa desfalcada.

Se o objetivo é desenvolver o futebol “como um todo”, todas as categorias devem ser representadas. Caso o torneio fosse pensado com os torcedores, as comunidades envolvidas com os clubes, categorias de base e times femininos, talvez houvesse uma proposta mais sólida e que durasse mais do que 72 horas.

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