Melhor zagueira do Brasil, Pardal é multicampeã, mas não tem chance na seleção

(Foto: Bruno Teixeira/Agência Corinthians)

A menina Ingrid Carolina Frisanco que cresceu em Boituva jogando bola na rua com os irmãos jamais imaginava que conquistaria títulos de tamanha expressão no futebol feminino. Campeã de tudo vestindo a camisa do Corinthians (Copa do Brasil, Brasileiro, Libertadores e Paulista), a zagueira Pardal, de 26 anos, tem mais de 140 jogos pelo Timão e assume que vive o melhor momento de sua carreira.

Se Pia Sundhage, treinadora da seleção brasileira feminina, ainda não se rendeu ao futebol consistente da camisa 3 do clube paulista, os amantes do futebol feminino não se conformam com a ausência de Pardal na equipe nacional. A própria jogadora  declarou em entrevista às dibradoras que, por muito tempo, esperou uma chance. Hoje, ela prefere não se empolgar mais e seguir trabalhando no clube.

Já me perguntaram sobre isso, mas sou muito pé no chão, porque eu já tive tanta decepção de esperar que agora eu prefiro me surpreender. Claro que às vezes eu penso que gostaria de ter uma oportunidade, não só eu, mas tantas outras meninas que merecem ser observadas e ter um espaço”, disse. 

Tudo começou na rua

Com 10 anos de idade, ela começou a dar seus primeiros chutes na rua em que morava, na cidade de Boituva (interior de São Paulo). Ali, ao lado dos irmãos e amigos, a menina magrinha, das canelinhas finas, sequer se lembra de ter tido referências femininas no esporte que hoje é sua carreira. “Eu brincava na rua, mas acho que nem sabia que existia o futebol feminino”, relembrou. 

Um tio que ficou sabendo que haveria uma peneira para meninas na equipe do Juventus (da capital paulista) e incentivou a sobrinha a participar. Com a família ao lado e uma amiga que também era sua parceira nas peladas de rua, ela foi para São Paulo fazer o teste.

Pardal defendeu o Juventus por 10 anos (Foto: Blog do Lira)

“Você vê como são as coisas, né? Naquele dia, a minha amiga passou no teste e eu não. Eu estava arrasada e ela feliz. Mas ela só teve apoio da mãe, o pai não queria que ela jogasse e, por causa disso, eu fui chamada para jogar no clube na vaga que era dela”, relembrou.

Foi ali na Moóca, sobre o comando da treinadora Magali Aparecida Fernandes, que o futebol de Pardal começou a se desenvolver. Única mulher no meio de quatro irmãos, Pardal saiu de Boituva e se alojou nas dependências do Juventus, clube que defendeu por 10 anos. “Foi uma loucura. Meu pai era mais tranquilo, minha mãe ficava mais preocupada”, contou sobre o início da carreira.

 A equipe juventina tem muita tradição na modalidade feminina e por ali, jogaram grandes atletas, como Tamires e Cristiane. A treinadora Emily Lima também passou por lá, treinando o time no início de sua carreira. “Eu cheguei a jogar com a Pelle (Aline Pellegrino, atual diretora de futebol feminino na Federação Paulista de Futebol). Formei dupla de zaga com ela quando ela estava quase parando de jogar. Também joguei ao lado da Erika e da Tamires, mas elas não lembram de mim. Eu era uma pirralha, né?! Era mais uma menina entre tantas que estavam ali, em um teste, seria difícil de lembrar”, conta.

Quando a treinadora Magali foi demitida do clube, Pardal foi jogar no Botafogo da Paraíba. O ano era 2013 e com a chegada de Emily no Juventus, a treinadora insistiu para que a zagueira voltasse para o clube. “A Emily me ligava muito , queria que eu voltasse e dizia que queria trabalhar comigo. Terminei o contrato que tinha com o Botafogo e voltei, joguei por um ano sob o comando da Emily.”

Pardal defendendo o Audax/Corinthians em 2016 (Foto: Leandro Martins/AllSports)

Depois da longa trajetória no Juventus, Pardal defendeu clubes menores do interior – mas com grandes êxitos na modalidade, como o São Manuel, Botucatu e Rio Preto. De volta à São Paulo, ela jogou pelo Centro Olímpico em 2015 e Audax em 2016. Com a fusão do time de Osasco com o Corinthians, Pardal se garantiu entre as titulares do clube alvinegro para não mais sair.

Seleção brasileira

Foi jogando pelo Juventus que veio a primeira oportunidade nas equipes de base da seleção brasileira. Com 16 anos, foi convocada pelo treinador Marcio Gaspar para defender a sub-17 em jogos e competições. “Eu jogava de volante, mas às vésperas do Sul-Americano, a zagueira se machucou e foi cortada. Como eu era 1ª volante e tinha noção defensiva, me colocaram na zaga. No começo fiquei apreensiva, mas aceitei numa boa”, recordou.

Também foi titular da sub-20 e, sob o comando de Caio Couto, foi campeã sul-americana em 2012. Aquele time contava com nomes como o das goleiras Dani Neuhaus e Lelê, além das jogadoras Tayla, Andressa Alves, Andressinha, Ketlen, Bia e Thaisinha.

(Foto: Divulgação)

Pela seleção principal, a chance chegou também sob o comando de Emily Lima, em uma convocação de observação em 2017. Entre as 26 relacionadas pela treinador na época, 18 eram estreantes na categoria e muitas delas já haviam passado pela equipe sub-20. Pardal era uma delas e, mesmo conquistando títulos e se mantendo como titular em um dos clubes mais fortes do Brasil, a zagueira não teve nova chance.

“Eu já fui muito mais apegada a isso (estar na seleção). E quando fui muito apegada a isso, tive muita decepção. Eu estava bem, queria ir. Pô, joguei na categoria de base, cheguei na principal, então a chance de ir é maior e comigo não aconteceu isso. Até o ano passado cogitavam que eu seria convocada com o Vadão e acabei não indo. E esse ano pra mim, profissionalmente falando, foi o meu melhor ano, mas chegou um momento da minha carreira que eu decidi não pensar mais e não pensei”, afirmou. 

Pardal treinando na Granja Comary sob o comando de Emily Lima (Foto: Kin Saito/CBF)

Em dezembro deste ano, a seleção brasileira de futebol terá um amistoso no Brasil, mas sem adversário, data e local definidos. A treinadora Pia deve convocar apenas atletas que atuam no Brasil e nos Estados Unidos, mas Pardal acredita que não será chamada.

“Sendo sincera, eu tô de boa e acredito que não vá (ser convocada). Mesmo indo só atletas do Brasil, acho que não vou. Posso me surpreender, mas prefiro que seja assim. Se tiver que acontecer, vai acontecer, senão, boa sorte pra quem está lá e eu vou fazer o meu melhor dentro do clube que é o que me dá de comer e beber todos os dias. Então, eu penso no Corinthians, que pra mim já é uma seleção. Jogar ao lado dessas meninas é uma seleção também!”, desabafou Pardal que é a atleta que mais atuou no ano pelo Corinthians, ficando de fora em apenas três jogos.

Próximos passos

Há poucos dias, Pardal conquistou o título que tanto sonhava, o Campeonato Paulista. “Já tinha ganhado a Libertadores, ganhei a Copa do Brasil, o Brasileiro, e faltava o Paulista. Todos foram muito importantes, mas esse do Paulista teve um gostinho diferente e eu queria muito. No ano passado, eu bati na trave porque perdi para o Santos aqui (na Fazendinha), então eu falei ‘não é possível, esse ano tem que vir’. E deu tudo certo. O Paulista desse ano teve um gosto especial.”

Toda a família da zagueira é corinthiana, então, defender o clube do coração para ela é motivo de orgulho. Ver a Arena Corinthians com mais de 28 mil torcedores no dia da final contra o São Paulo, foi um dos momentos mais especiais da trajetória da jogadora.

(Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians)

“Por mais que eu seja nova, eu peguei uma época bem dura também. Imaginava que iria ter aquele público, só que a gente imagina mas sem aquela certeza. Meu, foi emocionante demais. Quando a gente entrou pro hino nacional e viu a torcida… foi uma coisa de louco, não tem explicação, pode perguntar pra qualquer uma.”

Se sua próxima temporada será vestindo a camisa do Corinthians, Pardal ainda não sabe. Times de fora e também do Brasil já sondaram a zagueira e ofereceram contratos tentadores. “Recebi propostas boas, de times de camisa e até ouvi um deles dizer ‘eu quero te tirar daí’ (do Corinthians).”

“Também penso em jogar fora e todo final de ano eu recebo propostas. Mas avalio bem porque se for pra ir e ganhar o mesmo que ganho aqui ou um pouco mais, não vou, não compensa. Tem que ser uma proposta boa, mas esse ano eu recebi algumas de fora e até de outros times aqui do Brasil mesmo. Vamos ter uma reunião ainda, primeiro quero ouvir o que o Arthur (treinador) e o Corinthians tem pra falar e aí eu vou decidir o que fazer”, revelou.

(Foto: Divulgação FPF)

Fechando mais uma temporada jogando em alto nível, sem enfrentar lesões, Pardal é uma das mais cotadas a levar o prêmio de melhor zagueira da competição paulista pelo segundo ano consecutivo. Sua parceira de defesa, Erika, também é uma das indicadas e, se Pardal cresceu sem referências para inspirar, hoje escolhe Erika como uma das jogadora que mais gostou de ter ao lado. “Duas jogadoras que gostei de jogar são aqui do Corinthians: a Mimi porque estamos há muito tempo juntas, temos muito entrosamento, não precisamos nem falar, só olhar. E depois a Erika, por ser a Erika, ela agrega demais.”

Para a dupla de zaga do Corinthians se efetivar como titular da seleção falta apenas um detalhe: uma única chance para Pardal mostrar o que sabe.

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