Luta contra o câncer e o preconceito: fotógrafa viaja o mundo pelo esporte

Foto: Arquivo Pessoal

Quando se olha na beira do gramado de uma Copa do Mundo, em meio a um amontoado de fotógrafos se espremendo por um espaço em busca da melhor foto que aquele jogo pode gerar, há uma que chama a atenção pelo véu na cabeça e por uma particularidade: a de sempre se virar para a torcida para registrar a vibração do estádio. Wadad Hachichou começou a fotografar eventos esportivos há 10 anos quando descobriu essa paixão – e, desde então, viaja os quatro cantos do mundo para clicar as principais competições do planeta.

Libanesa e muçulmana, Wadad é uma “exceção” entre os milhares de homens que ocupam os gramados com a câmera na mão. Aos 53 anos e lutando contra um câncer na cabeça, ela mantém seu objetivo de realizar sonhos fotografando. Costuma dizer que não há nada que poderia impedi-la de ir atrás daquilo que ama e não se deixa abalar nem mesmo quando tentam derrubá-la no campo.

“Na Copa do Mundo de 2018, estava fotografando a semifinal e um fotógrafo atrás de mim bateu na minha cabeça três vezes tentando ‘me tirar’ do caminho. Era como se dissesse: ‘o que você está fazendo aqui?’. Essas coisas acontecem e infelizmente vão acontecer sempre. Mas é o que eu digo: se você tem um sonho, vá atrás dele. Apenas vá lá e faça, não ligue para o que os outros vão dizer”, afirmou às dibradoras.

Com pelo menos 4 Copas no currículo – duas masculinas (2014 e 2018) e duas femininas (2015 e 2019), a fotógrafa conta que ainda encontra pouquíssimas mulheres trabalhando nesses eventos. “Hoje em dia eu tenho visto um pouco mais, mas é uma carreira difícil, você não encontra tantas fotógrafas. Acho que em qualquer área, os homens não gostam de ver mulheres ganhando espaço, na fotografia esportiva não é diferente”, disse.

Foto: dibradoras

Com alguma dificuldade para andar e carregar todo o peso de seu equipamento, Wadad não se abala com os comentários que já ouviu de gente que acha que a fotografia esportiva não é para mulheres. A brasileira Vanessa Carvalho, sua colega nesta Copa do Mundo feminina, conta que uma das coisas mais comuns que dizem para as mulheres que se arriscam nessa área é que “elas não vão dar conta de carregar tudo isso”.

Realmente, o equipamento é pesado. Algumas dezenas de quilos nas lentes que precisam ser utilizadas para flagrar os momentos mais íntimos do jogo. “Quem decide se eu posso ou não carregar tudo isso sou eu. A gente tem que estar onde a gente quiser, se eu quero estar aqui e usar esse equipamento, eu posso, eu vou carregar peso, não importa. Eu sou tão forte quanto eles”, afirmou.

O melhor ângulo

Wadad é de uma família de fotógrafos e cresceu em meio a câmeras e cliques. Mas foi em 2009 que descobriu sua paixão pela fotografia esportiva. Foi em um amistoso entre Brasil e Catar em Doha, quando teve a primeira chance de fazer fotos do campo e dali não quis sair mais.

 

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#semifinales #nederland vs #sweden #lyon#france#wwc2019

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“Quando eu estou no campo e começo a fotografar, é algo diferente. Meu colega do meu lado tira outra foto. Estamos no mesmo lugar, ao mesmo tempo, e nossas fotos são diferentes. Se você for tirar fotos de algum documentário, de algum evento oficial normal, é uma foto comum, qualquer um pode tirar. Mas no esporte, você precisa ser criativo, precisa ser mais específico. Isso que eu acho legal”, disse Wadad.

Desde 2009, Wadad cobriu inúmeros eventos esportivos em diversos lugares diferentes. E ela não cansa de viajar. Cobriu a abertura da Copa feminina na França em 7 de junho, depois foi para o Brasil fazer a Copa América, voltou no dia 3 de julho para a França para fazer no mesmo dia a semifinal em Lyon. Uma correria que ela faz com gosto – e com a bengala de apoio para ajudar.

Foto: Arquivo Pessoal

“A organização desses eventos às vezes é muito difícil porque são muitas escadas no estádio, quase nunca tem elevador. Acho que falta um pouco de respeito por parte da Fifa e dos organizadores com a mídia que está aqui trabalhando”.

Para fazer a “foto perfeita” em um evento esportivo é preciso um olhar atento a tudo o que está acontecendo porque um segundo pode ser suficiente para perder o clique. Enquanto muitos fotógrafos focam na comemoração do gol, por exemplo, Wadad prefere se concentrar no clique dos(as) goleiros(as). Assim, ela consegue um material um pouco diferente do que os outros.

“Quando o atleta celebra, não me interessa, porque tem centenas de fotógrafos tirando essa foto. Para mim, é mais interessante a foto do goleiro. Porque gosto de pegar a expressão dele ou dela ao tomar o gol ou ao fazer uma defesa”, explicou.

Ansiosa sempre pelo próximo evento, Wadad já faz planos enquanto cuida também do tratamento de seu tumor na cabeça. Ela costuma dizer que “só há uma vida para viver, então é preciso aproveitá-la”. Na despedida, nos disse sorrindo: “Nos vemos nos Jogos Olímpicos, se eu ainda estiver viva”. Com essa vontade de viver – e de fotografar, a certeza é que ela estará em Tóquio.

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