Onde mulheres, negros e gays têm vez na Copa da Rússia

Na abertura da Copa da Rússia, bandeira LGBT foi erguida e muito compartilhada nas redes sociais (Foto: Reprodução Twitter)

*Renata Mendonça, de Moscou

No país da que rejeita homossexuais e que “aprova” a violência contra a mulher até mesmo na lei, há um espaço em que pelo menos durante um mês, as pessoas podem visitar e ser o que quiserem. Em meio a transmissões de jogos da Copa do Mundo e debates sobre preconceito, a chamada “Casa da Diversidade” foi aberta em Moscou e São Petersburgo para dar voz àqueles que não costumam ter espaço para falar na Rússia.

A ideia partiu de uma ONG europeia chamada “Fare” (Football against Racism in Europe – Futebol contra o Racismo na Europa, em tradução livre), que conseguiu até mesmo o apoio da Fifa para isso e criou o projeto para falar sobre diversidade no futebol.

No espaço reservado para isso em Moscou, no coração da Praça Vermelha, o ponto turístico mais visitado da cidade, há uma espécie de exposição sobre o histórico do futebol com negros, mulheres e homossexuais – esses últimos com poucas menções, já que são poucos os jogadores e as jogadoras que falam abertamente sobre orientação sexual.

O futebol feminino é destaque do projeto, com a história oculta dele sendo contada por meio de imagens de seus ícones e fatos que pouca gente sabia. No Reino Unido, a modalidade foi proibida por lei na década de 1920 logo após um sucesso grande inicial – houve uma partida de equipes femininas que atraiu 50 mil torcedores para o estádio, e a Federação ficou com medo de o futebol delas roubar a atenção do futebol deles. O argumento para bani-las do esporte foi que “ele não era adequado para o corpo feminino”, algo bem similar ao que aconteceu no Brasil entre 1941 e 1979, quando o futebol feminino também foi proibido por um decreto-lei.

Espaço foi aberto no dia da abertura da Copa e vai funcionar até o fim do torneio em Moscou e São Petersburgo (Foto: dibradoras)

Claro que não poderia faltar o destaque para ela: a Rainha Marta é a foto principal da exposição da modalidade, com destaque para um conselho dado por ela às meninas que querem jogar bola. “Lute contra o preconceito. Lute contra a falta de apoio. Lute contra tudo: os meninos e as pessoas que dizem que você não pode fazer isso” – frase retirada do texto escrito por ela para o site “The Player’s Tribune”.

Ao lado de Marta, outros ícones do futebol feminino do Brasil receberam homenagens na Casa da Diversidade. Sissi, um dos maiores nomes da história, está entre as “pioneiras mundiais” juntamente com Emily Lima, a treinadora que quebrou barreiras e foi a primeira mulher a comandar uma seleção brasileira de futebol.

A exposição também tratava do tema LGBT com alguns (dos poucos) jogadores que já se manifestaram sobre a questão. Thomas Hitzlsperger, meio-campista alemão que chegou a disputar a Copa do Mundo de 2006 e a Eurocopa de 2008 pela Alemanha, assumiu sua homossexualidade após a aposentadoria dos gramados e hoje fala sobre a importância disso.

“O importante pra mim é mostrar que ser gay e jogar futebol é normal. Quando eu jogava, acredito que ninguém via nada de errado no meu futebol, nem pensava que ele era muito ‘delicado'”, foi a frase dele destacada em um quadro.

A jogadora americana Megan Rapinoe, destaque da seleção mega vitoriosa dos Estados Unidos, é outra atleta que fala abertamente sobre ser gay – mesmo ainda atuando nos gramados. A Casa da Diversidade destaca uma frase dela:

“Ninguém que já tenha se assumido gay se arrependeu disso. É empoderador e inspirador. Não só para as pessoas, mas para você mesmo”.

As mulheres pioneiras no futebol (Foto: dibradoras)

Além da exposição, a Casa da Diversidade tem recebido diversos debates e presenças importantes para falar sobre preconceito. O jogador do Manchester City, Yaya Touré, esteve presente lá para contar sua experiência com o racismo e, além dele, outras personalidades do mundo futebolístico e até mesmo o chefe do departamento de Sustentabilidade e Diversidade da Fifa, Federico Addiechi, esteve por lá.

“O futebol é para todos e a Copa do Mundo oferece uma oportunidade importante de mostrar o quanto o futebol pode ser uma plataforma para unir as pessoas, promover diversidade e inclusão e apoiar iniciativa contra a discriminação”, afirmou o dirigente.

A Fifa, aliás, tem um formulário online para denúncias de discriminação na Copa da Rússia.

 

Importância

Não é só por ser um espaço aberto à diversidade em meio a uma Copa do Mundo em um país ainda um tanto intolerante às minorias. É porque representatividade é algo ainda muito em falta no mundo do futebol e é preciso começar a falar sobre isso para quebrar essa barreira.

O futebol feminino ainda sofre com o preconceito e a falta de visibilidade no mundo inteiro, a população LGBT é praticamente ignorada nos gramados, onde assumir-se gay é quase crime – tanto entre jogadores, quanto entre torcedores, o temor pela violência ainda é grande e impede que eles falem abertamente sobre isso.

O problema é tão real, que em São Petersburgo, a Casa da Diversidade quase foi impedida de existir. Às vésperas da abertura dela, o dono do espaço cancelou o aluguel – não se sabe exatamente o motivo, mas especula-se que foi a pressão feita na cidade para que o local não existisse por lá.

É por essas e outras que uma Casa da Diversidade no maior evento esportivo do mundo do esporte mais popular do planeta se faz tão necessária. É preciso lembrar que futebol não tem cor, nem gênero, nem orientação sexual. Está mais do que na hora de esse ser um esporte verdadeiramente de todos, sem distinção. E que na próxima Copa, os próprios estádios possam ser as reais  “casas da diversidade”.

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