Mônica Otero tem 64 anos e sempre gostou de caminhada. Até aí você pode pensar que é normal, afinal esse é o esporte preferido dos idosos. Mas não é bem isso. As “caminhadas” dessa mulher que se descobriu atleta aos 51 anos de idade são de uma média de 160 ou 200 quilômetros e duram alguns dias. São as chamadas ultramaratonas, nem tão conhecidas no Brasil, mas que se revelaram a maior paixão de Mônica quando sua vida virava de cabeça para baixo.
Imagine descobrir um câncer aos 40 anos de idade. E, no meio da recuperação, ver um casamento ruir, em um relacionamento abusivo, que termina deixando um vazio da separação até mesmo dos filhos. Diante de todo esse contexto, Mônica se viu prestes a cair em depressão. Para uma mulher da idade dela, que cresceu aprendendo que sua vida deveria ser dedicada à família, que suas prioridades ficariam sempre em segundo plano e que a felicidade da casa importava mais do que a sua, era difícil demais se ver nessa situação. Que utilidade ela poderia ter em um mundo onde não fosse esposa, mãe ou dona de casa?
“Eu tinha casa, marido, filhos e, de repente, eu não tinha mais nada. Meu filho foi morar com o pai por uma decisão judicial. Um casamento não acaba por acaso. Foram 28 anos de muitos desentendimentos, brigas, muita tristeza mesmo. Acho que se não fosse o esporte, eu não sei o que teria acontecido comigo. Eu com certeza teria entrado numa depressão profunda. Eu queria ser motivo de orgulho pros meus filhos, e o esporte entrou na minha vida e foi a grande guinada para isso, algo que me salvou”, afirmou Mônica às dibradoras.
Foi quase que por acaso que o esporte apareceu na vida dela, quando um câncer a fez refletir sobre, curiosamente, a morte. Ao descobrir a doença já em estágio avançado no intestino, Mônica precisou fazer tratamentos intensivos e ali, pela primeira vez, teve a percepção de que poderia estar desperdiçando muito tempo vivendo de maneira infeliz.
“O câncer, na realidade, foi um divisor de águas na minha vida. Eu falei: o que eu estou esperando? O que eu estou esperando para fazer as coisas que eu gosto? Até então, eu vivia para a família, o que estava bom para eles, estava bom pra mim. Fazia tudo por eles e nada por mim. Aí pensei: se Deus está me dando segunda chance, por que não vou fazer algo por mim?”.
De peregrina a ultramaratonista
Desde a infância, Mônica sempre gostou de caminhar. Ela lembra que vivia dando voltas nos quarteirão da casa onde morava em Andradina, interior de São Paulo, quando ainda era pequena, e a mãe não entendia nada. Era um costume de criança, que permaneceu na vida adulta. Os filhos e o marido jogavam futebol aos finais de semana e, enquanto isso, ela caminhava sem rumo. Até que um dia, depois de ter superado a doença, foi para a Espanha com a família decidida a fazer o caminho de Santiago de Compostela – são muitas as rotas possíveis, e Mônica escolheu uma de 500 km.
Na volta para o Brasil, descobriu as peregrinações que existiam no país e resolveu fazê-las. Não tanto pela religião, mas principalmente pelo prazer de andar. Em uma delas, conheceu Mario Lacerda, um ultramaratonista que acolheu Mônica nesse esporte.
“O Mario Lacerda é meu padrinho, porque ele que me levou pras ultras. Ele morava nos EUA e, um dia, me ligou dizendo que estava trazendo uma ultramaratona para o Brasil e que queria que eu participasse. Eu achei muito esquisito, nem sabia o que era uma ultramaratona, mas ele explicou e sugeriu que eu fosse andando. Eu topei. A prova foi em janeiro de 2006, aí na largada, todo mundo começou a correr, e eu a andar. Eu fiz 160 km em 36 horas, parei na Serra da Mantiqueira porque a equipe estava cansada e eu não poderia continuar sem a equipe”, contou.
Foi aí que começou a “carreira” de Mônica no esporte, aos 51 anos, e foi ali que ela reconheceu a juventude que poderia ter praticando aquela modalidade. O próximo desafio foi três meses depois e um pouco mais ousado: completar o trajeto todo da ultramaratona no Brasil – 217 quilômetros. Mônica finalizou o percurso depois do fim do tempo do regulamento, mas não desistiu em nenhum momento.
“Faltando uns 30 km, já tinha dado o horário da prova e eu continuava andando sozinha. Aí queriam mandar um carro para me buscar porque eu não ia concluir dentro do tempo. Insisti para não me tirarem da prova, aí um outro atleta concordou em me acompanhar até o fim. Eu estava dormindo em pé já, mas ao final de 67 horas, eu cruzei a linha de chegada em Paraisópolis. Mesmo fora do prazo, eu fui a primeira mulher brasileira a fazer 135 milhas, eu concluí”, diz, orgulhosa.
Dali em diante, Mônica não parou mais. Foi para o Deserto de Mojave em 2007 percorrer a mesma distância, só que no calor de 6oºC e, para essa, ela treinou e até foi para lá antes para uma aclimatação. Concluiu os 217 quilômetros em 54 horas, desta vez dentro do tempo estipulado no regulamento.
“Fui a primeira mulher sul-americana a trazer essa medalha para o Brasil. Uma pessoa que era uma dona de casa, conseguir fazer isso, é realmente impressionante. De repente, comecei a viver nesse meio do esporte. Eu fui depois para o deserto do Saara, sem experiência, sem nada, e concluí também. Virou uma paixão. Hoje eu durmo e acordo pensando nisso, na próxima prova, no próximo desafio”, afirmou.
Lições
Em um dos momentos que mais duvidou de sua capacidade, que se viu no fundo do poço e sem conseguir enxergar qualquer coisa positiva em si mesma, foi quando o esporte mostrou para ela sua maior força. Quando que Mônica poderia imaginar que ela poderia completar trajetos de mais de 200 quilômetros no meio do deserto, sem dormir, sem comer direito e com hidratação limitada? No esporte, ela se viu capaz. Capaz até mesmo de realizar uma ultramaratona.
“Devido a muitos anos de caminhada, eu tenho grande dificuldade em correr. Mas se eu concluo uma ultramaratona dentro do tempo, não importa se eu estou caminhando, trotando, correndo, o importante é concluir respeitando o regulamento. Acho que todo mundo tem que fazer esporte, dentro da sua capacidade. Hoje eu vejo que o destino que me escolheu, porque eu não era dessa área, eu me engajei nela porque estava passando por um momento difícil na vida, e isso acabou sendo minha salvação, a minha válvula de escape. Se eu continuo bem, feliz, eu devo isso ao esporte”, reconheceu Mônica, que além de participar de ultramaratonas, trabalha em equipes de apoio a atletas e agora está lançando um projeto para levar pessoas para a caminhada e a corrida.
“Abrir uma empresa aos 64 anos e começar um projeto novo, só o esporte poderia fazer isso na minha vida. Enquanto muitas pessoas nessa idade pensam em se aposentar, pra mim não iria preencher a vida ficar em casa. O esporte está correndo nas minhas veias hoje.”
A história da Mônica faz parte de uma série chamada “Elas estão só começando”, co-criada pelo PlayPlus e ESPNW com produção da Bossa Nova Entretenimento. No projeto, há outras três histórias de mulheres que tiveram suas vidas transformadas pelo esporte e que já destacamos em nosso blog: Aline Silva da luta olímpica, Priscila da Silva, do basquete, e Sabrina Galdino, do futebol.