Essa é uma pergunta que, obviamente, só pode ser respondida por um viés racional, já que nenhum de nós enfrentou o componente emocional que é receber um convite desses no meio de um trabalho no futebol. E não adianta comparar com outros mercados, com situações parecidas em outros ofícios, porque o futebol tem muitas peculiaridades que não são imitadas pelo mercado tradicional.
Por exemplo, a instabilidade. Claro que em meio a uma crise econômica, você pode ser demitido a qualquer momento, mas será que existe alguma profissão no mundo em que um cargo tão alto (comparado ao do comandante de um time) possa ter trocas de profissionais de três em três meses – às vezes até menos que isso? PVC traz o levantamento aqui de que 11 dos 20 times da Série A têm treinadores que estão há menos de seis meses no cargo. Além disso, o momento no futebol é algo que também pode ser muito variável. Um dia você está em alta e, literalmente, na semana seguinte, pode estar num grande buraco. Por tudo isso, é muito difícil comparar uma carreira “comum” com a de um técnico de futebol.
Mas veja bem, vamos fazer o exercício de tentar imaginar o que passou na cabeça de Rogério Ceni ao aceitar o convite para ir treinar o Cruzeiro no meio de uma temporada.
Apesar de ter um grande nome no futebol, pode-se dizer que Ceni está no início de sua carreira como técnico, ainda construindo seu nome nesse ramo. Teve um início difícil no São Paulo e, no Fortaleza, teve tempo para trabalhar, montar o elenco no início de 2018 e conseguir um sucesso até que surpreendente logo de cara. O ex-goleiro deixa o clube com 51 vitórias em 91 jogos e três títulos conquistados – o da Série B em 2018, o do Campeonato Cearense em 2019 e o da Copa do Nordeste também neste ano. Lá, virou ídolo e foi por diversas vezes ovacionado pela torcida no estádio.
Recusou a proposta feita pelo Atlético-MG para que ele assumisse o comando do clube no fim de abril. Na Série A com o Fortaleza, naturalmente teve mais dificuldades, mas ainda assim conseguiu resultados interessantes, como o empate com o próprio Galo no Independência após sair perdendo de 2 a 0 e uma vitória sobre o Cruzeiro no Castelão. Agora, sofreu com a perda de jogadores mais uma vez no meio da temporada e deixa o time na 15ª colocação no Campeonato Brasileiro, já flertando com a zona de rebaixamento.
Racionalmente, eu não consigo ver a decisão de Rogério Ceni como a mais sensata no momento. Primeiro porque é sempre complicado pegar um trabalho no meio da temporada, ainda mais em um time grande, que sempre tem mais pressão de todos os lados. E ainda mais num time que demonstra instabilidade nos bastidores, como é o caso do Cruzeiro, enfrentando uma crise por conta das denúncias feitas com relação a conselheiros e dirigentes do clube, e com dificuldades financeiras para arcar com uma das folhas salariais mais caras do país. É, de certa forma, trocar o “certo” – o Fortaleza e toda a credibilidade que tem por lá após tantas conquistas – pelo “duvidoso” – o Cruzeiro e sua instabilidade no meio da temporada.
O racional talvez mandaria seguir no Fortaleza até o fim dessa temporada, mantendo o desafio de conseguir a permanência na Série A com o clube e depois, para 2020, pensar no próximo passo, em um clube de maior expressão. Mas o futebol não é só cabeça – é, talvez, principalmente, coração. E não há como negar que um desafio como esse de pegar o Cruzeiro ainda com chance – difícil, mas com chance – de reverter o placar na Copa do Brasil e até mesmo ser campeão, e de construir uma carreira em um dos principais times do país, seja tentador. E tudo isso com um elenco recheado de grandes nomes, com os talentos de Thiago Neves, Fred, Dedé, com um dos melhores goleiros do país, Fábio, com um salário bem maior. Sem contar aquele receio de sempre que até mesmo a estabilidade conquistada no Fortaleza poderia se abalar dependendo da situação ao longo dos próximos meses, porque a profissão de treinador é realmente uma caixinha de surpresas.
São raros os técnicos que resistem a essas tentações e que se mantêm firmes no propósito de nunca pegar um trabalho já começado. Muricy Ramalho é um que sempre honrou seu princípio de “cumprir os contratos por onde quer que passasse”. E com isso recursou propostas milionárias nos momentos mais instáveis da carreira. Com ele, deu certo. Mas pode também não dar. Pode ser que o convite que veio hoje seja uma oportunidade única que não volte mais. Nunca dá para saber.
Com tudo isso, dá para entender por que Rogério Ceni optou pela troca no meio da temporada e apostou nessa ida para o Cruzeiro como um novo salto na sua carreira. Corajoso, sem sombra de dúvidas, como sempre foi na carreira de jogador. Pensando racionalmente aqui, de fora, acho que eu não faria o mesmo, preferiria cumprir meu compromisso e partir para outro desafio no próximo ano. Mas é muito fácil falar de fora. E vocês, o que fariam?