Por Juliana Arreguy e Roberta Nina
A Copa do Mundo acabou no início do mês, mas ainda colhe frutos do que foi considerado um evento de sucesso no futebol feminino. Nove jogadoras foram homenageadas pela Federação Paulista de Futebol (FPF), nesta terça (23), por suas atuações na França. Para além das medalhas entregues, falou-se muito do desenvolvimento da modalidade: passado o Mundial, e agora?
As atletas presentes no evento atuam todas no futebol paulista. As corintianas Érika e Adriana, cortadas por lesão, também participaram da cerimônia, realizada na sede da FPF em São Paulo. Além delas, Tamires, Mônica e Letícia foram outras jogadoras do Corinthians a receberem homenagens, assim como Cristiane (São Paulo), Poliana (São José), a argentina Sole Jaimes e a chilena Claudia Soto (ambas do Santos).
Em homenagem, Aline e Reinaldo abrem portas da FPF: “estão em casa” – https://t.co/ENeCdV1WGa#SempreJogamos #FutebolFeminino #PaixãoQueNãoSeMede #Amanco #GuaraniMaisQueAçúcar #Savegnago
📷Rodrigo Corsi/FPF pic.twitter.com/iDiCEFnfXC— FPF (@FPF_Oficial) July 23, 2019
“Tenho muito orgulho de vocês e dos clubes que representam aqui no Campeonato Paulista”, declarou o presidente da entidade, Reinaldo Carneiro Bastos. Já a coordenadora de futebol feminino, Aline Pellegrino, cumprimentou as atletas pelo desempenho na Copa: “É uma grande honra ter vocês nos representando lá fora”.
Demissão de Vadão
Em meio a tantos discursos sobre o que a Copa deixou de legado, um assunto não passou batido pelas atletas: a demissão do técnico da seleção brasileira, Vadão, um dia antes da solenidade. O anúncio da saída dele foi realizado quase um mês após a eliminação do Brasil para a França nas oitavas de final.
“É uma decisão que a CBF tomou e não tem muito o que falar. Somos atletas, temos que dar o melhor dentro de campo independentemente de quem assuma”, disse Cristiane.
A camisa 11 do Brasil também reforçou que o novo comando precisa pensar além da seleção brasileira e trabalhar em prol de um quadro geral da modalidade. “A gente espera e torce para que, quem entre, dê conta do recado, faça da melhor maneira possível e não olhe só para a seleção, mas sim para as necessidades que a modalidade precisa e para a renovação de outras atletas. Mas para trabalhar a renovação, a base teria que estar andando e ela está parada. Então fica difícil você chegar num ciclo olímpico e colocar uma menina mais nova pra jogar se não tem comissão técnica nem na base”, mencionou a jogadora, lembrando o fato de as seleções sub-17 e sub-20 estarem sem treinador desde setembro de 2018.
Erika também se esquivou de comentar a demissão de Vadão. “Acredito que, como atleta, não cabe a mim falar da saída do Vadão ou de quem quer que seja da comissão”, pontuou a zagueira.
Ventilado como possível nome para assumir algum cargo na CBF, Pellegrino desmentiu qualquer convite vindo da entidade. “Nunca teve nada nesse sentido e eu tenho um projeto aqui na federação que não cheguei nem na metade de cumprir.”
O que esperar do futuro pós-Copa?
Jogadoras estrangeiras, Sole James e Claudia Soto representaram as outras duas seleções sul-americanas que jogaram o Mundial. Como estreante em Copas, o Chile fez uma campanha interessante, com jogos contra Suécia e EUA que, apesar de derrotas, foram reverenciados pelo bom futebol, e uma vitória para a Tailândia por 2 a 0 – um golzinho a mais teria classificado a equipe para as oitavas.
“Sentimos que podemos competir de igual para igual com as demais equipes logo em nosso primeiro Mundial”, avaliou Claudia Soto. “A estrutura no Chile cresce junto com a América do Sul. Ainda não chega ao que é aqui no Brasil, mas reparamos que lá os clubes estão investindo dinheiro para atrair o público. As equipes estão crescendo, os estádios estão ficando mais cheios, e meninas que antes não sabiam que podiam jogar agora conhecem o futebol feminino”, acrescentou.
Em sua segunda passagem pelo Brasil, após uma temporada no Dalian Quanjian (China) e outra no Lyon (França), Sole Jaimes admite que a estrutura ainda é superior nos outros países. “Faz duas semanas desde que voltei, e acho que as coisas estão crescendo por aqui. Ocorreu um aumento do interesse durante a Copa e espero que siga crescendo”, afirmou.
“Depois da Copa foi incrível a volta da Argentina para casa. As meninas tiveram escolta policial no aeroporto, isso não costuma acontecer no futebol feminino”, admirou-se a atacante.
Pellegrino, que defende um projeto que contemple os próximos oito anos à frente das seleções principais e de base, mencionou a necessidade de uma modificação na estrutura da modalidade.
“Acredito que o futebol feminino passa por três processos: você tem a seleção brasileira, você tem as competições e as categorias de base, e a parte de desenvolvimento, fomento, massificação. Enquanto dois não funcionarem muito bem, dificilmente a gente vai ter essa grande mudança”, avaliou a coordenadora. “A Fifa construiu algo e vendeu isso para todo o mundo. Mesmo sem chegar na final, o Brasil conseguiu ter futebol feminino citado nos trending topics do Twitter. O legado é um modelo que deu certo.”
A nova postura das atletas
Desde o retorno das competições nacionais, jogadoras vem se posicionando em redes sociais realizando cobranças e desabafos a respeito da situação do futebol. Falhas em logística de hospedagens, viagens e até problemas com infraestrutura de treinos foram expostos e debatidos pelas atletas. O movimento, segundo Cristiane, deve ser contínuo e visando as novas gerações.
“Conseguimos atingir um público muito grande durante a Copa do Mundo e não podemos parar. Nossa voz tem que continuar ativa porque se você para de cobrar, as pessoas se acomodam e acham que está tudo bom. A gente tem exemplo de outros países onde existe um movimento das atletas e elas conseguem mudar as coisas. Então, por mais que seja cansativo, repetitivo e chato falar sempre as mesmas coisas, é importante dar continuidade. Isso é o que queremos deixar paras as meninas que vão vir daqui pra frente: chegar em uma Copa do Mundo, se dedicar, se cuidar e que todas trabalhem juntas com o mesmo pensamento.”
Para Erika, sempre é momento de pontuar as necessidades e ela nos contou que o posicionamento das atletas em redes sociais surgiu de maneira espontânea. “Foi natural mesmo. A gente está tendo mais voz e isso é muito importante para a modalidade. Em um ciclo, quando você coloca uma questão, muita gente vai ficar quieta. Mas a partir do momento em que lhe perguntam, você tem que ter uma posição. Eu, Érika, tive a minha posição. Mas eu vi que tudo isso aconteceu normalmente, acabou que uma deu coragem pra outra. Aos pouquinhos vamos deixando nossa voz para que as pessoas saibam o que a gente sente também.”
Ex-capitã da seleção, Pellegrino destacou a importância das mensagens, mas também alerta para a necessidade de buscar um ponto de partida: “A gente precisa entender qual é o foco, o ponto principal, e onde a gente precisa atacar primeiro, porque falar muito no geral só dificulta.”
Paulista Feminino: segunda fase
A premiação serviu também para marcar o lançamento da segunda fase do Paulista Feminino. Estão classificadas as equipes: São Paulo, Ferroviária, Ponte Preta, Palmeiras, Corinthians, Santos, São José e Juventus. Os jogos começam no dia 31 de julho e serão transmitidos ao vivo pela FPF TV.