A Copa do Mundo Feminina acabou há uma semana com a equipe americana conquistando o título mundial pela quarta vez. Com alto nível de competição, grande presença de público nos estádios e ótimos índices de audiência, a Copa mostrou ao mundo o potencial do futebol feminino e os desafios ainda enfrentados pelas atletas.
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O discurso de Megan Rapinoe e a representatividade de Marta dentro de campo queriam a mesma coisa: equidade de gênero. No jogo final entre Estados Unidos e Holanda, a arquibancada de Lyon bradou em volume máximo o pedido feito pelas atletas: “Equal play, equal pay”, pedindo por oportunidades e salários iguais entre os gêneros.
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E bastou poucos dias para que a realidade mostrasse o quão necessária é essa luta. No último sábado (14/07), as equipes femininas do Santos e Sport-PE entraram em campo pela Série A1 do Campeonato Brasileiro Feminino. O resultado foi 9×0 para a equipe da Baixada Santista e, após o jogo, a atleta Sofia Sena revelou toda a dificuldade que a equipe feminina pernambucana enfrenta.
Em entrevista à CBFTV, a atleta respondeu a pergunta da repórter Gabriela Nolasco sobre o que faltou para o Sport fazer um gol na partida e respondeu. “Vou dizer a você o que faltou: elas são superiores a nós, somos cientes disso, elas treinam todos os dias e a gente mal tem horário para treinar, elas convivem mais com a bola e a gente mal toca na bola. O que falta mesmo para o Sport é foco do clube em nós e é uma dificuldade tremenda pra isso poder acontecer, não tem prioridade para o feminino”.
O total descaso do @sportrecife com o fut feminino escancarado na declaração da atleta Sofia Sena, após a doída derrota por 9-0 frente ao Santos. Um descaso que vem acontecendo desde do início da gestão de Milton Bivar. Triste tamanho descaso vivido pelas meninas! pic.twitter.com/8cr790DQcR
— Nielson (@nielson_ps) July 14, 2019
Em um minuto e trinta e sete segundos de fala, Sofia escancarou uma realidade que acontece em diversos clubes do Brasil e, falando especificamente sobre o time pernambucano, a realidade é ainda mais grave. Vale lembrar que noticiamos em março deste ano como Sport dissolveu a equipe feminina (bicampeã estadual e campeã do Nordeste) às vésperas do início do Campeonato Brasileiro.
Time demitido, choro e improviso: o descaso do Sport com o futebol feminino
Como não havia avisado a CBF sobre a desistência em tempo hábil, de acordo com o regulamento da competição, a Confederação poderia punir o time masculino e o feminino caso o Sport não jogasse o campeonato. Mas nesse ponto, a direção do clube já havia demitido todo o elenco e a comissão técnica, a saída encontrada foi firmar uma parceria às pressas com o Ipojuca, uma equipe que não é profissional.
O resultado dessa má gestão pode ser visto no desempenho do time. Em 11 jogos pelo Brasileirão, o Sport perdeu todos e está na lanterna do campeonato com um gol marcado e 46 sofridos.
“Declaração infeliz”
A reportagem entrou em contato com Nira Ricardo, coordenadora de futebol feminino do Sport, para saber como recebeu a declaração da atleta Sofia pós-jogo e ela não escondeu a insatisfação.
“Minha atleta foi infeliz. Nós sabemos da dificuldade do clube e estávamos chateadas com a logística pós-jogo que é organizada pela Pallas (operadora logística oficial da competição). Saímos muito cedo para viajar para Santos, jogar e depois da partida ainda tinha que fazer o exame antidoping que dura cerca de 1h30, 2h e ainda teríamos que voltar para São Paulo e depois ir para Congonhas. E aí, Sofia misturou tudo e falou aquilo”, afirmou a dirigente.
Nira reforçou que o Sport não vive boa situação financeira e que toda essa dificuldade reflete não só no futebol feminino, mas também no masculino e nos esportes olímpicos. A coordenadora classificou o time feminino como “caseiro”, já que foi remontado às pressas e oferece apenas ajuda de custo e passagens para que as atletas possam treinar.
Noticiamos que o @sportrecife encerrou o futebol feminino. Mas o clube informou à CBF que não abrirá mão da vaga na SÉRIE A1 do Brasileiro. Sendo assim, estamos a duas semanas do campeonato, o Sport segue sem time feminino (dispensou todas as jogadoras), mas diz que vai jogar. pic.twitter.com/yiju4tl6pR
— dibradoras (@dibradoras) February 26, 2019
“Nós sabíamos da atual situação do clube, não vou culpá-lo, afinal não era nem pra gente estar jogando. Entramos na competição em cima da hora, mas quando montei o time não enganei nenhuma atleta e e elas quiseram encarar. Sofia, por exemplo, mora em Caruaru (2h de Recife) e só chega para os jogos. Ela não consegue treinar porque tinha outro trabalho. Agora ela saiu do emprego e essa foi a primeira viagem que fez com o time. Na hora da entrevista, ela misturou as coisas”, contou.
Nira relembrou que no ano passado, não faltou nada para o time feminino do Sport. Mesmo com os pagamentos atrasados em 2018, o time que foi desfeito no início deste ano recebia apoio do clube e conquistou bons resultados. Mas, com a mudança na presidência, o atual mandante encontrou o clube sem dinheiro e precisou cortar diversos custos e demitir alguns funcionários.
“Só quem está dentro do clube é que sabe como está a situação e o que está acontecendo. A dívida do Sport é muito grande e não tem onde buscar dinheiro. Os salários de maio, por exemplo, foram pagos nesta última quinta-feira”, afirmou.
Nira contou que o presidente do Sport, Milton Bivar, garantiu que se a situação melhorar este ano, tudo se ajeita. Mas, mesmo assim, o time feminino pernambucano terá que começar 2020 um degrau abaixo. “Esse ano nós já caímos. Vamos ter que disputar a série B no ano que vem”, disse.
Sete dias depois de uma final de Copa do Mundo acontecer e repercutir tanto, um time grande do futebol brasileiro demonstra dificuldade e certo descaso com a modalidade feminina. O Sport não é o único clube do Brasil a sofrer com dívidas e a priorizar investimento e visibilidade apenas para o futebol masculino.
São decisões como essa que atrasam a evolução do futebol feminino no país e o resultado é imediato: não é possível fortalecer o campeonato nacional, não há contribuição para o surgimento de novas atletas e de profissionais capacitadas para trabalhar com a modalidade como profissionais.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e na Europa, onde os clubes são os grandes aliados para impulsionar o esporte feminino, o Brasil segue tratando como obrigação algo pode ser facilmente transformado em oportunidade. O reflexo disso pode ser visto na seleção brasileira, que sempre ficará pelo caminho nas principais competições disputadas e muito refém dos talentos individuais, atrapalhando até mesmo uma renovação.
Enquanto os clubes não entenderem que também são responsáveis pela transformação do futebol feminino, o Brasil continuará sendo ultrapassado por países de menor expressão no cenário do futebol mundial.