A goleada dos Estados Unidos sobre a Tailândia por 13 a 0 foi simplesmente a maior da história da Copa do Mundo feminina, batendo o recorde que antes era da Alemanha, que em 2007 sacolou a Argentina fazendo 11 a 0. São números muito expressivos e seria muito superficial da nossa parte dizer que esse placar significa apenas que um time é extremamente bom e o outro é extremamente ruim.
As americanas venceram, sim, porque são muito superiores às tailandesas. Mas isso é reflexo também de uma maior estrutura e de um maior investimento no futebol feminino do país. Nos Estados Unidos, as meninas têm oportunidade de jogar bola desde cedo, na escola, inclusive em um nível competitivo, disputando torneios entre elas; elas têm liga universitária, liga profissional e uma seleção tricampeã mundial e tetracampeã olímpica, tendo disputado sempre todas as edições dos dois principais torneios de futebol feminino do mundo.
No caso da Tailândia, o país até foi um dos pioneiros na Ásia no futebol entre as mulheres tendo disputado o Campeonato Asiático em 1975 e ficando em segundo lugar e garantindo o título em 1983. Mas desde então, não houve qualquer fortalecimento ou incentivo às mulheres para a prática do futebol, e a Tailândia foi ficando para trás. Para se ter ideia, a liga feminina do país surgiu em 2009, mas sofreu uma interrupção de 2013 a 2016 e só retornou em 2017 patrocinada por Nualphan Lamsam.
Essa mulher é essencial no futebol feminino tailandês. Conhecida como “Madame Pang” , ela é filha de um milionário do país e CEO da empresa da família, a Muang Thais Insurance, maior companhia de seguros da Tailândia. É esse o dinheiro que sustenta a seleção e liga de futebol feminino do país. As jogadoras que atuam na seleção também trabalham na empresa de Madame Pang para garantir um salário fixo que as permitam jogar futebol. Então durante o período em que não estão em competição ou treinamento, as atletas atuam como representantes de venda de seguros da Muang Thai e é assim que conseguem se manter jogando bola.
A ascensão da Tailândia começou há uma década, justamente quando Nualphan Lamsam se tornou essa “gerente geral” da seleção. Ela ajuda a financiar a equipe usando seu próprio dinheiro e, durante sua gestão, a seleção tailandesa conseguiu se classificar duas vezes para a Copa do Mundo feminina. Na primeira participação, em 2015, o país nem foi tão mal – perdeu de 4 a 0 para a Noruega, de 4 a 0 para a Alemanha e chegou a vencer a Costa do Marfim por 3 a 2. Desta vez, caiu num grupo difícil e a estreia foi logo contra as atuais campeãs, que estavam sedentas para dar um bom cartão de visitas – resultado: 13 a 0.
Nualphan Lamsam é a diretora da seleção tailandesa de futebol feminino. Ela também é CEO da maior empresa de seguros do país. Algumas das jogadoras da seleção trabalham na empresa dela como representantes de vendas para poder garantir sustento enquanto jogam futebol #dibrasnacopa pic.twitter.com/91maW0cjYM
— dibradoras (@dibradoras) 11 de junho de 2019
Goleadas no futebol feminino
O futebol das mulheres no nível do alto rendimento, com competições oficiais organizadas e tudo mais, é muito recente. A primeira Copa do Mundo feminina surgiu apenas em 1991. A primeira Olimpíada do futebol feminino foi em 1996. São menos de 30 anos de desenvolvimento e as diferenças de investimento são evidenciadas nessas goleadas. Não é que a Tailândia não poderia levar uma goleada dos Estados Unidos mesmo se tivesse um futebol mais desenvolvido entre as mulheres, mas é que uma goleada por 13 a 0 é bastante expressiva.
Quando a gente olha o futebol masculino de alto rendimento, é bem mais difícil encontrar goleadas desse tamanho. O próprio 7 a 1 de Brasil e Alemanha mostra que um placar elástico até acontece ainda no alto nível, mesmo quando duas seleções têm investimento e estrutura no futebol. Mas uma diferença de 10 ou mais gols é muito rara.
Só que não era lá no início do futebol masculino. Com o esporte em desenvolvimento, também houve muitas goleadas entre as seleções que hoje seriam inimagináveis – como o 17 a 1 da França sobre a Dinamarca na Olimpíada de 1908. Na Copa do Mundo masculina, houve também um 10 a 1 da Hungria sobre El Salvador em 1982. Até hoje sempre tem uma seleção menos expressiva no futebol mundial que vira o “saco de pancadas” de uma Copa, como foi o Panamá no ano passado, colecionando goleadas. Mas ainda assim, por placares que não se aproximam dos 10 gols ou mais de diferença.
O futebol feminino passou por proibições em diversos países. E ainda é muito recente no alto rendimento. Até mesmo em nível nacional no Brasil, não é tão incomum ver goleadas estrondosas. O Santos, um dos times com maior estrutura no país, costuma vencer muitos jogos por placares elásticos no Brasileiro e no Paulista, como foi no último fim de semana com a vitória de 8 a 1 sobre o Juventus. Até mesmo na Libertadores isso acontece. Em 2009, as Sereias da Vila chegaram a meter 12 a 0 na competição sul-americana, em cima de um time boliviano, o EnForma Santa Cruz e 11 a 0 no Caracas da Venezuela.
Neste ano, o Flamengo chegou a meter 10 a 0 no Vitória de Santo Antão pela primeira divisão do Campeonato Brasileiro feminino. São placares que evidenciam as diferenças de investimento e estrutura de um clube para outro.
Acontece muito também com as seleções sul-americanas. Não é que o Brasil seja um símbolo mundial do desenvolvimento do futebol feminino, mas ele ainda está anos-luz à frente da maioria das seleções do continente. Isso se reflete nas goleadas da Copa América. No ano passado, o Brasil goleou o Equador por 8 a 0 e a Bolívia por 7 a 0. A seleção só perdeu o título uma vez em todas as oito edições do torneio. Isso é um sinal de que não só o time brasileiro é superior aos adversários, mas também da falta de investimento e incentivo ao futebol das mulheres nos outros países. Para se ter uma ideia da diferença, no ano passado a Argentina sequer teve o apoio financeiro da própria AFA (Confederação Argentina) para disputar o torneio que era classificatório para a Copa do Mundo – as jogadoras estavam há dois meses sem qualquer remuneração.
É por essas diferenças tão acentuadas ainda recorrentes no futebol das mulheres que essas goleadas expressivas ainda acontecem em competições de alto nível, como um Mundial. A esperança é que, daqui alguns anos, nós possamos ver um nível mais alto em todas as seleções e, para isso, é preciso que todas as confederações se empenhem em investir no futebol feminino e propiciar a mínima estrutura para a prática do esporte entre as mulheres. Não queremos parar de ver as goleadas no campo, mas que elas aconteçam em um cenário de maior igualdade para as duas equipes.