Na despedida do trio Marta, Formiga e Cristiane, como o Brasil chega à Copa

Foto: AFP

Daqui exatamente um mês, em 9 de junho, a seleção brasileira de futebol feminino entrará em campo para enfrentar a Jamaica na estreia da Copa do Mundo da França com o peso de 9 derrotas acumuladas na preparação para o Mundial. Sob o comando do mesmo técnico da última edição do torneio, Vadão, o Brasil terá de se reinventar em 30 dias para superar o tabu de quase um ano sem vencer uma partida e apresentar o melhor do seu futebol em busca do título inédito.

O cenário é completamente diferente daquele de quatro anos atrás. Em 2015, a seleção feminina chegou ao Canadá como a sétima melhor do mundo de acordo com o ranking da Fifa e com um aproveitamento bem melhor do que o que tem agora. Desta vez, o Brasil vai à França como 10º colocado do ranking, somando 12 vitórias, um empate e 10 derrotas – sendo que dos triunfos, apenas 3 foram contra seleções que estarão na Copa do Mundo. De resto, todas as outras foram diante de times tecnicamente mais fracos e de pouca expressão no cenário mundial do futebol feminino.

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Para se ter ideia da diferença, é só olhar o aproveitamento de Vadão em sua primeira passagem, entre 2014 e 2016, comparando com essa segunda, de 2017 até aqui: foi de 81% naquela e não passa de 53% nessa.

Entre os adversários da primeira fase estão a estreante Jamaica, e tecnicamente mais fraca do grupo, depois a favorita Austrália, que hoje é sexta melhor do mundo, e por último Itália, que volta à Copa após 20 anos e tem evoluído bastante nos últimos tempos.

Foto: CBF

“A Jamaica não está fora de combate. Se for fazer um escalonamento dos jogos mais difíceis, você vai colocar a Austrália em primeiro, a Itália em segundo e a Jamaica em terceiro. Agora na prática, a coisa muda. Às vezes um jogo que você acha que vai ser difícil se torna fácil porque você joga muito bem. Às vezes jogo que você acha que vai ser tranquilo, você passa apertado. Temos que fazer nossa parte e classificar”, avaliou Vadão em entrevista às dibradoras em março deste ano.

Trunfo do Brasil

Apesar da sequência ruim na preparação, é importante lembrar que o Brasil terá em campo um trio que sempre foi parada dura para qualquer seleção adversária. Formiga, a volante-meia-faz-tudo da seleção brasileira chegará à sua sétima Copa vestindo a camisa amarela, um recorde que nenhum outro jogador ou jogadora do mundo conseguiu alcançar. Mais do que isso, ela chega para disputar o torneio aos 42 anos, a atleta mais velha a conseguir esse feito.

Cristiane, maior artilheira da história dos Jogos Olímpicos, chega ao seu quinto Mundial para se despedir da seleção prometendo o que sempre fez muito bem: gols. E Marta, aquela que é seis vezes melhor do mundo, e encanta os olhos dos amantes do futebol, terá a última oportunidade de viver uma Copa ao lado de suas eternas parceiras.

Formiga se tornará a jogadora mais velha a disputar uma Copa, aos 42 anos (Foto: CBF)

Formiga chegou à seleção ainda em 1995, na segunda edição do Mundial organizado pela Fifa. Ela tem mais de 160 jogos e é recordista absoluta com essa camisa. Marta e Cris chegaram ao time em 2003, ainda menores de idade. Marta já foi titular naquela Copa e Cristiane era quem entrava de vez em quando no segundo tempo para incendiar o jogo. Esse trio esteve na seleção nas principais conquistas da história: as duas medalhas de prata na Olimpíada (2004 e 2008) e o vice-campeonato Mundial em 2007.

A Copa do Mundo de 2019 será a última oportunidade para os brasileiros verem em campo essas três em ação – ao menos em uma competição como essa. A despedida final deverá ser nos Jogos Olímpicos de 2020. Vale desfrutar cada segundo de entrega dessas guerreiras pela história de luta que elas construíram no futebol, desde os tempos em que havia mais portas fechadas do que abertas para as mulheres que ousavam ocupar os gramados. O melhor trunfo do Brasil será tirar o máximo de Formiga no meio-campo e de Marta e Cristiane no setor ofensivo para buscar a glória na França.

Foto: Getty

‘Estigma’ a ser superado

O maior problema desta seleção brasileira é o acúmulo de resultados ruins e desempenhos abaixo do esperado na preparação para a Copa do Mundo. As nove derrotas recentes e o tempo acumulado desde a última vitória (que veio em 29 de julho de 2018 em jogos oficiais) acabam pesando no psicológico das jogadoras, que entrarão em campo contra a Jamaica já precisando deixar de lado esse histórico para simplesmente fazer o melhor que puderem em campo – e se fizerem o melhor, com certeza vencerão esse adversário, que tecnicamente é bem mais fraco que o Brasil.

Em visita à CBF no último mês, a técnica sueca Pia Sundhage, responsável por pelo menos três eliminações do Brasil – na Olimpíada de 2008, na Copa do Mundo de 2011 e na Olimpíada de 2016 – falou sobre como superar esse “estigma” dos últimos resultados.

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“Uma vez, Abby Wambach (jogadora americana) disse: ‘tudo bem se você falhar, mas faça com que isso seja seu combustível’. É isso que fizemos quando acabamos derrotadas para o Brasil (na fase de grupos da Olimpíada de 2016). É muito complicado quando acontece num momento em que você tem muitos jogos e muitas derrotas, porque se você olha a situação oposta, se você está ganhando um monte de jogos, você se torna um ‘vencedor’. E perdendo um monte de jogos você se torna um ‘perdedor’. Então precisa de um técnico muito bom, para reunir comissão técnica, reunir as jogadoras, com coragem para olhar para si mesmos e dizer: ok, nós temos que mudar, precisamos olhar no espelho e perceber qual é a participação de cada um nesses resultados que estão ruins. Você precisa confrontar essa imagem (de derrota). É difícil, muito difícil, mas é possível”.

Brasil perdeu os últimos 9 jogos (Foto: CBF)

O segredo para a seleção brasileira é justamente esquecer o que passou até aqui e entrar em campo para escrever uma nova história. O técnico Vadão será o primeiro a comandar a seleção em dois Mundiais e seus resultados não justificam sua permanência no cargo. Mas nem isso deve importar mais no dia 9 de junho. Às atletas que entrarem em campo, restará “fecharem a casinha” e fazer seu próprio jogo. Entregar o melhor que puderem em campo para, assim, construírem um time vitorioso ao longo da competição.

Os erros de gestão da CBF ou mesmo da comissão técnica poderão – e deverão – ser avaliados ao fim desse Mundial. De 2015 até aqui, houve o maior investimento da história na seleção e no futebol feminino do país. E, ainda assim, o desempenho em campo caiu muito de lá para cá. Há que se questionar os motivos e repensar esse planejamento daqui para frente. Se Austrália, Inglaterra, França, Espanha evoluíram tanto nos últimos anos, por que o Brasil parou? São perguntas que já deveriam ter sido respondidas e precisarão ser esclarecidas de qualquer forma depois de julho.

Mas a partir de 9 de junho, é a vez do protagonismo delas. E pela história que guerreiras como Elane, Fanta, Leda, Meg, Katia Cilene, Roseli, Pretinha, Sissi e tantas outras construíram nos 31 anos de resistência do futebol feminino no Brasil, estaremos juntas torcendo por mais um capítulo de orgulho para essa trajetória.

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