Com 21 minutos de jogo neste domingo em Porto Alegre, o Grêmio de Renato Gaúcho já fazia 3 a 0 contra o Fluminense. Enquanto isso, nas redes sociais, o deleite dos amantes do futebol brasileiro de resultados condenando o técnico da equipe carioca, Fernando Diniz, por seu jeito ousado de jogar buscando o gol. Aliás, está aí outra ironia: no futebol daqui hoje em dia, buscar aquele que sempre foi o principal objetivo do jogo (o gol) virou “ousadia”.
Se perdesse essa partida para os gremistas, seriam três jogos e três derrotas do Fluminense no Campeonato Brasileiro. Certamente, Fernando Diniz balançaria no cargo. Mesmo considerando que dois dos três adversários são candidatos a título ou a pelo menos uma briga por vaga na Libertadores. O Fluminense, em reconstrução, com um time de poucos reforços, muitas saídas e de salários atrasados, precisa se conscientizar que o lugar pelo qual briga está mais do meio para baixo do que do meio para cima na tabela. Então não seria tão anormal assim perder para Santos e Grêmio fora de casa.
Mas o que aconteceu no segundo tempo foi história. O Fluminense fez dois gols ainda nos 45 minutos iniciais, empatou nos primeiros 10 minutos da etapa final, virou o jogo, levou o empate e fez o quinto gol que selou a vitória aos 46 minutos, já nos acréscimos – e um golaço, diga-se. Aí muitos dos críticos passaram a reverenciar Fernando Diniz pela coragem de manter sua estratégia e buscar o resultado.
O Fluminense só tinha uma chance de vencer esse jogo: jogando justamente como fez, para frente, tocando a bola, construindo as jogadas em direção ao gol – alguns deles contaram com falhas gremistas, mas não se pode tirar o mérito do time vitorioso. Tem quem diga que esse estilo de jogo é também o motivo pelo qual a equipe carioca chegou aos 21 minutos de jogo com 3 a 0 no placar para o adversário. Mas, veja, no Brasileiro de 2018, esse mesmo Fluminense (poucas peças mudaram de lá pra cá) levou 3 a 0 do Internacional em pleno Maracanã ainda no primeiro tempo. Sabe quanto terminou o jogo? 3 a 0 para o Inter.
Quando se tem uma estratégia defensiva, virar um jogo desses é praticamente impossível. Quando se busca o gol a todo o tempo, uma hora ele virá. Você tem mais chances de fazer e mais chances de levar. Mas desde quando o objetivo do futebol se tornou “não tomar gol” em vez de “fazer gol”? Desde quando aprendemos a cultuar o medo de ter a bola nos pés, o chutão para fora para afastar qualquer perigo e eventualmente um chuveirinho na área para tentar a sorte do 1 a 0?
Há quem diga que a Copa do Mundo de 1982 foi um marco nesse sentido para o futebol brasileiro. O time treinado por Telê Santana jogava bonito, encantou o mundo inteiro. Mas perdeu, foi eliminado pela Itália no terceiro jogo da segunda fase do Mundial em uma partida que ficaria marcada na história do nosso futebol. Aquele 3 a 2 tirou a esperança do tetracampeonato da seleção brasileira, que em campo jogava por música. A derrota foi tão dolorida, que muitos a consideram o ponto de virada no estilo do futebol praticado por aqui. Telê era conhecido por seus times ofensivos, de “futebol-arte” como já se chamou um dia. Mas de que adianta jogar bonito e não vencer? Essa é a frase que ouvimos repetidamente por aí. Por isso, muitos consideram 1982 como o início de uma nova era no futebol brasileiro: aquela em que se cultua o resultado, e não o futebol propriamente dito.
É lógico que, em um mundo ideal, ambas as coisas caminhariam juntas. Você jogaria bem/bonito e, consequentemente, venceria os jogos. Só que nem sempre é assim e aí técnicos como Jorge Sampaoli ou Fernando Diniz acabam se tornando raridade, uma espécie em extinção por aqui. Não há uma coletiva de imprensa em que eles não sejam questionados sobre o estilo que adotaram. Privilegiar a bola e o jogo ofensivo virou motivo de questionamento. Não soa bizarro a gente pensar que estamos perguntando a esse técnicos “por que eles colocam seus times para buscar o gol” – que, afinal, é o objetivo original do jogo -, em vez de perguntar a outros que montam sistemas táticos com 11 no campo de defesa “por que eles abdicam de buscar o gol”?
Antes do resultado, seria bom que a gente cultuasse mais o jogo. Porque é muito mais legal assistir a uma partida como a de ontem entre Grêmio e Fluminense do que, por exemplo, aquele Flamengo e Corinthians no Maracanã pela semifinal da Copa do Brasil de 2018. É muito mais interessante ver o Grêmio e Santos da primeira rodada, do que a final do Paulista entre Corinthians e São Paulo. E a gente passou a “aceitar” muito facilmente jogos ruins e times exclusivamente defensivos, porque muitas vezes eles conseguem os resultados. Conseguem títulos até. Só acho que seria possível “querer mais”. Como disse Fernando Diniz no seminário “Somos Futebol” da CBF, a gente precisa aprender a lidar melhor com o resultado.
“A gente importou um jeito europeu de jogar no passado. Nossos jogos são muito bem estruturados na base da defesa. Fazer jogo de construção dá mais trabalho. Defender é mais fácil que construir jogadas. (…) Não importa se o Corinthians ganhou do Santos, eu gosto mais do Santos. Não importa se o Tottenham ganhou do City, eu gosto mais do City. O jogador brasileiro está clamando por ajuda. A gente tem que conviver melhor com o resultado. Futebol não é um lugar para assassinar as pessoas”.