“A Fórmula 1 é muito física para as mulheres”. Essa frase foi dita por Helmut Marko consultor da equipe RBR. Segundo ele, as mulheres não têm condições de correr na elite do automobilismo porque as exigências físicas que o esporte impõe não fazem parte da natureza feminina.
“Se você está pilotando a 300 km/h e tem uma luta roda a roda, então a brutalidade é parte disso, não sei se isso é da natureza feminina. Você tem de estar em forma na Fórmula 1 e precisa de uma força insana desde o ombro – declarou Marko ao jornal Kleine Zeitung.
Para responder uma declaração polêmica como essa, recorremos a quem entende do assunto e vive na pele o preconceito que o “chefão” da RBR não esconde. A piloto Bia Figueiredo, primeira mulher a correr pela Stock Car, não concorda com as declarações de Marko e ressalta que a falta de oportunidade dadas à elas é o que grande empecilho para a maior participação feminina na categoria. “Na minha opinião, uma mulher pode, sim, competir e vencer uma corrida da Fórmula 1. Isso ainda não aconteceu mas, se analisarmos proporcionalmente, temos bem menos mulheres nas categorias de base do automobilismo. Adicional a isso, mulheres foram aparecer no automobilismo na década de 70. Com isso, menos mulheres em todas as categorias de acesso e, óbvio, menos chances de termos uma mulher na F1″, declarou às dibradoras.
Mulheres no automobilismo
O automobilismo ainda é um esporte que conta com a presença massiva dos homens, sejam eles donos de equipes, pilotos, mecânicos, engenheiros e até mesmo torcedores. A participação feminina em qualquer uma dessas posições ainda é muito pequena, mas elas resistem.
Algumas pilotos chegaram até a elite do automobilismo participando de testes, treinamentos e exibições. Apenas uma mulher foi titular de uma equipe de F1, a italiana Lella Lombardi que estreou no GP da Grã-Bretanha em 1974 pela equipe Brabham. Depois de Lella, a última mulher que tentou alcançar o posto de titular foi a italiana Giovanna Amati, em 1992. Ela foi contratada pela mesma equipe, a Brabham.
Recentemente, foi criada a categoria W Séries, onde só mulheres participam e ainda assim, o tema dividiu opiniões. A própria Bia Figueiredo falou sobre a chegada da categoria ao blog, em outubro passado, ressaltando que a intenção é muito boa, desde que seja para fomentar a modalidade para mulheres. Bia é a favor de que a elite do automobilismo seja disputada entre homens e mulheres.
E, contrária à opinião do dirigente austríaco, Bia frisou novamente um ponto crucial que ainda falta às mulheres que desejam correr na F1: a oportunidade. “Dizer que nunca teremos (uma mulher na F1) me parece um pouco equivocado, pois temos provas de que trata-se de uma questão de probabilidade, e não de sexo. Na IMSA (International Motor Sports Association) esse ano, a minha equipe composta por pilotos mulheres chegou a liderar as 12h de Sebring. São 23 carros. Não vencemos nesta etapa, mas tivemos chances até o final e competimos de forma igual. Ou seja, me parece óbvio termos mais homens com títulos do que mulheres”, reforçou.
A própria Bia é um grande exemplo feminino no esporte. Ela começou a correr no kart, aos 9 anos de idade e nunca mais parou. Contou com incentivo desde muito cedo e buscou oportunidades. Com passagens pela Fórmula Indy Lights (nos Estados Unidos), Fórmula Renault e Fórmula 3, a piloto também citou os feitos de outras mulheres que foram importantes.
“O esporte é igualitário. A Danica (Patrick, americana) já venceu uma corrida da Indy (categoria mais veloz e sem direção hidráulica do que a F1), a Simona (de Silvestro, suíça) conquistou pódio, eu mesma já ganhei provas de nas categorias de base. A Katherine Legge (inglesa) venceu na categoria Jaguar I Pace neste ano e, no ano passado, a Jamie Chadwick foi a primeira a vencer na F3 Inglesa. Algumas pessoas não querem aceitar que o esporte é igualitário, mas isso não combina mais com o momento que estamos vivendo. Deve ser bem difícil para ‘essas pessoas’ ver minorias conquistando espaço. E não estou apenas falando de mulheres pilotos, não. Quem acompanha as declarações do Sr Marko sabe o que estou dizendo”, reforçou.
A fala do “todo-poderoso” da RBR deixa claro que, para ele, a falta de força física é o grande motivo que exclui a participação feminina no automobilismo. “Na antiga curva Gösser no Österreichring você pilotava com 4G. Isso é uma enorme demanda física, e talvez muito difícil e extenuante para mulheres. Agora há freios poderosos, mas ainda é preciso ter muito esforço, você fica fechado num cockpit a 40 ou 50 graus. Os cabos quentes passando em volta de você, vimos grandes pilotos perto do colapso em Singapura e penso que a tensão física para as mulheres é muito grande”, declarou.
Além disso, Marko comparou o automobilismo com o tênis dizendo: “Por que não vemos Serena Williams contra Novak Djokovic no tênis?” Bia também rebateu a fala do dirigente. “Diferente do tênis e da maioria dos esportes, temos uma máquina – um carro – que nos ajuda a tornar o físico mais igualitário. Não é um esporte apenas de resistência, embora tenhamos que ter muita preparação física. Por todos esses fatores acredito que a menção do Sr. Marko seja desnecessária, igual as que ele costuma fazer dos seus próprios pilotos: todos homens.”
São muitos os esportes que precisam ser mais inclusivos. Falamos muito por aqui sobre o futebol feminino e seus anos de proibição que geraram atrasos e que ainda é visto com muito preconceito, sobre a participação de Tifanny na Superliga de Vôlei e sobre os inúmeros casos de racismo e homofobia que acontecem em diversas modalidades.
Assim como Bia Figueiredo – que sempre competiu ao lado de homens – acreditamos que a participação feminina no automobilismo precisa ser discutida e melhor aceita. Não se trata de um esporte onde somente a força física prevalece, um carro bem preparado faz toda a diferença e é possível perceber isso até mesmo nas corridas masculinas.
A Fómula 1 precisa acompanhar a evolução e promover a inclusão. Não dá mais para aceitar declarações tão excludentes de pessoas que ocupam cargos de poder dentro do esporte. “O público não aceita mais isso, as marcas não querem mais associar-se a pensamentos tão retrógrados, e o esporte não merece isso. Todas as outras categorias já caminham para uma modernização, estudam formas de inclusão, de igualdade, de competitividade, de sustentabilidade, de valores mais acessíveis, de fornecer grandes espetáculos e de favorecer o que o esporte tem de melhor”, concluiu a piloto brasileira.