*Por Juliana Lisboa, para a coluna ~dibres com dendê
Em 2018 a trajetória do time feminino do Vitória chamou atenção: a equipe conseguiu o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro invictas na Série A2, deixando favoritas – como o Internacional – pelo caminho.
No final do ano, ainda bateram o então campeão Lusaca – que em janeiro deste ano fecharia com o Bahia – na final e levaram o título estadual.
Voltamos para 2017: a mesma equipe (o plantel era praticamente o mesmo) foi rebaixada da Série A para a A2 sem conseguir qualquer vitória: foram dois empates e seis derrotas.
O que aconteceu para um crescimento de aproveitamento tão drástico de um ano para outro? “Um conjunto de fatores. Tivemos que trabalhar as jogadoras como atletas para ter sucesso, criar condições no clube para que elas façam as três refeições no clube e tenham acesso às facilidades do centro, como médicos, nutricionista, fisioterapia… Além de uma comissão especial para o futebol feminino”, explicou Many Gleize, campeã internacional de futvôlei pelo Vitória e coordenadora de esportes olímpicos e do futebol feminino do rubro-negro.
Many é responsável direta pela equipe desde 2017, quando ela, já coordenadora de esportes olímpicos, assumiu também o futebol feminino. Rubro-negra fervorosa, ex-atleta do clube e tem formação acadêmica: ela é pós-graduada em gestão de pessoas pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e possui curso de gestão de futebol da CBF.
Mas viver do esporte (ou para o esporte) só apareceu como escolha viável quando ela já tinha optado por uma vida convencional.
Voltamos mais um pouco no tempo. Em 2009, mais especificamente. Foi neste ano que Maniele Gleize, então operadora de negócios de um banco em Salvador, conheceu o futevôlei. Graças ao chefe.
“Marcamos de conversar na praia, quando eu cheguei ele estava jogando. Eu vi aquilo, bola, praia, ar livre, e adorei. Foi aí que comecei a praticar”. A menina que “batia o baba” com os meninos em São Sebastião do Passé, no interior do estado, e que cresceu praticando esporte, viu nessa modalidade uma combinação entre habilidades que tinha desenvolvido no futebol e atletismo que conquistou com academia.
E aí começou a trajetória de Many como atleta. Nos primeiros anos, ela conciliava trabalho, treino e estudo, até conseguir uma bolsa do Faz Atleta e passar a viver exclusivamente do esporte. Em 2013, chegou ao Vitória, e, no mesmo ano que chegou, já botou na cabeça que queria fazer a diferença.
“Na época eu cheguei com uma proposta que na verdade foi o embrião do que se tornou o Vitória e Cidadania – projeto social que atende hoje 400 crianças carentes da comunidade da Canabrava – e foi aprovado na hora”, lembrou.
Essa foi uma das mudanças que Many começou a implementar no rubro-negro. Quando assumiu a equipe do futebol feminino, as jogadoras não faziam parte do clube. “O vitória ‘emprestava’ a camisa e, depois, o campo. Mesmo assim conseguimos ser campeãs estaduais em 2016”, pontuou. Só que, na Série A, a realidade caiu como uma pancada na cabeça das jogadoras. E mudanças foram necessárias.
“As meninas usavam o que era resto da base. Roupas, kit de viagem… Com a comissão exclusiva para as jogadoras, criamos uma rouparia especial, vestiário feminino exclusivo, kit especial para viagens…Tentamos melhorar as condições, transformar as jogadoras em atletas”, reforçou.
“O resultado disso foi a subida da Série A2 para a A e o título Baiano. É importante ver que os títulos estão voltando e que o planejamento deu certo”.
Corta para o fim deste ano, 2019. Many sonha com títulos para a equipe, mas tem como objetivo para esta temporada fazer com que as Leoas terminem o ano onde começaram. “Nossa principal meta hoje é a manutenção na série A. Subir foi muito difícil, fizemos um planejamento e cumprimos, mas não foi fácil. A Série A2, hoje, é muito mais disputada por causa dos times de camisa que estão chegando e que têm muito mais condições financeiras que a gente”, disse.
De fato, hoje o Vitória vive uma crise política e financeira muito grande, a ponto do orçamento do clube ter caído para R$ 45 milhões, menos da metade do ano passado. E Many sabe que, com um orçamento apertado, é importante criar seus próprios talentos – algo que já é tradicional no clube rubro-negro.
“Temos uma divisão de base, que criamos em 5 de fevereiro de 2018, que é coisa que a gente nunca teve. E neste projeto damos oportunidade a baianas, não aceitamos atletas de outros estados. Existe a valorização das meninas daqui do nosso estado, mas também damos a preferência porque não podemos ter a despesa com moradia”, apontou – mostrando que os anos em que passou trabalhando com números vieram a calhar.
Com isso, Many espera poder proporcionar a algumas dessas atletas momentos como os que ela viveu em sua própria carreira. Para isso, voltamos mais um pouco, dessa vez para 2011. “Eu fui convidada pro Mundial de Futevôlei em Dubai, foi uma experiencia incrível que nunca vivi depois, mesmo em outros mundiais. Nós jogamos numa arena muito bem estruturada, o sheik estava lá, assistiu a competição de um trono, levantou e bateu palmas quando dei uma bicicleta… Me pediram autógrafo! Foi um impacto muito grande para mim porque tinha começado no esporte dois anos antes. Foi um divisor de águas na minha carreira, e foi quando eu percebi que queria viver disso e rodar o mundo competindo. E foi o que aconteceu”.
Ok, talvez jogar para o sheik em Dubai seja um pouco difícil. A não ser que a cidade receba uma Copa do Mundo feminina, e na seleção tenham atletas reveladas pelo Vitória – e por Many. Por que não?