A Libertadores é muito maior do que a Conmebol a faz parecer

Foto: Reuters

Estávamos prestes a viver o ápice do futebol sul-americano neste século. Uma final de Libertadores disputada entre Boca Juniors e River Plate, com jogos de ida e volta na Argentina, um dos maiores clássicos que o continente já viu, tinha todos, absolutamente todos, os ingredientes para ser um dos maiores jogos da história.

Ainda mais considerando o fato de que essa seria a última final disputada neste formato, que todas as outras serão em campo neutro, como determinou a Confederação Sul-Americana numa imitação barata do futebol europeu, ignorando as diferenças de contexto e de realidade do futebol daqui e do futebol de lá.

Dava até para dizer que, de certa forma, o mundo iria parar para ver esses jogos. Ainda mais porque eles aconteceriam em finais de semana, em horários ainda factíveis para os europeus, que estão algumas horas na frente no fuso. Não à toa, inúmeros veículos internacionais da Europa que não costumam enviar representantes para a cobertura da decisão da Libertadores o fizeram desta vez. Se alguém pudesse sonhar com uma final “ideal” para encerrar os tempos áureos do futebol sul-americano, seria difícil imaginar algo diferente. Só que a Conmebol conseguiu estragar tudo.

Os erros de organização da confederação beiram o amadorismo – e não é de hoje. Só que com um Boca x River na final, uma partida “vitrine” para o mundo inteiro, a zona ficou escancarada.

Tudo começou muito antes da final, quando o River Plate não foi punido pela escalação de Bruno Zuculini, punido com dois jogos de gancho em 2013 quando disputou a Sul-Americana pelo Racing. Ele acabou não cumprindo essa suspensão na Libertadores deste ano, como manda o regulamento, por um “erro administrativo”, como justificou a Conmebol, que seguiu sem punir o clube argentino. Ao contrário do que fez com o Santos, quando determinou a punição do time brasileiro pela utilização de Carlos Sánchez contra o Independiente, e acabou tirando a chance dos santistas de seguirem na competição.

Houve ainda a irregularidade cometida pelo Boca – e também ignorada pela Conmebol – com a escalação do atacante Ramón Ábila, que também tinha suspensão antiga para cumprir e não cumpriu na competição deste ano. Para este caso, a confederação alegou que as reclamações foram feitas “fora do prazo previsto no regulamento”. Oras, mas se a própria suspensão está prevista no regulamento, a própria entidade não deveria zelar por cumprir a regra que ela mesma cria?

Foto: AFP

Então já chegamos a uma final tumultuada, cheia de polêmicas fora do campo e também dentro dele, por algumas arbitragens horrorosas – como a do jogo entre Boca e Cruzeiro na Bombonera, quando Dedé foi expulso de maneira tão bizarra, que até a confederação teve de voltar atrás na punição do zagueiro. Mas tudo bem, seria um Boca x River, uma das maiores rivalidades do futebol mundial, em uma decisão do maior torneio do continente.

Aí entra outro elemento que mina um pouco a graça do nosso futebol: a torcida única para a final. O clássico argentino não é disputado com torcida visitante desde 2013 pelos problemas de violência que acontecem na arquibancada em Buenos Aires. Assim como no Brasil – estado de São Paulo, por exemplo -, opta-se por tirar o sofá da sala em vez de efetivamente buscar uma resolução para o problema.

Mas de novo, mesmo em meio a todos esses problemas, esta seria uma das maiores finais que o futebol já viu. A maior da história do nosso continente, sem duvidas. Não fosse o fato de ela ser organizada pela Conmebol, que parece não entender o tamanho de uma partida como essa.

O que se viu no sábado, foi uma das maiores vergonhas do futebol mundial. Sim, é preciso condenar o vandalismo dos torcedores do River jogando pedras no ônibus da delegação do Boca. Mas acima de tudo, é preciso questionar: como o ônibus do Boca pode fazer esse trajeto? Qual foi o nível de falha da logística e da segurança ali – organizados pela polícia local, mas supervisionados pela Conmebol? Não é que um ou outro torcedor conseguiu furar o bloqueio e invadir a área do trajeto que o ônibus do rival faria. É que centenas de torcedores estavam ali só esperando por esse momento, tamanha a proteção que a organização do jogo ofereceu aos grandes protagonistas dos espetáculo: os jogadores.

Diante do caos, a polícia de lá agiu como a daqui costuma agir: gás de pimenta para todos os lados – inclusive para o lado dos jogadores e do vestiário do estádio.

Agora você imagina estar a caminho do seu trabalho e se deparar com uma multidão atirando pedras em sua direção e depois tendo que respirar gás de pimenta dentro do seu próprio escritório. Aí seu chefe vem, vê você passando mal e diz que você precisa trabalhar mesmo diante de todo esse caos. Foi mais ou menos isso que aconteceu com os jogadores do Boca Juniors neste sábado.

Era óbvio que não havia qualquer condição para a partida acontecer. Não havia porque os organizadores da competição não souberam providenciar as condições mínimas para o jogo acontecer. Mas aí os organizadores insistem em querer que a final aconteça. Daqui a uma hora. Daqui a duas horas. E vão adiando, deixando o estádio inteiro por horas sob o sol esperando um parecer sobre o que iria acontecer (ou não) ali.

Então a partida foi adiada a pedido do próprio River, identificando a não condição de jogo do rival. Remarcam o jogo para domingo às 18h. Três horas antes da partida, mais uma vez a Conmebol cancela a final. Parece novela, mas é a vida real do futebol sul-americano, passando vergonha para o mundo todo ver.

Diante de tudo o que aconteceu, é realmente difícil encontrar a solução perfeita – que seria, claro, não ter deixado que o ônibus do Boca fizesse um percurso em meio aos torcedores do River, mas ok, isso já estava feito. Há que se considerar o estádio já lotado no sábado, a presença da Fifa (inclusive de seu presidente), o caos que seria reorganizar tudo isso para outra data, etc. É uma decisão difícil e reconhecemos isso.

Mas diante do caos, a Conmebol optou pelo pior caminho possível. Ela não decidiu nada. Foi postergando a partida – que claramente não tinha qualquer condição de acontecer -, demorou 4 horas para cancelar o jogo e mandar todo mundo pra casa, remarcou a final para o dia seguinte considerando que tudo estaria resolvido em 24 horas, viu um dos times envolvidos abrir mão de entrar em campo e de novo tomou a tardia decisão de cancelar o jogo até que se pense no que será possível fazer. É tanto amadorismo que não cabe no papel. Nem campeonato universitário tem tanta lambança assim.

A maior final de Libertadores da história não está à altura da Conmebol. Um jogo gigante como esse para decidir um título tão expressivo não poderia ser organizdo por uma entidade tão incompetente. Antes de ficar marcada pelo bom espetáculo de futebol, esse final será lembrada pelo jogo que era para ter sido e não foi (por duas vezes, ao menos). Os torcedores que têm ingressos talvez até duvidem que vão ver algum futebol na próxima data da decisão, já que por duas vezes foram ao estádio perder tempo.

Infelizmente, a confederação sul-americana não trata o futebol por aqui com o respeito que ele merece.

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