Foto: Fabio Souza/CBF
Desde o dia 14 de fevereiro, Rosana Augusto não é mais a treinadora da Seleção Feminina Sub-20 de Futebol, cargo que ocupava desde setembro de 2023. Sob o seu comando, a equipe contabilizou 10 convocações (com 52 atletas observadas) e foi campeã Sul-Americana. Na Copa do Mundo da categoria, foi eliminada nas quartas-de-final após enfrentar uma potência que viria a ser campeã da competição, a Coréia do Norte.
A demissão “precoce e inesperada” na avaliação de Rosana faz parte de uma Reformulação do Departamento de Base anunciado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) no último dia 19, realocando também a treinadora Simone Jatobá do cargo técnico da Sub-17 para o cargo de Coordenadora de Captações para as equipes de base. Os nomes para ocupar os comandos técnicos de base ainda não foram anunciados.
Em entrevista exclusiva ao Dibradoras, Rosana falou sobre como recebeu a notícia. “Fui pega de surpresa mesmo e, na verdade, foi muito simples (o comunicado). A Cris Gambaré (Coordenadora de Futebol Feminino) me mandou uma mensagem, dizendo que precisava falar comigo e aí tivemos um encontro pessoalmente, eu, Cris e Arthur, que são as pessoas que lideram o Departamento de Futebol Feminino na CBF. E aí, a Cris me falou que queria fazer essa reformulação no Departamento e começaria pela base, mudando as comissões e que nós não faríamos mais parte dos planos”, revelou a técnica ao portal.
Rosana ainda revelou que o motivo dado pela Coordenação de Seleções para a demissão não foi direcionado ao desempenho da equipe. “Nunca me falaram sobre resultado, nunca teve nenhum tipo de avaliação criteriosa para que isso acontecesse. Por isso que eu falei que fui pega de surpresa. Até então, nunca foi falado nada sobre melhorar algum ponto ou ajustar alguma coisa. Foi de forma bem simplista mesmo (a demissão).”
Na temporada de 2024, a equipe de Rosana Augusto fez 16 jogos, com 14 vitórias e duas derrotas. O time Sub-20 fez 45 gols e sofreu apenas sete.
Confira abaixo a entrevista exclusiva com a treinadora:
Dibradoras: Depois do comunicado feito pela Cris junto com o Arthur, você teve alguma conversa com a direção da CBF, na figura do presidente mesmo (Ednaldo Rodrigues). Teve alguma avaliação do seu trabalho no final do ano passado e também pós demissão?
Rosana: O presidente me ligou (depois da demissão) dizendo que as portas estariam abertas, mas eu entendi que ele deixou (a decisão) muito mais a cargo de quem está liderando o Departamento hoje. E pelo que eu entendi, referente ao Mundial, ele colocou algumas falas no site da CBF, dizendo que eu tive um bom desempenho e que continuaria investindo nas categorias de base. Então, eu acredito que, em relação ao Presidente, ele achou que eu fiz um bom trabalho, tanto é que ele demonstra isso na fala dele após o Mundial, eu recebi uma mensagem dele falando sobre. Então foi isso, um contato bem breve.
Dibradoras: Você acabou sendo demitida em uma época ruim (para os treinadores) porque os clubes já estão com elencos e comissões fechados e, sem uma avaliação do seu trabalho, você não pode ter uma ideia de que seria demitida. Então, na sua avaliação, estava tudo tranquilo, dentro do processo das coisas?
Rosana: Sim, eu não imaginava que seria dispensada nesse momento, que é uma época muito ruim da temporada, porque os clubes estão nessa pré-temporada. Confesso não ter me preparado pra isso também. Como falei anteriormente, não houve avaliações do trabalho, nem positiva e nem negativas, mas sempre houve muito comprometimento da minha parte e da minha comissão em trazer todas as demandas que foram pedidas, dentre elas, os relatórios, nível de projeção das atletas, enfim… Estávamos com tudo muito bem estruturado, por isso que eu achei que não seria um momento bom pra ser mandada embora, porque já estávamos muito focados no novo ciclo. Enfim, fizemos avaliações das atletas na Copinha, uma listagem grande de atletas com perfis físico, nível de projeção, técnico. E, inclusive, já estávamos com a convocação pronta, por isso que, realmente, fui pega de surpresa.
Dibradoras: Queria que você falasse um pouco sobre quais foram as maiores dificuldades que você encontrou nesse planejamento para colocar suas ideias em prática, tanto em relação ao período de treinamento, dos amistosos e integração com a Seleção Principal,
Rosana: Acho que a categoria Sub-20 é a mais difícil de todas porque você tem quatro grupos diferentes de atleta. Tem a atleta que está no Sub-20, e treina e joga (no clube) no Sub-20; tem a atleta que está no Sub-20 e ela joga no Sub-20 e treina com o profissional; tem atleta que está no profissional e não joga no Sub-20 e tem a atleta que está no profissional e joga com o profissional. Então, é um grupo muito heterogêneo e aí já tem uma grande dificuldade.
A outra dificuldade, apesar de sempre ter mantido uma boa relação com os clubes, é a liberação. Sempre mantive uma boa relação com os clubes e entendia que havia momentos importantes durante a temporada e a categoria Sub-20 não é obrigada a liberar as atletas em datas como Mundial e Sul-Americano. Então, a dificuldade sempre foi enorme e ainda tem o fator – que pra mim é preponderante – que é ficar pouco tempo para trabalhar com as atletas porque o tempo é curto: são oito dias sendo que um deles é de avaliações clínicas. Então, ter que inserir todo um modelo de jogo em pouco tempo é bem difícil. Mas acho que fizemos isso com maestria.
Falando ainda sobre a parte difícil, que é a liberação das atletas por parte dos clubes, nós contávamos com um time ideal para o Sul-americano e sete jogadoras que imaginávamos ser titulares, não foram. E a gente teve uma semana pra trabalhar, nos apresentarmos e fomos jogar. Antes do Mundial, fizemos poucos jogos. Desde que cheguei à Seleção, nós fizemos apenas quatro jogos contra seleções tops e no Mundial, chegamos com 14 atletas de linha. A Comissão Técnica ajudou bastante, participando do trabalhando e aos poucos elas foram sendo liberadas dos clubes. Então, não foi uma jornada fácil, mas foi gratificante porque conseguimos produzir bastante dentro das possibilidades que nós tivemos. Inclusive, a Fifa reconhece isso quando publica em seu site sobre nossa postura tática. Então, acho que fica um legado na parte esportiva. Para além da Seleção, várias atletas subiram para o profissional em seus clubes, tiveram destaque, os clubes contrataram também por ver na Seleção Sub-20. E pra gente é gratificante, sempre vou enfatizar que o trabalho pra mim é uma missão, ele vai além de resultados. Ele agrega e impacta na vida das pessoas.
Dibradoras: Olhando pro cenário de base em nível mundial, em que nível você enxerga o Brasil? E como é possível evoluir e jogar sem tanta diferença, de maneira mais igualitária, com as seleções mais fortes?
Rosana: Acho que para falarmos dessa questão de onde estamos e onde queremos chegar, preciso fazer um adendo sobre a nota (divulgada pela CBF sobre a reformulação). Respeito a opinião de todo mundo, mas acredito muito que na base, o resultado é o que tem menos prioridade. Na verdade, o desenvolvimento das atletas, a transição delas para o profissional – em relação a variações e entendimento do jogo – pra mim é sempre mais importante. Se você conseguir fazer os dois, resultado e evolução, é o melhor cenário. Mas eu acredito que muito que na base é onde ela pode se expressar melhor, entender melhor e chegar mais preparada para o profissional. Então, não acredito muito em resultado sem performance.

E acho que ainda a diferença (entre as seleções de base) continua gritante, mas vejo que estamos melhorando ao longo dos anos. Mas se fizermos um comparativo com a base dos Estados Unidos – que começa na Sub-15 e, se não me engano, vai até Sub-23 – é difícil de competir. A Coréia do Norte, que perdemos no Mundial, é praticamente uma Seleção Permanente. Então, os caminhos em cada país é diferente, vejo nossa evolução de forma ainda lenta, mas não atribuo isso somente à CBF, porque tem muita coisa que não depende da CBF. A Seleção é o ponto final, isso vai muito além. É preciso de iniciativas públicas, privadas, dos clubes, pra fomentar o esporte. E da quantidade, você tira qualidade. É uma pergunta difícil de responder porque tem várias vertentes.
Dibradoras: Olhando pra frente, como você enxerga seu próximo passo: seguirá como treinadora, pensa em desafios na gestão ou atuar fora do Brasil. O que você pensa, hoje, pra sua carreira?
Rosana: Eu gosto muito da função de treinadora, vejo como uma missão e onde eu me sinto mais perto das meninas para impactar vidas, além do fato de eu ter estudado muito pra isso. Fiz cursos em outras áreas, mas que abrangem o futebol, muito mais para eu debater com as pessoas no meu entorno, mas não me tornei especialista. Já fiz cursos de Preparação Física, Preparação de Goleiras, de Gestão, tudo para entender, debater e tirar o melhor de cada atleta. A função que eu mais gosto é de estar no campo, mas não descarto outras funções.
Dibradoras: Como foi a recepção dessa notícia por parte dos pais e das atletas com que você teve contato?
Rosana: Se tem algo de bom em uma demissão, são os valores que não se perdem. Pra mim foi sensacional receber mensagens de todas as atletas com quem eu trabalhei e com quem eu não trabalhei, mas que gostariam de trabalhar comigo, os pais falando de quanto essas atletas desenvolveram não só na parte técnica e tática, mas também como pessoas, como o nível de ambição delas mudou… Assim, foi muito carinhoso como as pessoas me trataram, foi de uma forma muito especial. Como eu falei, se tem um ponto positivo nisso, é receber esse carinho e entender que é isso que fica, esse legado de valores, além do futebol.

Dibradoras: Se você pudesse elencar momentos importantes que viveu como treinadora na CBF, quais seriam eles?
Rosana: Uma que me marcou muito – e não vou citar o nome da atleta – foi quando estávamos fazendo uma dinâmica com cartinhas junto com a psicóloga. E essas cartinhas continham algumas fotos, poderia ser uma foto de pizza, sabe? E você podia entregar para qualquer pessoa. E essa atleta tirou a imagem de um bote salva-vidas, e aí ela precisava entregar essa imagem para alguém e dizer o porque. Ela me entregou e disse justamente isso: ‘você é mais do que uma treinadora, você salva vidas. E você salvou a minha e de várias atletas aqui’. Isso, pra mim, é o que vale. É emocionante e vai além do resultado.
De toda forma, eu e minha comissão somos muito gratos pela oportunidade de estar à frente de uma Seleção Brasileira. Não é qualquer pessoa que consegue chegar ali e ainda ter um trabalho que foi reconhecido pela maior instituição do futebol, que é a Fifa. E principalmente na nossa área, que é a área técnica. Então, eu sinto muito orgulho, não só de mim, mas de todos que participaram e contribuíram para que isso acontecesse e que a gente elevasse o nível de performance das atletas. Mas, acima de tudo, a parte pessoal, onde elas foram felizes dentro de um trabalho e de terem produzindo muito. E eu acredito muito nisso: quando a gente está feliz, a gente produz mais.