Duda, Bianca, Amanda. Uma de Santa Catarina, outra de Itanhaém e a última de Pernambuco. E o que elas têm em comum? Além do Jornalismo, nutrem um amor pelo futebol feminino que as conduz por caminhos que elas jamais imaginaram.
Trabalhos voluntários, mudança de cidade e aposta em uma nova área de atuação são alguns dos esforços que as três têm feito para mudar a falta de visibilidade para as mulheres que atuam nos gramados. Por causa desse incômodo, elas mesmas resolveram fazer a diferença. Conheça as histórias:
Do microfone da Universidade à locução no estádio
Duda Dalponte tem 20 anos e está cursando o último semestre de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Durante a Copa do Mundo Feminina, a professora Fernanda Nascimento passou a coordenar um projeto de Radiojornalismo Esportivo com as alunas do curso. E foi assim que nasceu o Donas do Placar que, dentro do estúdio da Universidade e com o apoio ativo de 16 meninas, passou a transmitir jogos do Mundial que acontecia na França com mulheres narrando, reportando e comentando os jogos em tempo real.
Para isso, o grupo se organizou e cada garota contribuiu pesquisando histórico das Copas, buscando informações sobre as seleções participantes, as jogadoras que estariam em campo. Além disso, elas mesmas desenvolveram a identidade visual do projeto e criaram seus canais. O último passo foi realizar testes para decidir quem assumiria o posto ainda tão pouco ocupado por mulheres: a narração dos jogos.
“Nunca tinha narrado e nunca esperei que poderia narrar. A gente pensava: será que vai ser viável a transmissão? A Profª Fernanda falava que alguma de nós teria que narrar e as gurias já falaram que deveria ser eu. A Thaisy e a Virgínia também quiseram e pronto, já tínhamos três narradoras”, contou Duda ao blog.
Até a Copa começar, a garota que já tinha familiaridade com a reportagem e a fazer comentários de jogos, mergulhou no universo da narração de rádio e o grupo produziu um dicionário do futebol com vocabulários e jargões para que elas pudessem usar na transmissão.
E foi assim, no primeiro jogo da Copa, entre França e Coréia do Sul, que Duda soltou a voz no estúdio de rádio da UFSC. No total, elas transmitiram sete partidas da Copa em um projeto que não era de extensão do curso. Elas se mobilizavam antes ou depois das aulas para produzir o conteúdo e organizar as divisões de tarefas. E o sucesso delas foi incrível nas mídias locais e de outros estados do Brasil.
O Donas do Placar cresceu e agora ele é uma realidade dentro da UFSC. Em março deste ano, o Departamento de Marketing do Avaí Futebol Clube criou uma ação para o Dia Internacional da Mulher e decidiu fazer, em parceria com a Rádio Avaí, uma transmissão 100% feminina para a partida entre Avaí e Juventus. E três meninas do Donas fizeram parte desse momento.
Duda foi indicada para ser narradora da partida e ela, mesmo com certo nervosismo, aceitou o desafio. “Na hora eu disse a eles que teríamos que conversar pessoalmente porque eu não era uma narradora profissional e que não era ritmada como os narradores mais experientes”. Ao lado de Thaisy Regina ( que fazia a interatividade durante a partida) e Maria Heloísa Vieira (nos comentários), as garotas que começaram um projeto sem grandes pretensões na Universidade, com o apoio de uma professora, acabaram ganhando projeção nacional.
E acabou Avaí x Juventus! 2 a 1 para o Leão! Minha primeira narração pela @radioavai! Foi maravilhoso, de arrepiar. Olha a narração do último gol do Leão: pic.twitter.com/EV79jpJLP0 — Duda Dalponte (@duda_dalponte) March 9, 2020
“Me gravaram narrando o gol de desempate e foi surreal. O Avaí tinha aberto o placar no início do jogo e foi muito empolgante, mas aí o Juventus empatou no final do primeiro tempo. E dali em diante, o jogo ficou muito morno. Passei o segundo tempo inteiro tentando botar animação na narração e a gente queria ser pé-quente, né? Nos acréscimos eu falei ‘tô sentindo que vai sair um gol, hein!’ e deu dois minutos e o Da Silva fez um gol. Me emocionei, fiquei toda arrepiada, ouvi toda a torcida comemorar e foi incrível”, relembrou Duda.
Depois disso, a garota de Floripa descobriu uma nova paixão no jornalismo esportivo e recebeu muitos elogios de inúmeras pessoas, até mesmo de mulheres que ela tanto admira. “A Ana Thaís (comentarista do SporTV) retuitou meu vídeo e me passou o número do WhatsApp dela. E eu sempre me inspirei muito nela como comentarista. A Ana disse que minha voz era muito boa na narração”, revelou.
“Queria fazer as meninas da minha cidade jogarem futebol”
Com apenas 15 anos na época, Bianca Ramos se mobilizou para realizar um campeonato de futebol feminino em Itanhaém. “Eu sempre joguei bola e via como era complicado para as meninas terem seu espaço na escola e sempre tive essa percepção de que pra gente as coisas eram diferente e não tinham campeonatos”, contou ao blog.
Com a ideia na cabeça, ela tentou fazer uma parceria com um organizador local de eventos. “Só que essa pessoa queria cobrar um valor alto de inscrição e não estava tendo retorno das meninas. Eu não tenho essa ganância, não queria isso. Eu queria conhecer os times e juntar as meninas. Aí meu pai falou pra gente fazer um evento beneficente e eu fui atrás de tudo”
Bianca ia para a escola e quando acabavam as aulas, ela rodava por diversos bairros de Itanhaém pedindo apoio para os comerciantes de Itanhaém. “A Prefeitura me cedeu a quadra para realizar o campeonato e os troféus. Pedia R$ 50 de porta em porta porque eu precisava comprar as medalhas. Sempre ia sozinha, chegava lá e explicava para o que era e consegui arrecadar R$ 600.”
Em junho de 2018 ela conseguiu realizar seu primeiro campeonato com categoria livre (para mulheres de todas as idades) e outra Sub-17. “O campeonato foi um sucesso, durou um mês, com jogos rolando aos sábados. A Prefeitura me cedeu isso e depois divulgaram uma matéria dizendo que eles que organizaram o campeonato. Não me deram crédito em nada, fiquei muito chateada”, revelou.
Depois disso, segundo ela, “a coisa deu um boom” e inspirada pelo projeto Passa a Bola, comandado por Luana Maluf em São Paulo, Bianca quis ir além. “Todo mundo passou a me procurar para organizar campeonatos, mas eu fiz tudo isso porque eu só queria que as meninas jogassem e que a gente tivesse um espaço nosso. E aí começou a surgir times do Vale do Ribeira e aí eu quis unir a Baixada Santista com o Vale do Ribeira”, disse.
Por conta de sua iniciativa em Itanhaém, outros campeonatos começaram a surgir pela região.”As meninas começaram a pediram para eu ir cobrir os jogos. Aí eu fui pra Jacupiranga, Juquiá e não parava de ter campeonato. E o meu intuito era esse, unir as meninas para que elas pudessem jogar.”
Depois do primeiro campeonato, ela realizou outros dois. O mais recente deles – e até então o último – foi em 2019, livre de taxa de inscrição e sempre com arrecadação ou de alimentos ou de brinquedos para ajudar em doações. “Eu fazia tudo sozinha, era muito cansativo e não é fácil conseguir apoio na minha cidade. Esse ano entrei na Faculdade de Jornalismo e estou trabalhando, não consigo mais administrar os campeonatos, mas parece que quanto mais eu me afasto disso, mais gente me procura”, contou.
Hoje, aos 17 anos, ela corre atrás de realizar seu objetivo que é trabalhar na área esportiva. Ela produz conteúdo para a página Rainhas do Drible (ao lado de outras garotas), é colunista dos sites Papo de Mina e do Aliança Esportiva. “Meu sonho era ser jogadora, mas aos 12 anos, assistindo o Jogo Aberto, vi a Renata Fan apresentando e falei que eu queria fazer a mesma coisa que ela”, revelou a garota que também se inspira em Fernanda Gentil e em Ana Thaís Matos, que é da mesma cidade que Bianca. Ver essa foto no Instagram
Uma publicação compartilhada por Bianca Ramos (@_biancaaramos) em 31 de Dez, 2019 às 9:07 PST
Depois de tudo que mobilizou, Bianca percebe um engajamento maior na região. “Agora, elas marcavam amistoso toda semana. Por mais cansada que eu ficasse, elas me mandam mensagem dizendo que se eu parar de vez, não vai ter mais nada. Sei que sou nova ainda, mas ter conquistado o respeito e admiração delas é algo que vou levar sempre comigo, fazendo campeonatos ou não”, contou.
Duas faculdades e a vontade de viver apenas de conteúdo sobre futebol feminino
Amanda Porfírio tem 29 anos e é quem administra a página Fut das Mina, que está no ar desde 2019 e cresceu muito rápido. “O crescimento me assustou muito, mas foi a Copa do Mundo que me impulsionou”, contou ao blog.
Apaixonada por futebol desde criança e muito influenciada pela mãe, Amanda se formou em Educação Física na Universidade Federal em Pernambuco por conta da proximidade com o esporte, mas era o Jornalismo que mais a atraía. “Quando comecei a pensar no jornalismo como segundo curso, era para trabalhar no esporte. Foi o 1º curso que eu sempre quis fazer na vida”, nos contou.
Depois de formada, decidiu ir para Natal para cursar Comunicação na Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e logo no primeiro ano de faculdade soube de um projeto da TV Universitária e tudo começou ali. “Era um programa esportivo onde só mulheres atuariam, chamado TVU Esporte. Era voluntário e experimental, mas a gente fazia pra valer mesmo. Atuei como repórter e como produtora.”
O Fut das Minas era uma ideia que ela sempre pensou em colocar em prática, mas ele nasceu mesmo depois da Libertadores Feminina que aconteceu em Manaus, em 2018. “Eu fui pra lá na loucura, decidi investir pra ir e foi meu pontapé inicial para começar a fazer o meu conteúdo. Me marcou demais essa experiência de estar em uma cidade onde as mulheres consomem muito futebol feminino por conta da equipe do Iranduba. Eu estava lá, no meio de uma torcida em que as pessoas sabiam quem eram as jogadoras e vi isso lá pela primeira vez, foi marcante pra mim.”
Amanda trabalhou como educadora física nas escolas e afirma que é ali que a transformação pode acontecer de verdade. ” Atuei por cinco anos em escolas e lá futebol não é visto como coisa de menina. Na maioria onde trabalhei, as meninas me diziam que os meninos jogavam futebol e elas queimada, ou então vôlei. Já vi muito talento sendo dispensado. Quando penso no aumento de interesse e na visibilidade da mulher no futebol, eu penso logo na escola porque é um reflexo da sociedade. Então se você influencia e estimula ali dentro, isso vai crescer muito.”
Cuidando da página sozinha e produzindo conteúdo, Amanda entendeu que precisava vir para São Paulo para cobrir melhor a modalidade e, quem sabe, conseguir transformar o Fut das Minas em seu trabalho fixo. “Essa coisa de querer fazer mais pela modalidade foi o que me impulsionou muito. Meu objetivo é que a plataforma cresça a ponto de eu viver dela. Tenho muito ideia e projeto que eu quero botar pra frente. Enxergo minha vinda para São Paulo como possibilidade de colocar outros projetos em vigor. Decidi arriscar mais uma vez e dar outra virada na vida e vim pra cá.”
Com a experiência de cobrir campeonatos em Natal e pela TV Universitária, Amanda pretende ir além da produção de conteúdo e se engajar em uma transformação real da modalidade no cenário esportivo. “O que eu quero é produzir conteúdo sobre futebol feminino, tanto para as redes sociais, como para o site. Tenho vontade de atuar também com ações que possam ajudar efetivamente a modalidade, envolver políticas públicas, essas coisas, além da comunicação” revelou.
Inspirada pelo conteúdo produzido por Cinthia Barlem, por Bruna Dealtry no telejornalismo e Ana Thaís Matos nos comentários, Amanda busca seu espaço com a benção da mãe, torcedora do Sport, que lhe apoiou dizendo “qualquer coisa, a casa está aqui se precisar voltar.”