Após uma campanha decepcionante na Copa do Mundo, a seleção brasileira feminina sofreu uma troca no comando técnico. Campeão de tudo com o Corinthians nos últimos anos, Arthur Elias tem um desafio enorme à frente do Brasil no próximo ciclo: para além de conquistar ou não uma medalha, a maior tarefa dele antes de qualquer coisa é fazer a equipe voltar a acreditar que pode ser protagonista no cenário do futebol feminino mundial.
Em entrevista exclusiva às Dibradoras, o diagnóstico que Arthur fez da seleção na Copa do Mundo da Austrália e também nos últimos anos é que – nas palavras dele – “a gente precisa de mais confiança”.
“Precisa das atletas confiarem mais nelas, confiarem no trabalho, confiarem que é possível o Brasil ser protagonista, o Brasil disputar medalhas nas competições importantes, e jogar de acordo com isso”, avaliou.
Com um roteiro parecido nos últimos anos, a seleção vem sofrendo eliminações doloridas e enfrentado dificuldades nos duelos contra as novas protagonistas no cenário mundial – equipes europeias, Canadá e o velho conhecido Estados Unidos.
Na Copa, o Brasil não vence uma partida de mata-mata desde 2007, quando foi vice-campeão, seu melhor resultado – e neste ano parou ainda na primeira fase. Na Olimpíada, o melhor resultado recente foi o quarto lugar em 2016 que acabou com gosto de decepção pela maneira como veio – com o Brasil caindo nos pênaltis na semifinal diante da Suécia no Maracanã e perdendo o bronze para o Canadá em Itaquera. Em Tóquio-2021, a queda veio antes, nas quartas, para o mesmo Canadá.
“‘Acreditar’ é uma palavra importante, é uma reflexão que eu tenho feito com o grupo, porque é a base de tudo, a atleta se sentir bem para jogar, jogar de uma forma que tem que ser intencional dentro do nosso modelo de jogo, mas também intuitiva dentro do talento delas, e tem que ser instintiva, o instinto de vencer, de sobreviver nas competições, lutar até o final. Isso é uma conversa que eu tenho tido com elas, é uma reflexão que eu acho que é a base de tudo”, afirmou o treinador em entrevista exclusiva às Dibradoras.
“Vejo o rumo da seleção brasileira de uma forma mais otimista depois de muita coisa difícil que elas passaram e que eu vou tentar dar um significado novo pra isso. Esse de voltar a acreditar, olhar pra dentro, não pra fora, quando estiver no jogo, numa competição, não pensar no que aconteceu há 4, 8 anos, 2 anos, o que importa é o que a gente está vivendo no momento. Vejo que outras seleções tem mais qualidade em alguns aspectos do jogo, mas a gente tem uma capacidade de imprevisibilidade, de trazer elementos pro jogo e de mudar a história de uma partida como poucas seleções tem, então quero que elas confiem muito nisso.”
Em um papo de uma hora na sede da CBF, o novo técnico da seleção falou sobre como tem sido o início de trabalho, a nova forma de jogar que pretende implementar na equipe, a renovação do time e os desafios para desenvolver o futebol feminino no Brasil.
Leia a entrevista na íntegra:
– É a primeira vez que você comanda uma seleção. Quais são as principais diferenças no desafio do dia a dia comparado com o desafio do dia a dia no clube?
Arthur: Acho que a gente tem duas situações bem diferentes: convívio com as jogadoras, treinamento diário, processo que você consegue evoluir continuamente, acompanhamento diário com elas em todas as áreas, isso no clube é muito maior. Mas também você tem o outro lado que é a possibilidade de convocar diversas jogadoras, esses testes, o grupo que você consegue reunir com perfis diferentes de atletas ao longo de cada data Fifa, você não tem isso nos clubes. É uma característica do trabalho da seleção que é igual pra todas as seleções. Aí os critérios, a competência do trabalho, a mentalidade do grupo é o que vai ser decisivo pro sucesso seja no clube ou na seleção.
– A seleção passou por uma renovação grande nos últimos anos com muitas jogadoras jovens assumindo protagonismo e outras mais antigas perdendo espaço. Como você vê esse processo agora?
Arthur: Vejo o processo de renovação como algo natural e que ele é feito muito mais pelas jogadoras do que pelo comando. Porque na seleção precisam ser convocadas as jogadoras que estão melhores naquele momento. Eu tenho uma lista hoje de 53 jogadoras que eu e minha comissão temos acompanhado, e quem faz esse processo são as jogadoras. Você citou várias jogadoras que estão muito bem nos seus clubes e são merecedoras de estar na seleção, isso independe da idade, não é uma questão planejada a renovação, acho que é natural e é difícil prever quem são as jogadoras da Copa daqui 4 anos. Minha função aqui é abrir um leque de jogadoras que entendam que se elas estiverem bem, elas vão ter oportunidade na seleção. Aí a hora que tiver oportunidade, as respostas que elas vão dar aqui. Pensar até as Olimpíadas nesse momento, isso facilita a gente a ter um acerto maior, porque o futebol muda muito, cada atleta vai ter um processo nesse tempo longo. Eu to bem satisfeito com a quantidade de atletas que a gente tem pra convocar, já é bem maior do que em outros ciclos. tenho muita expectativa e otimismo que em outros ciclos mais pra frente esse número vai aumentar e a gente tende a ter uma seleção brasileira cada vez mais competitiva.
– A intensidade do jogo está cada vez mais alta, os estudos que vemos na copa de 2019 e de 2023 mostram isso. A velocidade do jogo mudou, os times estão mais rápidos, mais fortes fisicamente. Como você vê o futebol brasileiro diante do contexto mundial hoje?
Arthur: Com relação aos campeonatos, acho que o Brasileiro cresceu rapidamente, aconteceu o que já deveria ter acontecido há muito tempo que é o futebol feminino estar nos times de camisa, porque é o local onde se tem estrutura pra trabalhar. E os clubes no Brasil têm evoluído muito dentro dessa estrutura, é só uma questão de abrir mesmo esse espaço pro time feminino e elas poderem usufruir tanto da estrutura física quanto de bons profissionais. Ainda falta abrir mais, de forma mais equiparada ao que existe no futebol masculino.
O Campeonato Brasileiro cresce, mas os outros campeonatos também, especialmente na Europa. Em relação a nossa seleção, vejo que a gente perde principalmente em quantidade de jogadoras preparadas pra jogar nessa intensidade de jogo que um nível internacional de seleções exige. Vejo que a gente selecionando 18 pra Olimpíada, 23 pra Copa do Mundo, batemos de igual pra igual com qualquer seleção, não vejo o Brasil abaixo quando a gente fecha o grupo, mas a dificuldade é a gente pensar em ter um leque de pelo menos 60, 80, 100 atletas como se tem em outros países com essa intensidade. As jogadoras que tiveram uma carreira com mais oportunidades em grandes clubes e com trabalhos estruturados que possibilitaram elas a ter essa intensidade de jogo, elas competem em nível internacional. Mas a maior parte das nossas jogadoras não tem isso. Às vezes por falta de estrutura pra ela ou por falta de consciência dela desde cedo, porque as competições e o trabalho dos clubes na base começou há pouco tempo. A gente perde nesse número de atletas com esse grau de intensidade pra jogar. Isso é um problema do desenvolvimento do futebol feminino brasileiro, não é um problema da seleção pra eu escolher 23 jogadoras. Os relatórios que a gente tem da Copa, por exemplo, mostram que o Brasil foi uma das equipes que mais correu em alta intensidade, mais que a França inclusive, e que todas as seleções do grupo.
– Fazendo um diagnóstico sobre as mudanças que você identifica que o Brasil precisa, quais são os principais pontos a serem trabalhados na sua visão?
Arthur: De uma maneira geral, o que eu percebi não só na Copa, especialmente no jogo contra a Jamaica, mas também num processo muito longo da seleção brasileira é que a gente precisa de mais confiança. As atletas confiarem mais nelas, no trabalho, confiarem que é possível, que é possível o Brasil ser protagonista, o Brasil disputar medalhas nas competições importantes, e jogar de acordo com isso. Vou tentar dar um significado novo pra esse processo difícil que a seleção passou. Esse de voltar a acreditar, olhar pra dentro, não pra fora, quando tiver no jogo, numa competição, não pensar no que aconteceu há 4, 8 anos, 2 anos, o que importa é o que a gente tá vivendo no momento, ter presença, o que tá sendo feito na seleção brasileira, são várias reflexões que a gente tenta trazer pra elas e cada uma vai absorvendo. Mas principalmente jogar futebol dentro da qualidade que a mulher brasileira tem pra jogar. Vejo que outras seleções tem mais qualidade em alguns aspectos do jogo, mas a gente tem uma capacidade de imprevisibilidade, de trazer elementos pro jogo e de mudar a história de uma partida como poucas seleções tem, então quero que elas confiem muito nisso.
Taticamente eu vejo que a seleção pode entregar mais na questão ofensiva, que a seleção agrida mais o adversário, crie mais oportunidades de gol. Isso eu sempre falei, nao importa como se joga, uma equipe que faz por merecer vencer é a equipe que cria muitas oportunidades de gol. Se a bola vai entrar ou não isso é um pouco do imponderável do futebol, mas o meu trabalho é pra que a equipe crie mais do que o adversário e acho que isso elas tem entendido bem e acho que faltou um pouco no jogo da Jamaica, uma seleção do nosso nível, faltou criar chances mais claras, porque aí certamente venceria o jogo e aí o mata-mata é uma outra história.
– A CBF tinha um cargo de supervisão para seleções femininas que ainda não foi ocupado. Esse cargo será descontinuado? Como você vê os planos da entidade para o futebol feminino?
Arthur: Vai ser contratado em breve. É mais importante trazer bons profissionais do que ter muita pressa. Claro que muitas dessas pessoas estão ligadas a clubes, a projetos, e a gente tem conversado pra trazer as pessoas certas pra pegar o ciclo de Olimpíada e Copa.
Vejo com otimismo por tudo o que tem acontecido nos últimos anos, a CBF tem alguns projetos já apresentados pra mim de desenvolvimento do futebol feminino. Com apoio de outras entidades, Conmebol, Fifa, há um mínimo de planejamento pra isso que precisa ser lapidado pelos profissionais, técnicos, as federações e clubes. Acho que isso é um processo que soma muitas entidades e tá de certa forma acontecendo, meu papel vai ser tentar acelerar isso fazer com que isso seja mais qualificado no olhar técnico e vejo que tô conseguindo contribuir em pouco tempo com coisas que são importantes. E quando o país em nome do presidente da CBF e do governo se candidata a sediar uma Copa feminina com grandes chances de vencer, isso também vai ser um fator que vai acelerar esses planos e ideias, então é ter esse entendimento da complexidade, ter a lealdade das pessoas que estou trabalhando junto e cobrar, ficar em cima pra que as coisas aconteçam.
– Nos últimos anos, uma conquista que aconteceu aqui foi ter mais diversidade na comissão técnica da seleção. Pra copa, foi a maior delegação da história e metade era mulher. O que você pensa sobre isso? Pretende trazer mais mulheres para a comissão técnica?
Arthur: Quero muito trazer pro departamento, acho que é uma representatividade que a gente não pode abrir mão nunca, está dentro do conceito, da causa, do desenvolvimento do futebol das mulheres, as mulheres nos cargos de liderança, em todos eles. Mas num primeiro momento a decisão foi tomada com um critério muito técnico no sentido de trazer a comissão que sempre trabalhou comigo. E é uma comissão vitoriosa, o trabalho tem uma sintonia muito grande. Se eu abrir mão do meu preparador físico que tá comigo ha 14 anos, do auxiliar que entende só no olhar o que eu to pensando, do meu preparador de goleiras, pra trazer outras pessoas, num processo rápido como é na seleção, de pouco tempo de treino, a gente vai precisar construir essa sintonia, isso vai ser uma dificuldade na qualidade de treino e planejamento. O conceito de ter mulheres fazendo parte da comissão técnica ou não também é relativo, porque pra mim a psicóloga, a nutricionista, também fazem. O trabalho não é separado, todos os profissionais prestam serviços pra um modelo de jogo, pra um conceito de seleção, pra mentalidade de seleção que a gente quer. Às vezes, a psicóloga é minha auxiliar, precisa entender como a jogadora está se sentindo e por que ela está performando daquela maneira. Todos trabalham na questão técnica. Talvez eu possa (contratar mais gente na comissão), mas isso não está na minha prioridade agora. Eu entendo e vejo isso como responsabilidade de quando a gente tem um cargo assim, e a prioridade pra contratar vai ser contratar mulher. Só que a questão da comissão técnica não é só a capacidade do profissional, mas também é a sintonia do trabalho.