Ver mulheres atuando no futebol fora dos gramados ainda é uma raridade no mundo todo. No Brasil, é difícil encontrá-las até mesmo no futebol feminino – entre os 16 times da Série A1 do Brasileiro feminino, só há duas treinadoras e elas também não são maioria na gestão das equipes. E pelo que se via na “CBF Academy”, a escola de capacitação para o futebol criada pela entidade, não havia qualquer perspectivas de mudanças para esse cenário tão cedo.
Dos 8.327 alunos dos cursos de treinador, analista de desempenho, gestor e tantos outros oferecidos lá, somente 309 eram mulheres – isso representa cerca de 3%. Na tentativa de mudar essa realidade, a CBF decidiu criar uma cota feminina para cada um dos programas da Academy e direcionar bolsas com até 50% de desconto para incentivar principalmente ex-jogadoras e outras mulheres que já atuam na área do esporte ou do futebol a participarem dos cursos.
Em um mercado tão masculino e machista, as mulheres sempre encontraram muitas portas fechadas – inclusive na própria CBF, que tem apenas homens em todos os seus cargos diretivos. Na seleção feminina de futebol, só em 2016 uma treinadora teve a chance de assumir o comando técnico – desde então, foram duas, Emily Lima em 2016 e Pia Sundhage desde 2019. E os cargos relacionados ao futebol feminino também sempre foram preenchidos por homens – só agora haverá uma mulher como coordenadora de seleções femininas (Duda Luizelli) e outra como coordenadora de competições femininas (Aline Pellegrino)
Essa ausência de mulheres sempre gerou um questionamento: faltavam mulheres interessadas em trabalhar com o futebol ou oportunidades para que elas o fizessem? Na CBF, em outros anos, quando questionamos sobre o fato de não haver mulheres nem mesmo nos cargos referentes ao futebol feminino, a resposta era sempre a de que “elas precisavam se preparar”. O que é uma exigência natural – e deveria ser, para homens e mulheres. A diferença, nesse caso, era que o preço dos cursos oferecidos na Academy era bastante fora da realidade do futebol feminino.
A CBF finalmente ouviu e identificou esses problemas e criou alternativas para resolvê-los. O lançamento do programa “Mulheres No Jogo” vem para tornar palpável o que era inacessível e suprir uma necessidade antiga: a de abrir as portas da chamada “Casa do Futebol Brasileiro” para as mulheres – especialmente aquelas que contribuíram tanto com o futebol feminino no Brasil e tiveram muito pouco em troca.
“Esse cenário está mudando ao longo dos anos, temos mais mulheres se capacitando, tanto na gestão como na área técnica, e não somente como treinadoras, mas também como preparadoras físicas, analistas, treinadoras de goleiros/goleiras. Temos atletas ainda em atividade buscando cursos para iniciar um planejamento de transição”, afirmou Valesca Araujo, Gerente de Projetos da CBF Academy.
“Se anos atrás havia dúvida quanto as oportunidades, hoje vemos uma busca pela formação e preparação para que as oportunidades que surjam sejam aproveitadas. A CBF quer ajudar nesse processo com os sistema de bolsas, dando oportunidades para que mais mulheres ocupem espaços no futebol.”
Incentivo
Segundo a iniciativa, 20% das vagas de todos os cursos da CBF Academy serão reservadas para mulheres (cis e trans). Essas vagas terão bolsas de 20 a 50% de desconto a serem distribuídas pela CBF de acordo com os critérios pré-definidos – professora da rede pública de ensino, universitárias, ex-jogadoras de clubes vinculados à CBF ou à CBFs (Confederação Brasileira de Futsal), ex-jogadoras da seleção brasileira de futebol ou de futsal e integrantes dessas seleções atualmente poderão ter acesso aos descontos oferecidos.
Quanto mais mulheres tiverem acesso a uma formação específica no futebol, maior será a presença delas no mercado. Hoje, sempre que aparece uma representante feminina em algum cargo de destaque no futebol, isso vira notícia mundial – como aconteceu com Kathleen Krüger, “team manager” do Bayern de Munique ou Marina Granovskaia, diretora executiva do Chelsea. Lá fora, elas também são exceção, mas quando olhamos para os números, por exemplo, de treinadoras licenciadas, vemos que a realidade de países como a Alemanha já é diferente (e mais avançada) da que encontramos aqui no Brasil.
Lá, segundo os dados divulgados por um estudo da Fifa em 2019, dos 63.868 treinadores licenciados, há 3.406 mulheres – o que representa 5%. Aqui, dos 1.368 técnicos com licença, só 15 são mulheres – ou seja, 1%. Na Licença Pro (a mais alta da CBF), há só duas mulheres.
Iniciativas como essa da CBF Academy podem ajudar a diminuir essa diferença.