Marta Vieira da Silva saiu de Dois Riachos, Alagoas, aos 14 anos, para ganhar o mundo. Ou melhor, para mostrar ao mundo as várias possibilidades que a mulher e o esporte podem oferecer, ainda mais quando caminham juntos e tão bem como Marta e o futebol. De criança sonhadora à Rainha do Futebol, Marta segue acumulando uma multiplicidade de camadas ao longo da trajetória que completa 37 anos neste domingo (19).
A cada nova primavera, Marta se reinventa e prova que sempre é hora de recomeçar. É assim que encara o retorno aos gramados após quase 1 ano se recuperando da lesão mais grave da carreira. Hoje, a recordista de feitos individuais soma-se à versão Marta líder, responsável por ser o elo entre gerações na seleção brasileira no ano em que a Camisa 10 do Brasil promete ser, mais uma vez, histórica na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, que será a sexta dela.
Nada mais justo do que homenagear a aniversariante com as suas versões múltiplas, que extrapolam fronteiras e preconceitos dentro e fora de campo.
Marta, a menina que ousou sonhar ser jogadora
Criada pela mãe e a avó ao lado dos três irmãos, Marta cresceu jogando futebol entre os meninos e esbarrando, desde cedo, com as dificuldades do sonho de se tornar uma jogadora profissional. Na escola onde jogava com os meninos, uma decisão administrativa do time a impediu de continuar na equipe. Com a ajuda do técnico Tota, porém, Marta viajou de Dois Riachos para o Rio de Janeiro aos 14 anos para fazer um teste no Vasco da Gama.
Após ter se tornado a principal jogadora do mundo, Marta publicou uma carta sobre o que ela diria a si mesma quando decidiu largar tudo, ainda criança, pelo futebol. “Lute para provar que todo mundo está errado – todo mundo que pensa que não há lugar para garotas no campo de futebol”, escreveu no texto publicado em 2017 no site The Players Tribune, plataforma em que personalidades do esporte contam suas histórias com as próprias palavras.
Marta, a estreante na seleção sub-19 e adulta
Marta estreou na seleção principal aos 17 anos, em 2002. Apenas três anos antes, ela havia sido campeã brasileira com o Vasco, que também tinha no elenco Sissi, Pretinha e Rosely, titulares da seleção brasileira na época. O detalhe é que Marta tinha apenas 14 anos e, mesmo assim, foi eleita jogadora revelação do campeonato. A campanha rendeu a primeira convocação para a seleção sub-19, que havia sido recém-criada pela CBF para disputar o primeiro campeonato sub-19 no Canadá, em 2002, torneio que também contou com a participação de Cristiane e Daniela Alves e da canadense Christine Sinclair.
Enquanto treinava para o Mundial da categoria de base, Marta também foi convocada para a seleção adulta, então ficou entre a sub-19 e a adulta. Após Marta conquistar com o Brasil a quarta colocação no campeonato mundial sub-19 de 2002, o Vasco acabou com o time feminino e Marta ficou treinando um ano em Belo Horizonte, onde defendeu o Santa Cruz. No ano seguinte, jogou pela seleção principal na Copa do Mundo de 2003, nos Estados Unidos. O Brasil caiu nas oitavas para a Suécia, por 2 a 1, mas Marta chamou atenção dos diretores do clube sueco Umea IK, onde a brasileira atuaria pelos cinco anos seguintes (2004-2009).
Marta, a dona do prêmio de melhor do mundo da Fifa
Após estrear na Copa do Mundo com o Brasil, Marta chegou ao futebol europeu pelo clube sueco Umeå IK e passou a encantar o mundo com cada vez mais frequência e visibilidade. Dois anos mais tarde, em 2006, Marta foi eleita pela primeira vez a melhor jogadora do mundo, aos 20 anos. A partir de então, estabeleceu uma hegemonia por cinco anos consecutivos como dona da premiação, levando a taça também em 2007, 2008, 2009 e 2010. Tornou-se a Rainha do futebol. Em 2018, recebeu pela sexta vez o prêmio. Nesse período, conquistou por duas vezes a medalha de prata nos Jogos Olímpicos (2004 e 2008) com o Brasil e um vice-campeonato mundial (2007).
Marta, a referência do futebol feminino
Após o período em que atuou no futebol sueco, Marta foi contratada pela equipe do Los Angeles Sol, em que defendeu até 2010. Na equipe, ela foi artilheira da Liga Nacional dos EUA na campanha que o time terminou como vice-campeão. Marta sempre foi uma voz ativa importante na seleção brasileira por maiores incentivos ao futebol feminino, com direito a apelos emocionados e comoventes. Mas entre 2009 e 2010 ela também conseguiu impulsionar a modalidade jogando dentro do país, pelo Santos, mesmo defendendo o time americano.
Enquanto atleta do Los Angeles Sol, Marta foi emprestada ao Santos por três meses. No clube paulista, Marta jogou ao lado de Cristiane e uma seleção de craques que foram campeãs da Copa Libertadores e da Copa do Brasil feminina, em 2009. Em 2010, Marta voltou ao Santos para atuar por mais dois meses. Esse foi o período áureo das Sereias da Vila, que eram a base da seleção brasileira, chegando a ter onze atletas convocadas de uma só vez. A presença da Rainha movimentou a modalidade, atraiu mídia e torcida para os jogos e pressionou clubes e entidades a promover o futebol das mulheres, mesmo que por um curto período.
Marta, a voz ativa na luta pela igualdade de gênero
Já consagrada no futebol, Marta passou a estender sua influência por causas extra-campo. Em 2018, aceitou o convite de ser embaixadora global da Boa Vontade pela ONU Mulheres para incentivar mulheres e meninas a quebrarem a barreira do preconceito. E em 2019, Marta mostrou ao mundo que, para além da líder nata do campo, havia se tornado também uma ativista pela igualdade de gênero, movimento que aflorou com a maturidade. Isso tudo em meio à Copa do Mundo da França, que chegou como a então melhor do mundo.
Naquele Mundial da França que serviu como um marco no futebol feminino mundial, a Camisa 10 do Brasil balançou as redes pela primeira vez, de pênalti, no jogo entre Brasil e Austrália. Na comemoração, a capitã brasileira apontou para sua chuteira preta, lisa, sem patrocínio e exibiu o símbolo da campanha “Go Equal”, em referência a equidade de gênero. Era uma nova versão da Marta, que se distanciava do “anonimato” quando o assunto era posicionamento social e político que se estendia para além do futebol.
Marta, a maior artilheira da Seleção e em Copas do Mundo
A maior jogadora da história do futebol é brasileira, mas a própria CBF não tinha contabilizado com exatidão os jogos e gols que protagonizou com a seleção brasileira. Apenas em 17 de setembro de 2021, a entidade divulgou, pela primeira vez, números oficiais da Rainha com a amarelinha. Mas desde 2015, quando marcou 116 gols, Marta é tida como a maior artilheira da seleção – contando a feminina e a masculina. É que, mesmo sendo um ícone recente do nosso futebol, não havia registros de todos os gols que ela fez com a camisa da seleção. Hoje, Marta soma 182 jogos e 122 gols pela seleção, segundo dados oficiais da CBF.
Ainda assim, não há dúvidas que a artilharia de Marta ultrapassa os recordes nacionais. Em 2019, a Rainha marcou o décimo sétimo gol dela em Copas do Mundo e se tornou a maior artilheira da história do torneio – entre homens e mulheres. Marta começou o Mundial da França (o quinto da carreira) com 15 gols somados e somou mais dois ao longo da competição. Assim, ultrapassou os 16 do alemão Miroslav Klose, que detinha até então o recorde. A brasileira foi também a primeira pessoa a marcar em cinco edições diferentes do Mundial de futebol, considerando homens e mulheres, por mais que tenham “esquecido” disso na Copa do Catar, em 2022, quando creditaram o feito ao português Cristiano Ronaldo.
Marta, a capitã, experiente e líder da seleção renovada
Além da liderança técnica e do poder de decisão em campo, Marta exerce liderança importante nos bastidores de uma seleção muito renovada que se prepara para a Copa do Mundo em julho, na Austrália e Nova Zelândia. A seleção feminina passou por um processo grande de renovação, principalmente após os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Das 23 jogadoras convocadas para a She Believes, 14 não estiveram nas últimas Olimpíadas. Marta ainda exerce um papel diferencial no elenco comandado pela sueca Pia Sundhage.
Com uma história de mais de duas décadas defendendo a amarelinha, Marta é o elo entre as primeiras gerações de luta da seleção feminina e a primeira geração a colher frutos e conquistas na modalidade para poder viver do esporte com uma melhor estrutura. Aos 37 anos, Marta mostrou mais uma versão: superou a lesão mais grave da carreira – o rompimento do ligamento cruzado (LCA) do joelho esquerdo – e voltou com tudo aos gramados, dando assistência para o gol da vitória do Brasil, por 1 a 0, sobre o Japão na She Believes Cup. Aos 37 anos, Marta promete ser, mais uma vez, histórica na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, que será a sexta dela.