Atletas brancos precisam agir contra o racismo

*Por Júlia Belas

O mundo do esporte, de novo, vive as repercussões de um caso de racismo. Desta vez, foi na Champions League, no duelo entre PSG e Istanbul Basaksehir. O quarto árbitro Sebastian Coltescu, que se dirigiu a Pierre Webó, membro da comissão técnica do time turco, de forma racista. O que aconteceu depois foi inédito.

Não só pelo fato de todos os jogadores terem deixado o campo e os times terem se recusado a jogar naquele dia. Não só pelo fato de que vimos um questionamento duro por parte da imprensa, tanto a que cobria o jogo quanto a que debateu o caso depois em mesas redondas, nas redes sociais e em outras plataformas. Nem mesmo pelo fato de a Uefa ter adiado a partida e suspendido o cartão vermelho dado a Webó por se revoltar com as ofensas.

Foi inédito porque deu esperanças de uma mudança efetiva nas atitudes de atletas brancos em casos de racismo no esporte. Um dos campeonatos mais importantes do mundo foi obrigado a parar e ouvir que o racismo é inaceitável e que o espetáculo não deve continuar quando atletas sofrem agressões. Deveria ser simples, mas não é.

Durante a pandemia, e especialmente após o caso George Floyd, as manifestações de jogadores de basquete nos Estados Unidos e de nomes como Lewis Hamilton, Richarlison e tantos outros, uma pergunta que sempre surgiu foi “por que outros atletas negros não se posicionam contra o racismo?”.

Getty Images

O racismo é parte da estrutura brasileira e mundial. A nossa sociedade foi construída com base em conceitos racistas, que atuam de diversas maneiras. Quando se pensa no futebol, apenas 4% dos jogadores ganham mais de R$ 5 mil reais por mês. Estas exceções à regra temem perder o espaço que conquistaram.

Os exemplos de jogadores e outros profissionais negros que foram punidos após denunciar e reagir ao racismo no meio futebolístico estão aí para provar: Barbosa, cuja trajetória é marcada por um jogo e acabou generalizando todas as gerações futuras de goleiros negros; Aranha, ex-goleiro que ganhou fama de encrenqueiro ao se posicionar (como ele mesmo fala) e perdeu oportunidades, tendo que encerrar a carreira; Taison, que reagiu a insultos racistas das torcidas e foi expulso; Roger Machado, que era o único treinador negro da Série A com o Bahia e, ao ser demitido, foi criticado por parte da torcida dizendo que o clube deveria focar no futebol e “deixar o ativismo de lado”.

O racismo gera trauma e viver em uma sociedade racista é viver constantemente este trauma. Os gatilhos aparecem toda vez que um jogador é agredido. Fora dos campos, casos como os de George Floyd, João Alberto Silveira Freitas e tantos outros homens e mulheres negros mortos de forma violenta por essa mesma estrutura são gatilhos. Durante a pandemia, entre as mortes por COVID-19 registradas no Brasil, a de negros foi 40% maior do que a de brancos – e isso é uma marca especialmente cruel desta estrutura.

A população negra sofre, mas erroneamente se pensa que pessoas negras são as únicas inseridas neste sistema. O racismo é uma relação de poder. O privilégio branco é silencioso: não se fala de branquitude, não se fala do seu papel na sociedade. Quando pessoas brancas procuram entender mais sobre o racismo, não entendem o seu papel e os seus privilégios e acabam se omitindo. Não existe aliança antirracista com omissão.

A discussão na imprensa após o caso na França foi baseada na união dos jogadores, na atitude efetiva tomada pelos dois grupos e na liderança de nomes como Demba Ba, Neymar e Mbappé. Apesar de atletas negros terem liderado o movimento, eles foram apoiados pelos colegas brancos, seus aliados naquele momento. Esta é uma atitude muito exigida, mas que na prática, não acontece. Eles usaram as suas plataformas e privilégios para dar apoio aos companheiros e adversários.

Não vou questionar se a Uefa teria adiado a partida se houvesse torcida nos estádios ou se os jogadores ainda interromperiam a partida se as agressões partissem do seu próprio clube. Isso nós nunca saberemos. Nem vou questionar qual vai ser a punição a Coltescu – isso é assunto para outra hora. Hoje eu falo do avanço.

Foto: AFP

Há esperança de que esta atitude seja um ponto de partida para outros times se unam do mesmo jeito no futuro. Atletas brancos podem se posicionar e estar ao lado dos companheiros negros, em vez de minimizar as suas lutas. O precedente já está posto. A esperança agora é de que jogadores e jogadoras – especialmente levando em consideração a existência da mulher negra em uma sociedade machista e racista – sintam-se seguros para compartilhar, denunciar e combater essa estrutura sem o medo de perder um espaço que lutaram tanto para conquistar.

Infelizmente, teremos outros casos de racismo no futebol. Teremos comentários racistas e preconceituosos como o de Jorge Jesus e vários outros anônimos nas redes sociais. Fora do mundo da bola, o racismo segue vivo e atuante. Mas, por um momento, tivemos esperança por esse passo em busca de um mundo menos desigual no futebol. Mais do que um avanço, é um estímulo para continuar a luta.

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