Pela primeira vez na história, a seleção feminina do Marrocos vai disputar uma Copa do Mundo de futebol. A equipe, que está na final da Copa Africana Feminina de Nações pode conquistar o seu primeiro título após eliminar a toda-poderosa Nigéria, nove vezes campeã do torneio em onze edições, nos pênaltis na frente de 45.562 torcedores. A semifinal, disputada no Estádio Príncipe Moulay Abdallah em Rabat, foi o maior público de um jogo de futebol feminino da história no continente africano.
A jornalista esportiva ugandesa Usher Komugisha está no Marrocos cobrindo o torneio e não poupa palavras para falar sobre a emoção de viver o momento histórico. “O que o Marrocos fez foi mudar o jeito que o futebol feminino é visto no mundo todo, mas principalmente no Norte da África e no Oriente Médio”, avalia.
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No Ocidente, países árabes e de maioria muçulmana ainda são vistos como opressores para as mulheres. No Brasil – país de maioria católica e cristã -, o futebol feminino foi proibido por lei por quase 40 anos. A Fifa, até poucos anos atrás, bania jogadoras muçulmanas que escolhem usar hijabs, de jogar torneios regulamentados pela entidade – e, na França, esta proibição existe até hoje. Mesmo quando há medidas e estratégias para o crescimento do futebol feminino, muitas vezes as entidades que governam o esporte ainda têm medidas problemáticas. O sucesso do torneio africano no Marrocos, no entanto, pode mudar muita coisa.
“Isso é absolutamente gigante não só para o futebol feminino, mas também para o futebol em geral. Se nós investirmos no futebol feminino, vamos conquistar o que merecemos”, disse Komugisha às Dibradoras. “Todos os outros países estão se perguntando ‘como podemos ser como o Marrocos?’”.
If Women’s Football is given a chance with proper branding and packaging, it will attract big crowds and eventually sponsorship.
Look at these 45,562 fans watching the #WAFCON in Morocco last night. Football leaders in Africa need to put in the work. Create a product. pic.twitter.com/TMHfiW2tfY
— Usher Komugisha (@UsherKomugisha) July 19, 2022
O recorde de público e o sucesso da seleção no torneio – mesmo que (ainda) não tenha conquistado o título – são reflexo de um investimento da federação do país, que passou a dedicar mais atenção à modalidade nos últimos três anos. Após muito tempo de de descaso com o futebol feminino, a entidade reestruturou as Atlas Lionesses para a sua terceira participação no torneio continental, a primeira desde 2000. Em 2020, a federação contratou o francês Reynald Pedros, ex-treinador do Lyon, para comandar a seleção principal.
“Nós já conseguimos sentir o impacto. Temos pessoas de várias nacionalidades, não só da África, mas do mundo todo, que estão visitando o Marrocos durante o torneio. Elas estão vendo o centro de treinamento onde o time marroquino está baseado. É um centro de alta performance, absolutamente fantástico. Não acho que nenhuma outra seleção tenha um centro de treinamento como esse”, comenta Komugisha.
A capital Rabat é a sede da equipe nacional e sediou todas as partidas, além de ser a casa da grande final. A cidade é conhecida por ser a casa do ASFAR, atual heptacampeão da liga nacional e que forneceu 14 jogadoras para a seleção, inclusive a capitã Ghizlane Chebbak.
Além disso, em um país no qual já há uma paixão pelo futebol, a competição atraiu a atenção e mudou a rotina dos torcedores no verão. As partidas, transmitidas pela emissora BeIN Sports, são exibidas em diversos países da região norte do continente e no Oriente Médio. Nos estádios, os chamados “ultras” (algo semelhante aos torcedores organizados aqui) acostumados a jogos como os dos times masculinos como o Raja Casablanca se unem a mães, pais, adultos e crianças nas arquibancadas.
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“Ao invés das pessoas irem para o parque, por exemplo, aproveitar o verão e ver o pôr-do-sol na praia, elas escolhem assistir à seleção feminina, porque a seleção está dando orgulho ao povo. Elas estão vencendo os jogos. É o tipo de excelência que qualquer país e qualquer população deseja”, aponta a jornalista.
Pelo país, propagandas, outdoors e anúncios exibem as imagens das jogadoras da seleção, principalmente de Chebbak. A sua identificação com a população vai além – o pai da jogadora, Larbi Chebbak, defendeu a seleção masculina marroquina nos anos 1970 e foi campeão africano com a equipe. Para Komugisha, isso acrescenta um fator especial à briga pelo título. “O fato de ela ser a capitã do Marrocos e levar a seleção à final significa muito para eles. Para mim, isso é algo que vai mudar o futebol feminino no Marrocos”, explica.
E a torcida já pode esperar mais festas no ano que vem, com a participação da seleção marroquina na Copa do Mundo de 2023 pela primeira vez em sua história. “Durante os jogos, você consegue ver os fãs cantando músicas desde o momento em que as jogadoras saem do túnel. Eles estão cheios de orgulho, vestem camisas das jogadoras, cantam, dançam, fazem a ola no estádio. Para mim, é uma experiência linda. É uma celebração de todo o trabalho duro e os sacrifícios”, conclui.
A Copa Africana Feminina de Nações ainda tem dois jogos a serem disputados. Na sexta (22), Nigéria e Zâmbia – que também conquistaram vagas na Copa do Mundo – disputam o terceiro lugar a partir das 17h. No sábado (23), no mesmo horário, a bola rola para a grande final entre Marrocos e África do Sul, no Estádio Príncipe Moulay Abdallah. E vale lembrar: o estádio tem capacidade para 52 mil pessoas, ou seja, pode vir mais recorde por aí.