(Foto: Acervo pessoal / Cilene Paranhos)
Por Carina Ávila
Em apenas dois dos 15 anos de premiação, o troféu de melhor jogadora de futsal do mundo não foi entregue a uma brasileira. Nos outros 13, domínio total do Brasil. Além de Amandinha, dona absoluta do prêmio desde 2014, Cilene Paranhos, Vanessa Pereira e Luciléia representam o país na lista de ganhadoras – e todas seguem jogando em altíssimo nível.
A paulista Cilene Paranhos foi quem deu início à chuva de conquistas, em 2008. “Na verdade, quando recebi o prêmio, eu nem sabia que existia isso de ser eleita a melhor do mundo no futsal feminino. Eu não imaginava que isso poderia acontecer”, relembra.
De fato, a premiação feminina era novidade. A brasileira foi a segunda mulher da história a receber o título do Futsal Planet Awards – a primeira havia sido a espanhola Eva Manguán, no ano anterior. “Logo que saiu a notícia com meu nome, fui pesquisar sobre essa eleição, porque até então eu não tinha acreditado. Foi um baque, um misto de emoções e felicidade. É surreal. Você não sabe explicar o que você sente”.
Para esta temporada, são cinco jogadoras brasileiras no elenco: Cilene Paranhos, Emilly Marcondes, Jozi Oliveira, Dany Domingos e Camila Gadeia.
A Cilene, veterana de 37 anos, foi eleita melhor jogadora do mundo em 2008. Ela venceu cinco Mundiais com a seleção brasileira. + pic.twitter.com/4qn3jHHV9t
— Carina Ávila (@CarinaCAvila) January 18, 2022
Hoje, aos 37 anos, ela é uma das estrelas do Burela, da Espanha, clube eleito o melhor do planeta pelo segundo ano consecutivo – e único ganhador do prêmio, já que o Futsal Planet Awards só começou a laurear o melhor time feminino em janeiro de 2021.
“São dois anos consecutivos que estamos à frente de tudo”, comemora a veterana, que atua como fixa e ala. Os títulos comprovam. Na temporada passada, o Burela venceu absolutamente todas as competições que disputou: Liga Espanhola, Copa de la Reina, Supercopa e Champions League. Mas isso não é nada perto da enorme lista de conquistas que Cilene acumula em 20 anos de carreira.
Recomeço em terras espanholas
Cilene nasceu na cidade de São Paulo e começou a jogar bola nas aulas de educação física do colégio. Nunca teve oportunidade de entrar em uma escolinha de futsal, então praticava na rua com meninos. O esporte só virou coisa séria quando ela completou 18 anos, passou a integrar a equipe da Associação Sabesp e precisou se federar. “Na época era um time de ponta, muito conhecido em São Paulo”.
A experiência abriu outras portas. Após chamar a atenção com a camisa da Sabesp, foi convidada para defender o Jaguaré, que tinha parceria com o Palmeiras, de Osasco. “Ali, ganhei alguns campeonatos e tive a oportunidade de ser considerada a melhor jogadora do mundo no ano de 2008”, relata.
Depois, teve uma breve passagem pelo time de futsal do Kindermann, de Santa Catarina, e retornou para o estado de São Paulo, onde defendeu o Jacareí. Em seguida, assinou com o São Caetano.
Posteriormente, os principais clubes que Cilene defendeu durante a vitoriosa trajetória no esporte encerraram as equipes femininas. “Hoje em dia, o São Caetano não tem mais o futsal feminino. A Sabesp, onde eu comecei, também não tem mais o feminino. O Jaguaré também não”, lamenta.
Quando o São Caetano encerrou as atividades, em 2016, Cilene recebeu a proposta internacional de representar o Burela. É sua sexta temporada no clube espanhol.
Pequena grande Burela
O Burela representa o município de mesmo nome, localizado na região da Galícia, ao norte da Espanha. É a única cidade do país com equipe feminina e masculina na primeira divisão nacional e, surpreendentemente, este centro do futsal mundial tem menos de dez mil habitantes.
“Como a cidade é muito pequena, os moradores vivem futsal, respiram futsal. Ficam perguntando quando tem jogo, não veem a hora. O ginásio enche”, conta a veterana. “A gente está na rua e eles cobram: ‘Tem que ganhar!’. E quando perde também, a gente fica: ‘Putz, vou ter que sair na rua! (Risos)’”.
O sucesso do Burela está diretamente ligado às atletas brasileiras. A equipe espanhola conta atualmente com cinco: Cilene Paranhos, Jozi Oliveira, Camila Gadeia, Danny Domingos e Emilly Marcondes (indicada entre as dez finalistas do último prêmio de melhor jogadora do mundo). Além delas, tem a auxiliar-técnica Cely Gayardo.
O principal motivo que atrai tantas jogadoras para a Espanha é unanimidade entre as atletas do grupo: o calendário anual invejável. Além da Liga Espanhola, que dura dez meses, os times disputam a Copa de la Reina. Os vencedores dos dois campeonatos jogam entre si a Supercopa. O campeão da Liga ainda participa da Champions League, competição entre os melhores clubes da Europa. Fora os torneios regionais. Ou seja, tem jogo o ano todo.
“Aqui a gente tem um calendário de competições para a temporada inteira. Dificilmente tem mudanças. Os dias e horários são certinhos, tudo organizado. Cada campeonato tem sua data certa. Essa organização é a principal diferença que noto”, ressalta.
Segundo Cilene, no Brasil, é comum que as equipes precisem lidar com alterações de datas e cancelamentos de torneios em cima da hora. “Lá, a gente fica esperando a confirmação de equipes para disputar campeonatos e, de repente, algumas delas desiste por falta de verba ou algo que passa, sabe? Montam o calendário por competição, então depende de quantos times vão participar, e fica tudo indefinido até o último momento”, explica.
A jogadora destaca que, além da variedade de competições, os salários na Espanha são bem mais altos e todas as partidas são transmitidas em tempo real na internet (com narração), o que aumenta a visibilidade das equipes e, consequentemente, os patrocínios. “Para as atletas que querem se manter em alto nível, a Espanha é uma das vitrines mais atrativas, porque o país paga bem, os campeonatos são fortíssimos e a qualidade de vida é excelente”.
Não à toa, o futsal espanhol atraiu Amandinha, oito vezes melhor do mundo, que assinou com o Torreblanca, de Melilha, no início deste ano.
Quase duas décadas na seleção
Desde 2004, quando foi convocada para representar o país no primeiro Sul-Americano feminino da história, Cilene veste a camisa da seleção. A partir daí, virou nome frequente nas convocações dos principais campeonatos. Com a amarelinha, conquistou cinco Mundiais, cinco Sul-Americanos e dois Mundiais Universitários.
No mês passado, ela figurou novamente na lista de convocadas para disputar amistosos contra Portugal e Espanha. Ou seja, já são 18 anos de seleção brasileira. Segundo ela, o segredo é simples: “Vou vivendo um ano de cada vez, uma temporada de cada vez”.
A estratégia segue dando certo. Em 2022, Cilene já levantou mais um troféu com o Burela: foi tetracampeã da Supercopa, numa vitória de 2 a 1 contra o Futsi Atlético Navalcarnero. É o 11º título consecutivo do time de sangue brasileiro, que há muito tempo não sabe o que é não vencer.