Tatiana Roma foi a primeira diretora do Clube Náutico Capibaribe. Ela denunciou Erisson Melo, irmão do presidente Edson Melo e ex-superintendente financeiro, por assédio. Após meses tentando fazer com que o Conselho Deliberativo do clube se pronunciasse, ela falou sobre o caso em suas redes sociais. A denúncia também virou reportagem, publicada por João de Andrade Neto e Sabrina Rocha no GE e exibida pela TV Globo em Pernambuco.
O caso repercutiu e inspirou outras mulheres a denunciarem o ex-superintendente, inclusive os pais de uma adolescente de 15 anos. A Drogafonte, patrocinadora do clube, exigiu que o Náutico investigasse a denúncia e que houvesse “punição exemplar dentro e fora dos Aflitos”. Erisson foi afastado e o clube contratou a empresa Women Friendly, especializada em consultoria e canais de apoio para prevenir e combater o assédio, além da criação de uma Comissão Feminina. Agora, ela luta para que Erisson seja excluído do quadro de sócios.
Hoje, foi protocolado no executivo o pedido da exclusão do quadro de sócios o funcionário acusado de importunação sexual. Não sei o que vai acontecer, mas
para mim já tem uma importância gigante, ela foi assinada pelo meu irmão. pic.twitter.com/FNEs4Hkd9r— Tatiana Roma (@tatiroma) November 26, 2021
Em entrevista às Dibradoras, Tatiana falou sobre as tentativas de deslegitimar a sua denúncia devido às eleições do clube, marcadas para o dia 5 de dezembro. Ela foi ameaçada, inclusive, de ser processada por racismo por um membro de uma torcida organizada – a pedido de funcionários do clube. “Eu estava com medo físico, as ameaças estavam subindo de tom. E todas as mulheres que eu tinha ouvido e que não tinham coragem de falar, alguém tinha que falar primeiro. Alguém tem que dar a cara a tapa primeiro”, afirmou.
Segundo ela, a sua principal inspiração para levar a denúncia adiante foi a coragem da funcionária da CBF que denunciou o presidente afastado Rogério Caboclo. “Uma mulher que recebeu uma proposta milionária teve coragem de fazer isso com o cara mais poderoso do futebol brasileiro. Se eu, que não dependo do clube para absolutamente nada, não tiver coragem, tudo que eu acredito vai por água abaixo. Ela foi a propulsora disso na minha cabeça.”
No dia 3 de Setembro deste ano, protocolei, junto ao Conselho Deliberativo do Náutico, uma denúncia contra um funcionário do departamento financeiro do clube. Eu, assim como qualquer outra mulher que toma a decisão de denunciar um crime de natureza sexual e moral … pic.twitter.com/8VWs2rTnoK
— Tatiana Roma (@tatiroma) November 22, 2021
No entanto, ao contrário do que se imagina, os problemas do machismo no Náutico não começaram com os casos de assédio denunciados por Tatiana e outras funcionárias. Ela, que era Diretora da Mulher e de Operações de Jogo, não tinha o mesmo acesso às instalações que os outros membros da diretoria – todos homens. Além da dificuldade de acesso para que mulheres alcançassem cargos diretivos, ela relata casos em que não podia exercer as suas funções e direitos por ser mulher.
“Eu não podia entrar na parte de hotel do centro de treinamento do clube porque eu era mulher, nunca pude andar no ônibus, no Timbus, porque me era proibido. Eu não podia andar com todos os jogadores quando os diretores andavam”, lamenta. Ela já teve, inclusive, que viajar no próprio carro para um jogo em Aracaju, um trajeto de cerca de sete horas, por não poder ir no mesmo veículo da delegação.
Muro dos Aflitos é pichado com cobranças à diretoria por denúncias de assédio. [NE45] pic.twitter.com/gPo1dQQ6cG
— Planeta do Náutico (@nautico_info) November 25, 2021
Apesar de todos os problemas, Tatiana acreditava que conseguiria mudar a situação do Náutico por dentro. “Pode me chamar de ingênua, mas eu achei que fosse conseguir mudar isso aos poucos”, afirma. Não foi isso que aconteceu. Após o que ela alega ter sido omissão do conselho deliberativo, Tatiana chegou a ouvir pedidos para que aguardasse até após as eleições no clube para dar seguimento à denúncia, e acusações de que estaria se pronunciando por questões políticas. “Eu bato tanto na tecla de que tem que ter mulher no futebol. Se eu não fosse adiante, poderia jogar tudo o que eu penso para o ralo.”
A maior surpresa, no entanto, foi positiva. Tatiana acreditava que receberia o apoio da torcida alvirrubra, mas a resposta foi muito maior do que ela imaginava. Nas redes sociais e grupos de torcedores, circularam imagens da sede do clube nos Aflitos com mensagens de repúdio ao assédio. “Eu tento crer que a torcida vai agir da melhor forma possível, porque eu sou ela também. Eu sou a torcida. Eu sou Náutico.”
Gostaria de agradecer a todos que vêm me dando apoio desde a última segunda. Falar, em casos como esses, é um ato difícil e que exige força. Hoje eu posso dizer que me sinto mais aliviada. Principalmente em saber que outras mulheres tiveram coragem de falar depois do meu relato.
— Tatiana Roma (@tatiroma) November 26, 2021
Com toda a repercussão, Tatiana revela que ainda tem receio de voltar ao clube do coração porque não sabe como será recebida. No entanto, acredita que a sua denúncia vai ajudar a melhorar o ambiente no Timbu para ela e todas as outras mulheres. ”Não sei como o Conselho vai me receber, como a gestão vai me receber. Mas acho que se eu pude dar coragem a pelo menos uma mulher, eu vou estar tranquila com o que eu fiz.”