Final da Champions League: o espetáculo começou em Kiev

Foto: EPA

Era perto de 1h da madrugada em Kiev, quando, no caminho para o hotel, comecei a ouvir de longe um eco de vozes gritando alto, muito alto: “Ale Ale Ale”. Fui chegando mais perto e então enxerguei a multidão.

Centenas de torcedores do Liverpool ocupavam a rua, pulavam e gritavam sem parar, atraindo a curiosidade dos ucranianos que passavam ao redor e se aproximavam para fazer vídeos e fotos. Não era uma noite de sexta-feira comum na cidade: era véspera de final de Champions League.

Saí de lá já perto de 2h, quando ninguém ainda dava qualquer sinal de que estaria perto de ir embora. A noite para eles seria longa – mesmo com o amanhecer chegando às 4h e pouco da manhã em Kiev nessa época de pré-Verão. E com certeza dormir seria uma tentativa em vão na noite que antecedia o momento mais esperado nos últimos 13 anos para os torcedores do Liverpool.

Foto: dibradoras

Ainda mais cedo, eles já davam a pinta do “inferno” que fariam na capital ucraniana. Os grupos iam se reunindo nos bares da principal avenida da cidade e dando seu “show à parte”. “We are singing in Ukraine, just singing in Ukraine…”, entoava um grupo em uma paródia com a música “Singing in the rain”, arrancando risos de quem passava por perto.

A torcida do Real Madrid também ocupou Kiev ao longo de todo o dia na sexta-feira. Na Fan Fest – o “festival” que a Uefa prepara nas cidades-sede da final da Champions com uma programação quase 24h por dia -, as camisas com o nome de “Ronaldo” nas costas eram frequentes. E os madridistas também se reuniam em bares para cantar suas músicas e aquecer para a final.

Foto: dibradoras

Ao longo de toda a sexta-feira, a cidade foi ficando tomada pelos fãs de futebol que desembarcaram nesta semana para a final da Champions League. O movimento é tanto, que o trânsito da cidade praticamente parou. Encontrar vagas em hotéis é outro desafio – aliás, encontrar até mesmo espaço para pouso no aeroporto está difícil e alguns torcedores do Liverpool acabaram tendo seus voos cancelados por conta disso.

Foto: Getty

Só que o futebol é um negócio fascinante e ninguém iria deixar de presenciar uma final dessas por não ter conseguido hotel para ficar, não é mesmo? Aliás, já vimos esse filme no Rio de Janeiro e em São Paulo com a “invasão” de torcedores argentinos e chilenos que fizeram acampamento na praia e no sambódromo, respectivamente, durante a Copa do Mundo de 2014.

Aqui em Kiev a tática foi contar com a boa vontade dos moradores. Uma campanha se espalhou pelas redes sociais ao longo da semana “Free couch for Kiev” (Um sofá de graça em Kiev, na tradução livre), e um grupo foi criado no Facebook para conectar os “fornecedores” do sofá aos torcedores.

Foto: Reprodução Twitter

“Já que os hotéis estão lotados em Kiev para o dia 26 de maio e muitos torcedores estão buscando um lugar pra ficar depois da final, moradores estão dispostos a hospedá-los de graça”, diz a descrição do grupo, que tem mais de 8,6 mil pessoas.

Futebol tem um pouco disso. É uma “doença” em comum que faz até mesmo com que desconhecidos se solidarizem e abram a porta de suas casas para receber gente que nunca viram apenas porque entendem o quão difícil seria deixar de vir a uma final dessas por não ter encontrado lugar para dormir. São pessoas que provavelmente sequer vão conseguir se comunicar com seus hóspedes – não é comum encontrar ucranianos que falem inglês ou espanhol por aqui -, mas o clichê tem toda a razão nesse momento: a linguagem do futebol é universal.

Isso tem ficado cada vez mais claro por esses dias aqui em Kiev. As pessoas encontram maneiras de se comunicar, trocam olhares e sorrisos apontando para os uniformes e revelando suas torcidas. Elas cantam juntas sem saber a letra, pulam junto com os braços para o alto mesmo sem entender o que está sendo dito – o “torcer”, afinal, é universal.

Foto: Getty

Uma vez me perguntaram o que torna o futebol um esporte tão amado e, por um tempo, eu não soube exatamente o que responder – ainda que, na prática, eu tenha essa resposta todos os dias. Entra ano, sai ano, e o futebol me ensina isso. Não importa se é Libertadores ou Champions League, se é Copa do Brasil ou Copa do Mundo, ele simplesmente conecta as pessoas.

Você fala com desconhecidos de qualquer lugar do mundo, em todas as línguas imagináveis, você abraça quem nunca viu, divide a cerveja, as lamentações, as alegrias e muitas vezes até o teto com quem acabou de conhecer pura e simplesmente pela paixão em comum. São incontáveis os amigos que fiz e as histórias que vivi por conta dele. Não é só futebol mesmo – nunca vai ser, nem em São Paulo, nem em Kiev – e, no que depender de mim, essa será a primeira coisa que meus filhos(as) vão aprender.

*Renata Mendonça está em Kiev a convite da Lay’s

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