A Globo divulgou recentemente mais duas mulheres para compor seu time de transmissões esportivas: a narradora Natália Lara e a comentarista de arbitragem Fernanda Colombo. Natural de Criciúma, Santa Catarina, a ex-árbitra tem sua estreia marcada para esta quarta-feira, 2, no jogo entre Grêmio x Brasiliense, às 16h30, pelo SporTV – a narradora estreou no último domingo, 30, em Ceará 3 x 2 Grêmio.
Com passagens por Band e Fox Sports, Fernanda trocou os gramados pelos microfones após decidir seguir carreira no jornalismo esportivo e, digamos, se decepcionar com a sua antiga profissão. Foram pouco mais de cinco anos atuando dentro de campo.
De uma família apaixonada por esportes, o contato com a arbitragem aconteceu de forma natural. Ainda na faculdade de Educação Física, quando já sabia que queria trabalhar com futebol, Fernanda recebeu o convite de seu então treinador de atletismo, Jolmerson de Carvalho, que também dava aulas na Federação Catarinense de Futebol, para ingressar no curso para árbitros.
“Eu achava que era um final de semana, e eram seis meses (risos). Me dediquei todos os finais de semana a isso. Vi na arbitragem uma oportunidade de estar no jogo. Me formei e comecei a atuar numa comunidade próxima a Florianópolis. A partir dali minha carreira deslanchou”, conta a ex-árbitra.
Fernanda classifica sua ascensão na profissão como “meteórica” e aponta um lado negativo deste processo. “Eu tinha um bom preparo físico, passava nos testes masculinos e de alguma forma isso prejudicou a minha carreira. Eu deveria ter tido mais experiência, tanto em grandes jogos como em campeonatos. Com 22 anos eu já tinha feito Série A (de Brasileiro), foi algo muito cedo, precipitado”, explica a catarinense.
A escolha da profissão foi consciente e teve o apoio dos seus pais. Porém, mesmo fazendo o que amava, Fernanda se deparou com uma realidade que até então era desconhecida por ela. “Com 18 ano0s, eu já era árbitra, queria conquistar cada vez mais degraus, chegar à FIFA e meus pais sempre me apoiaram muito, diziam: ‘Faça o que te faz feliz’. Mas, com o passar do tempo as coisas foram acontecendo e eu falei: ‘Não posso ficar só na arbitragem, ter isso para a minha vida, tenho que ter um trabalho que seja algo profissional, que eu consiga ter uma segurança’. Na arbitragem se você se machuca você não trabalha, não recebe, tem que arcar com seus exames. Infelizmente a não profissionalização faz com que o árbitro não tenha segurança financeira e isso pesou muito para mim”, aponta a catarinense.
Além de toda a falta de valorização para com os árbitros, Fernanda ainda tinha o agravante de ser mulher e chamar a atenção por sua beleza. Isso somado a um mundo completamente machista resultou em eventos que também a afastaram dos gramados.
“Quando você começa a fazer parte desse ambiente você realmente se depara com machismo, um ambiente bem complicado para a mulher. A gente se coloca a prova em vários momentos: ‘Será que eu tenho a competência para estar ali?’, o peso da cobrança acaba sendo maior”, diz a ex-árbitra. “Mas, não era porque as pessoas falavam isso ou aquilo que me fazia parar. Sempre continuei ouvindo meu coração, nunca deixei que a interferência externa tivesse espaço nas minhas decisões”, completa.
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O ano era 2014 e Fernanda foi auxiliar no clássico entre Atlético-MG e Cruzeiro. Após seu time perder por 2 a 1, o então dirigente celeste, Alexandre Mattos, criticou duramente a atuação da bandeira usando as seguintes palavras em uma entrevista: “Aí, a gente pega essa bandeira, bonitinha, que estava ali no canto. Os caras gritam no ouvido dela e como ela não tem preparo, levanta a bandeira, porque fica apavorada […] estão tentando promover ela porque ela é bonitinha e não é por aí. Ela tem que ser boa de serviço, profissional e competente. O erro dela foi muito, muito, muito anormal, coisa de quem está começando uma carreira. Se é bonitinha, que vá posar para a Playboy, não trabalhar com futebol”.
Imediatamente o nome de Fernanda estava em todos os debates esportivos. “Irritada” com a repercussão, a CBF agiu afastando a então assistente dos gramados por duas rodadas, e voltando a escalá-la somente em jogos da Série C e D do Brasileirão.
“Com certeza a gente fica decepcionada. Eu lidei de uma maneira que considero positiva. Não sei se a minha postura seria a mesma hoje porque é o processo de amadurecimento. Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida, brincalhona. Se eu tivesse lidado com mais seriedade poderia ser diferente porque foi algo que me machucou muito, machucou toda a minha família. Acho que hoje eu teria uma postura diferente em muita coisa do que eu tive antigamente, em relação a aceitar algumas brincadeirinhas ou brincar também para fugir da situação”, aponta Fernanda.
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“A exigência ao árbitro é muito grande. Você tem sua vida investigada, não pode ter problema com nada, precisa passar em todos os testes físicos, tem que estar sempre provando que você é uma pessoa honesta, dedicada. Você não pode errar e se você vai bem ninguém reconhece também. E por outro lado você não tem uma segurança – hoje em dia isso está mudando. A estrutura de arbitragem, infelizmente, desanima”, completa.
O episódio com Alexandre Mattos colaborou para Fernanda trocar a Federação Catarinense pela Pernambucana e recomeçar. “Eu me senti um pouco desamparada, tanto é que troquei de federação. Lá na Pernambucana consegui retomar minha carreira de uma forma muito positiva, fiz final de Pernambucano, fui assistente revelação… Toda essa questão de errar, repercutir, comentários negativos, você não se sente amparada, você sente: ‘Poxa, se acontece isso com o jogador ele tem todo o respaldo do clube’ e na arbitragem não tive isso”, explica a ex-assistente.
“Reclamar da decisão (do árbitro) é normal, o que não pode é achar que errou porque é mulher. As próprias entrevistas eram: ‘Você viu que era uma assistente que estava lá e errou?’. Ser uma mulher no processo era muito difícil, eu precisava realmente fazer transição de carreira. Eu já tinha dedicado muito tempo da minha vida à arbitragem, levava a arbitragem muito a sério e a arbitragem não me levava a sério”, conclui.
A transição de carreira incluiu um livro publicado ainda quando trabalhava em campo. O “Vamos jogar futebol”, da Editora Ciranda Cultural, ensina as regras do esporte de maneira fácil e descontraída. “Nos estádios eu ficava bem próxima dos torcedores e uma cena que me chamava bastante atenção eram as crianças xingando a arbitragem, repetindo o comportamento dos pais, dos torcedores e pensava: ‘É a primeira relação da criança com o futebol e ela já está aprendendo de maneira errada’. E pensei em como poderia mudar isso. Regra é uma coisa chata, então decidi escrever de uma maneira lúdica, didática, não só para criança, mas para quem não entende a regra. E aí o livro nasceu”, conta Colombo.
Os próximos passos também foram conscientes. Fernanda seguiu ligada à arbitragem, mas agora no papel de comentarista, em uma nova fase de vida que inclui o jornalismo esportivo. De longe, vibra com cada conquista de colegas da sua “antiga” classe. Recentemente, Edina Alves e Neuza Back fizeram história – mais uma vez – ao integrarem a primeira equipe 100% feminina a apitar uma Libertadores da América em 61 anos de torneio.
“É a sensação mais maravilhosa do mundo vê-las quebrando essas barreiras, esses recordes, é como se a gente estivesse lá com elas. A gente sabe a história, sabe tudo o que elas passaram para estarem lá. Muitas meninas pararam no meio do caminho, outras trocaram de profissão, é uma conquista de todas. É muito difícil e quando isso acontece a gente pensa: ‘Poxa, que bonito a mulher tendo oportunidades e não porque é mulher, e sim porque é competente e merece estar ali’. Agora que começou não para mais”, pontua Colombo.
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Agora de casa nova – Rede Globo –, Fernanda destaca a importância de se ter mais mulheres ocupando cargos considerados “masculinos”. “Quando a gente insere mais mulheres, gera uma normalidade, não mais espanto. Se tem mais de uma de nós isso deixa o ambiente mais normal, porque se tiver só uma chama muita atenção, as pessoas vão cobrar muito mais daquela mulher. É isso que as mulheres querem, essa igualdade, que seja normal, e não um: ‘Meu Deus, é uma mulher que está narrando/comentando’”, diz a ex-assistente.
Sobre o novo desafio, ela se apoia a tudo o que já viveu no mundo da arbitragem e conta com a parceria que vem de dentro de casa: o marido e também comentarista, Sandro Meira Ricci. “Lidar com críticas é um aprendizado constante, falar de arbitragem é um assunto muito delicado, uma parte do futebol que gera muita revolta, reclamações, mas hoje eu tenho uma maturidade muito maior para falar sobre isso, analisar, acredito que hoje eu seria uma árbitra muito melhor do que eu fui a uns anos atrás. Meu marido também exerce essa função e já é um assunto normal para nós, não vai ser nada diferente”, aponta a comentarista.
“Sei que é uma função que não agrada todo mundo, mas pode ter certeza que farei da melhor maneira possível”, finaliza.