Era outubro de 2018, final da Copa do Brasil entre Corinthians e Cruzeiro em Itaquera, quando encontrei Lívia Villas-Boas com uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça. Ela “destoava” naquele ambiente tão masculino. E foi em busca disso que fui atrás dela para conversar.
Não era tão comum, infelizmente, ver mulheres fotografando jogos de futebol. Ela concordou, contou que tinha uma agência e que buscava mais mulheres para trabalhar nela.
Três anos depois, a mesma Lívia nos manda uma mensagem anunciando sua nova agência fotográfica focada apenas no futebol feminino e contando somente com profissionais mulheres.
A ideia dela como fotógrafa sempre foi contar histórias por meio de boas imagens. Considerando que o futebol das mulheres tem tão poucos registros até hoje, faltava uma iniciativa assim para valorizar os feitos que elas colecionam nos gramados.
“No feminino, muitas vezes é o assessor que vai ali quebrar um galho tirando fotos. Só que a pessoa ali tá quebrando um galho, mas a atleta que está ali está dando a vida no jogo. Nosso trabalho existe para contar uma história. E aí quando o time for campeão, você vai ter contado essa história desde o início, como foram os jogos, a construção daquela conquista. Nosso objetivo é dar um retorno em boas imagens”, afirmou Lívia às Dibradoras.
“A ideia é oferecer um trabalho de qualidade com um olhar mais sensível, feminino, para o futebol.”
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Já são 25 fotógrafas cadastradas na “Staff Images Woman”, o braço exclusivamente feminino da agência “Staff Images”, também criada por Lívia lá em 2013, só que focada em um mercado que já estava consolidado: o do futebol masculino. Em oito anos, ela chegou a 10 países sul-americanos diferentes e agora pretende uma expansão até maior no mercado do futebol feminino, quem sabe chegando até a Europa.
O certo é que, na Libertadores feminina, que vai acontecer no Chile neste ano, a Staff Images Woman já tem trabalho garantido. A agência tem contrato com a Conmebol para a cobertura fotográfica do evento. Outro objetivo é conseguir fazer a cobertura de todos os jogos do Brasileiro feminino na primeira divisão.
‘Ela não vai aguentar’
Mas a história de Lívia com a fotografia esportiva começou como a de muitas mulheres que escolhem desbravar o universo do futebol – cheio de barreiras e de pessoas “desconfiadas” da sua capacidade.
“Como mulher nas agências, sempre foi mais difícil que me passassem trabalho em jogos. O pensamento era ‘ela é mulher, não vai aguentar ficar 5 horas de pé com equipamento’ e assim por diante. Ou então às vezes eu fazia o campeonato todo, mas o jogo mais importante eles davam para outro cara cobrir”, contou Lívia.
Entre os fatores que ainda afastam mulheres desse mercado, ela cita o investimento alto necessário para a fotografia de um evento esportivo (sem a garantia de oportunidade no mercado de trabalho) e também o ambiente muitas vezes nocivo que mina a confiança das fotógrafas. Ainda assim, desde que ela começou, em 2007, até hoje, já virou muito mais “comum” encontrar companheiras de trabalho nos jogos.
“Acho que muitas mulheres não sentem confiança no próprio trabalho porque sempre tem um homem ‘palestrinha’ para falar: faz isso ou faz daquela forma. Eu já trabalhei em agência em que o dono falava essas coisas, que eu não sabia fazer tal coisa, que eu nunca chegaria a lugar algum. Nunca me deixei abalar, mas tem gente que desiste”, relatou.
O início de sua carreira na área, inclusive, foi de puro oportunismo. Lívia trabalhava em um jornal que não enviava fotógrafos para jogos de futebol porque eles eram “muito tarde” e ninguém queria ir. Ela passou a fazer as coberturas usando seu carro depois do expediente e, deu tão certo, que a efetivaram na função.
Mesmo depois de anos trabalhando com isso, tinha uma dificuldade peculiar para Lívia. Quando havia a cobertura de pódios após finais de campeonatos, havia a famosa disputa por espaço para conseguir o melhor ângulo da foto. Ela não era tão grande, nem tão forte, então seria fácil para um homem empurrá-la para ‘roubar’ dela a melhor posição pra foto. Mas Lívia tinha uma tática.
“Os caras vinham com força maior para te tirar da foto. Eu usava a técnica do cotovelo aberto. Era a forma de me defender e conseguir ter a imagem. Eu tenho 1,60m então já acertava na costela de quem tentasse me tirar da posição”, contou ela, aos risos.
Oportunidade de mercado
Para evitar a instabilidade profissional dos fotógrafos esportivos (que dificilmente hoje em dia têm contratos mais fixos com agências), Lívia decidiu criar seu próprio negócio em 2013. Estudou o mercado, encontrou uma oportunidade boa e resolveu apostar nela.
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“Eu percebi que as competições não tinham fotos oficiais. A Libertadores não tinha fotógrafo trabalhando pra ela nos jogos, fornecendo imagens para patrocinadores, ou para compor o seu banco de imagens próprio até. Mesma coisa com a Copa do Brasil”, contou.
Foi assim que a fotógrafa identificou um nicho e passou a atuar nele. Com a Staff Images criada em 2013, ela passou a firmar contratos com estádios, competições e marcas para cobrir eventos esportivos (campeonatos de futebol masculino especialmente).
“Sempre fui curiosa, aí comecei a prestar atenção nas transmissões da Conmebol, e não tinha nada de divulgação, a Libertadores não tinha nada no site. E eu comecei desde 2017 a perturbá-los. Todo jogo que eu ia, dava um cartão para alguém da Conmebol e perturbava. Comecei a trocar emails e isso levou um ano. Em 2018 conseguimos fechar um contrato com eles pra providenciar um banco de imagens, que eles não tinham. Entregamos 85 mil imagens pra Conmebol. Isso tudo por causa de um cartão que eu entreguei em Chapecó para uma pessoa deles, na Recopa de 2017”.
Já são muitas temporadas trabalhando com a Copa do Brasil, a Libertadores, a Copa Sul-Americana, a Copa América, entre outros grandes eventos – até mesmo a Copa do Mundo, que cobriu em 2014 como agência oficial do Maracanã.
Oito anos depois, Lívia conseguiu tirar do papel a extensão dessa ideia. Uma agência focada no futebol feminino para trabalhar em competições, clubes e com atletas – sempre com mulheres fotografando mulheres.
Com isso, o objetivo de reunir mais mulheres na fotografia esportiva tem sido alcançado. Se na Staff Images o “casting” dos fotógrafos que fazem as coberturas dos jogos é composto por 50 pessoas, sendo apenas sete mulheres, o Staff Images Woman já tem 25 mulheres. A ideia é crescer ainda mais.
“A gente tem um mês de agência funcionando e já fechamos o primeiro contrato. Estamos com conversas com competições e patrocinadores, fomos muito bem recebidos no mercado. Gostaria de ter feito isso antes, mas não consegui. Mas já fizemos um ensaio legal com a Tamires (lateral do Corinthians e da seleção), fizemos o Media Day do Santos…tem mais coisas legais por vir”, finalizou.