Nem o mais otimista dos torcedores são-paulinos teria apostado que aquele São Paulo que lutou contra o rebaixamento em 2017 e que disputou o Paulista aos trancos e barrancos neste ano até a semifinal, estaria em 2018 pleiteando o título do Campeonato Brasileiro. Muito pelo contrário. No início do torneio, ainda em abril, a expectativa da torcida era pelo menos não passar pelo mesmo sufoco da última temporada. Quiçá uma classificação para a Libertadores.
Entre os “especialistas” em análises de futebol, ninguém colocava o São Paulo como favorito. Flamengo, Palmeiras, Cruzeiro, Grêmio, Corinthians, Atlético-MG, estavam todos à frente do Tricolor Paulista quando se pensava em título. E realmente não dava mesmo para pensar muito alto, tanto pelo rendimento do time do Morumbi em campo, quanto pelo elenco que ainda era bastante limitado de opções. O clube já havia virado até chacota entre os rivais, já que passou um tempo sem conseguir vencer clássicos.
Mas algumas mudanças cruciais aconteceram entre 2017 e 2018 que possibilitaram essa transformação nas perspectivas do clube na temporada, sendo as duas principais delas no cerne do departamento de futebol: a entrada de Raí como diretor e de Diego Aguirre como técnico.
Raí foi o responsável pela contratação de reforços pontuais para os setores em que o São Paulo era mais deficiente, e Aguirre foi quem trouxe a organização tática que o time não tinha e, principalmente, a raça que a equipe apresenta em campo, com muita entrega e intensidade durante os 90 minutos.
Mas quais foram os segredos do técnico uruguaio para transformar um time que tinha pouquíssimas expectativas no campeonato naquele que brigaria pelo título e assumiria a liderança na 17ª rodada? É isso que tentamos analisar abaixo:
1- Reforços cirúrgicos
O São Paulo começou o ano em crise com seus maiores reforços não dando resultado dentro de campo. Diego Souza, escalado como 9, quase não produzia, e acabou ficando na reserva para o limitado Tréllez assumir a posição. Valdívia chegou a embalar a torcida por um tempo, mas também não encaixou. E Marcos Guilherme, que já estava no time, era o jogador dedicado que trazia velocidade pelo lado, mas pouca objetividade para o gol.
O resultado disso era um time que ameaçava muito pouco os adversários, além de sofrer muito no setor defensivo pela desorganização em campo. A transição entre defesa e ataque quase inexistia.
A solução para isso veio com algumas contratações cirúrgicas que resolveram justamente o problema da pouca produtividade no setor ofensivo: primeiro, veio Everton, do Flamengo, e por último Rojas, um achado de Aguirre que encaixou perfeitamente nesse time. O ex-jogador do time carioca, inclusive, é quem mais participa dos gols tricolores – foram 10 participações diretas em 15 jogos do Brasileiro.
“A velocidade pelas pontas pra mim é o grande ponto forte do São Paulo. O Rojas, indicação do Aguirre, foi uma excelente contratação. Ele corre muito, tem mano a mano como principal característica. E o Everton também uma contratação pontual que encaixou perfeitamente no time, então os dois são o grande ponto forte. E acho que quando você está bem, as outras pessoas acabam crescendo ao seu lado. O Hudson vem fazendo uma excelente temporada, o Reinaldo também, e os zagueiros estão jogando muito bem”, avaliou Alinne Fanelli, há 3 anos setorista do São Paulo para o jornal Agora.
Mas ela ressalta que tudo isso começou com a entrada de Raí no departamento de futebol e destaca que esse foi um dos principais diferenciais para o clube mudar sua perspectiva no campeonato.
“Na virada do ano, o São Paulo manteve uma base e colocou o que foi essencial para o trabalho do departamento de futebol até agora que foi o Raí como diretor executivo. Raí é um cara de campo, que jogou, conhece vestiário e ele está fazendo um ótimo trabalho. O São Paulo fez contratações pontuais, entendendo as necessidades do elenco e assim conseguiu construir aos poucos um time”, observou.
2- Organização e eficiência tática
Ao analisar o estilo de jogo do São Paulo hoje, é comum vermos jornalistas pontuarem a falta da posse de bola em campo e caracterizarem a estratégia de Aguirre como “defensiva”. Na tradução da linguagem do futebol, seria um time que “joga feio”, apostando mais em contra-ataques do que em propor um jogo mais ofensivo o tempo todo.
Isso é, em partes, verdade. O São Paulo realmente costuma ter menos posse de bola e propõe menos o jogo. Mas essa é a melhor estratégia que Aguirre adotou considerando as peças que tem. E o mérito dele foi conseguir fazer com que essa ideia de jogo fosse extremamente eficiente – foi o que levou, afinal, o time à liderança do campeonato.
“Eu não vejo isso como demérito (jogar no contra-ataque). Acho que o importante é ganhar a partida. Se você ganha tendo menos posse de bola, mas sendo mais objetivo, eu não consigo ver isso como ponto negativo, pelo contrário, eu acho que isso é uma estratégia de jogo que você pode adotar”, analisou Alinne.
“Eu vejo muito mais como ponto positivo de um time que vem numa reconstrução e num crescimento grande. O time tem que se adaptar aos jogos e dificuldades. Mas é claro que agora precisa melhorar quanto a não deixar esse rendimento cair e recuar muito e deixar o adversário gostar do jogo quando pode matar, como aconteceu contra o Grêmio e contra o Vasco”.
O time comandado por Dorival Júnior no início do ano deixava muitos espaços e parecia cultivar um buraco no meio-campo, sem qualquer transição entre defesa e ataque. Ao perceber isso em sua chegada, a primeira coisa que Aguirre se propôs a arrumar foi o sistema defensivo, para conseguir um time mais consistente.
“Pra arrumar essa defesa foi isso: ele queria todo mundo marcando, tanto é que hoje os pontas, Everton e Rojas, são sempre os mais desgastados, porque eles voltam muito pra marcar, o time todo se dedica muito. E é importante notar que a maneira de jogar permanece, mesmo quando troca alguns jogadores, porque cada um que entra sabe o que tem que fazer”, afirmou Alinne.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na partida contra o Cruzeiro, quando o São Paulo não pode contar com Militão, Hudson e Arboleda. Entraram Araruna na lateral, Bruno Alves na zaga, o jovem Luan no meio-campo, e a eficiência do jogo continuou a mesma. Aliás, vale ressaltar a inclusão de jogadores da base neste elenco que têm correspondido muito bem em campo: Liziero, por exemplo, em janeiro disputava a final da Copa São Paulo e agora já assume a titularidade em diversas partidas – e o protagonismo na transição entre defesa e ataque. Ele até fez com que o torcedor sentisse menos a ausência do machucado Jucilei. É um excelente reforço que veio de Cotia, assim como o próprio Luan que subiu agora, além do atacante Brenner, e do lateral Araruna que já compunham o time principal em 2017.
Nessa estratégia de jogo, o São Paulo muitas vezes chega menos que o adversário, mas costuma aproveitar bem as chances que tem – contra o time mineiro, foram 8 finalizações, quatro no alvo, duas que terminaram em gol.
O que se destaca, porém, é a queda de rendimento do São Paulo em algumas partidas quando sai na frente no placar. Abrir mão do jogo completamente é dar muita chance ao perigo – como aconteceu na virada sofrida para o Grêmio em Porto Alegre e como poderia ter acontecido neste domingo, no Morumbi, quando o Vasco teve boas chances de ficar na frente no segundo tempo.
3- Espírito de entrega
A primeira mudança nítida que Aguirre conseguiu no São Paulo foi a postura do time em campo – de início, menos taticamente e mais psicologicamente. O time de Dorival Júnior estava se apresentando de maneira apática e não tinha qualquer poder de reação. Com o uruguaio, já na semifinal contra o Corinthians, foi possível ver uma equipe que entregou tudo dentro de campo, apesar da derrota que acabou vindo nos acréscimos e a eliminação que veio nos pênaltis.
“Você não vê mais um São Paulo apático, que não mostra vontade de ganhar. A gente pode ver um jogo ruim, como a gente viu contra o Grêmio, Vasco, mas o São Paulo não está deixando de ter vontade de ganhar. Isso foi muito importante da chegada do Aguirre. Ele falou para os jogadores no vestiário: eu quero gana, intensidade, disso eu não abro mão”, contou a setorista.
Não foram poucas as partidas em que jogadores do São Paulo terminaram deitados no campo, com cãimbras e sentindo a dor da entrega que tiveram nos 90 minutos. É claro que só raça não ganha campeonato, mas no caso do time comandado por Aguirre, ela tem sido aliada a um sistema eficiente de jogo.
“É um campeonato longo, pode ser que o São Paulo perca a liderança, troque de posições com outros times, a queda de rendimento acontece e é normal também, especialmente quando há maratona de jogos”, pontuou Alinne.
“Acho que o elenco ainda pode ter alguns reforços que a diretoria ainda está buscando, mais dois jogadores podem chegar. Mas quando você não ganha na técnica, é possível ganhar na raça, então tem que manter esse espírito de luta e intensidade”.