O Irã entra em campo pela primeira vez nesta Copa do Mundo nesta sexta-feira, às 12h (horário de Brasília) para enfrentar o Marrocos. Não dá para saber ainda qual será o resultado desse jogo, mas uma coisa é certa: independente do que acontecer nas quatro linhas, o país sairá derrotado.
Porque se o Irã fosse campeão do mundo lá em 15 de julho (probabilidade zero de isso acontecer, diga-se), metade da sua população não poderia comemorar o título. Segundo dados oficiais de 2016, 49,69% do povo que vive no país é formado por mulheres e, mesmo em 2018, o futebol ainda é algo proibido para elas.
Pela lei iraniana, mulheres não podem entrar em um estádio para ver um jogo masculino – e, para burlar o sistema, algumas delas chegam a se vestir de homens para passar despercebidas. Além disso, elas não podem ver jogos em público tranquilamente ao lado de homens, não podem celebrar uma vitória nas ruas, não podem, afinal, viver o futebol em sua essência.
Para tornar a exclusão ainda mais explícita, o governo iraniano chegou a colocar um outdoor na capital Terã, para chamar a população para celebrar a Copa. Na imagem, absolutamente nenhuma mulher aparece torcendo.
O jornal local Qanun repercutiu o caso: “Nós perdemos sem as mulheres”, afirmava ao publicar em sua página a foto em que figuram apenas homens de diversas etnias.
Nas redes sociais, a repercussão cresceu ao longo do dia. “Nós, mulheres, não temos direito de compartilhar a alegria do nosso país”, afirmou uma torcedora pelo Twitter. O caso chamou tanto a atenção, que a prefeitura da capital decidiu substituir o outdoor por outro que contenha a presença feminina.
Mas independente disso, o Irã segue figurando na lanterna da desigualdade de gênero entre os países que disputarão a Copa do Mundo. Lá só 6% do Parlamento é formado por mulheres, que representam também menos de 20% da força de trabalho iraniana. O futebol é um reflexo dessa realidade: desde a revolução no fim da década de 1970, as iranianas foram proibidas de frequentar estádios.
Jornalista iraniana apaixonada por futebol, que hoje vive nos Estados Unidos, Yeganeh Rezaian contou ao Washington Post sua experiência acompanhando Copas do Mundo no país que praticamente proíbe mulheres de acompanhá-las.
“Comecei a ver futebol com meu pai quando eu tinha 5 anos de idade em Terã. Minha primeira lembrança mais forte é a Copa do Mundo de 1994, quando eu tinha 10 anos. Uma Copa sediada nos Estados Unidos. O Irã não estava jogando o Mundial naquele ano. Mas naquele tempo, a TV estatal não tinha a tecnologia sofisticada de hoje para censurar mulheres que não usam hijab na torcida. Nós pudemos ver a realidade na América”, contou.
Sim, é isso mesmo que você leu: hoje em dia, a TV que transmite a Copa para iranianos tem uma tecnologia que consegue censurar/não mostrar mulheres que estão com os cabelos à mostra na arquibancada, ou seja, que não seguem a cultura muçulmana de cobrir a cabeça com um véu. Como se as mulheres iranianas nãos soubessem que, sim, existe vida além do véu em outros países.
Segundo Rezaian, as restrições mais rígidas ou mais brandas às torcedoras no Irã dependem um pouco da popularidade do regime. Em 1998, por exemplo, quando o Irã venceu os Estados Unidos na Copa por 2 a 1, o governo chegou a permitir que mulheres e homens celebrassem a vitória nas ruas sem reprimi-las por isso.
Mas em 2014, a polícia anunciou antes mesmo do Mundial começar que a população não poderia ir às ruas para celebrar qualquer resultado. Bares e parques tiveram que cancelar as transmissões públicas dos jogos de última hora. Só que Rezaian acabou achando seu jeito de ver o jogo com as amigas – foram todas a um café na capital que optou por transmitir o jogo meio “escondido” para não abrir mão do lucro que só uma Copa do Mundo poderia trazer.
“O primeiro tempo foi tranquilo. Mas nos últimos 20 minutos de jogo, o dono deixou a TV no mute e trancou a porta do café. Assistimos ao resto da aprtida nervosas, sem poder escutar nada, no escuro, preocupadas se poderíamos ser presas apenas pela atitude de apoiar publicamente nossa seleção”, relata.
Não dá mais para em pleno 2018 um país proibir suas mulheres de viverem o futebol livremente. Por essas e outras, o placar do Irã contra o Marrocos ou em toda esta Copa importa pouco diante do descaso que as autoridades locais têm com metade da sua população, que sequer pode assistir às partidas publicamente sem medo de serem repreendidas, multadas ou até mesmo presas.
“Em 2026, quando os Estados Unidos sediarem a Copa, se nossa seleção se classificar, as iranianas-americanas poderão ir ao estádio para torcerem por nossa seleção e para mostrarem para o mundo e especialmente para os líderes iranianos que torcer é para todo mundo”, finalizou Rezaian.