Os planos de sócio-torcedor nos clubes ainda são uma novidade recente no futebol brasileiro. Até pouco tempo atrás, não havia essa modalidade de “sociedade” ou contribuição financeira para os times. Na Europa, eles são muito comuns e é quase impossível conseguir ingresso para um jogo de um campeonato se você não for associado ao clube mandante.
É preciso ponderar isso antes de tudo e ressaltar que só nos últimos anos é que os times daqui passaram a entender a importância do plano de sócio-torcedor e reformular as ofertas para conseguirem atrair mais gente.
No entanto, assim como já é “ignorado” na estratégia para vender produtos, o público feminino é também esquecido na lógica dos planos de sócio-torcedor.
Quando começamos a fazer esse levantamento do número de sócias-torcedoras nos times da Série A do Brasileiro, já imaginávamos que o resultado seria mais ou menos esse que encontramos: a maioria dos clubes não passando da marca de 15 ou 20%.
Mas algumas coisas no processo espantaram. Começando pelo fato de que boa parte dos times não tinha qualquer conhecimento/noção sobre esses dados. Isso muitas vezes dentro do próprio departamento de marketing. Ou seja, o clube não sabia quem eram seus clientes, em que porcentagem se dividiam entre homens e mulheres ou outros detalhes básicos.
Aí quando puxavam o dado no sistema, muitos se surpreendiam. Foi o caso da líder do ranking, Chapecoense, por exemplo. Quando percebeu que quase 40% dos torcedores associados eram mulheres, as representantes do próprio clube ficaram impressionadas. A gerente de marketing, Juliana Sá Zonta, disse que até tinha a percepção de que eles tinham muitas mulheres como torcedoras, mas não imaginava que a proporção seria tão parecida.
Aliás, talvez o resultado da Chape comece a se explicar aí: Juliana tem um cargo importante na gestão do marketing do clube e é uma mulher. Há outras duas no departamento, Cissa e Ale.
“Quando entrei, o diretor de marketing tinha saído, então rolou uma certa desconfiança. Mas na medida que a gente foi mostrando resultados, a gente ganhou mais espaço para trabalhar”, relatou ela às dibradoras.
Uma das ações do marketing da Chape no ano passado foi colocar uma índiazinha para ser mascoste ao lado do índiozinho Condá. A ideia era que ela pudesse representar as mulheres torcedoras da Chapecoense, que são bem presentes no estádio em todos os jogos – quem já foi à Arena, já pode notar que os jogos têm uma proporção bem parecida entre homens e mulheres na torcida, já que o futebol ali é cultura de família e leva todo mundo para a arquibancada.
“Adriana, a mãe da Maria Valentina (que é a indiazinha) é nossa conselheira. Ela veio falar que já tinha conversado com o Sandro, que era presidente e morreu no acidente, e ele já tinha autorizado a filha a entrar como mascote. Ela explicou que seria uma boa pra representar a mulher como torcedora também.Houve algumas reações contrárias, mas nós mantivemos, porque é importante ter esse símbolo representando as torcedoras”, refletiu Juliana.
É verdade que a Chape conseguiu um aumento significativo no número de sócios após o acidente, mas segundo a gerente de marketing, mesmo antes da tragédia o clube já contava com uma grande quantidade de mulheres entre os associados.
Entre os grandes, Flamengo e São Paulo se destacam na lanterna
Pegando somente o grupo dos chamados 12 grandes, os piores desempenhos estão entre Flamengo e São Paulo, que não ultrapassam a marca dos 10% de sócias-torcedoras. O time carioca, que conta com a maior torcida do país – e que é a maior também entre as mulheres, com 14 milhões delas declarando amor pelo Flamengo, segundo pesquisa da Pluri Consultoria de 2012 -, não tem conseguido atingir o público feminino quando o assunto é o plano de sócio-torcedor.
A violência que ainda afasta as mulheres do estádio é um fator importante a ser considerado aí.
No caso do São Paulo, o clube também sofreu grandes críticas da torcida feminina pela falta de uniformes disponíveis nos tamanhos delas – como o “Movimento São-Paulinas Uniformizadas” no ano passado. Neste ano, o time acabou atendendo a um desejo das mulheres e criando uma ouvidoria para elas, conforme foi anunciado no último dia 8 de março por meio de um manifesto.
Enquanto isso, Corinthians, Santos, Cruzeiro e Inter seguem ali beirando os 20% entre as sócias.
Faltam mulheres nos cargos de decisão
Um dos problemas que fatalmente se reflete na falta de sócias-torcedoras é justamente a ausência de mulheres nos cargos de decisão dentro dos clubes. Os uniformes no modelo feminino são muitas vezes ignorados porque não há ninguém ali na gestão que possa relatas como é a experiência de ir comprar uma camiseta e não encontrar uma que lhe sirva. O caso da Chapecoense mostra a importância disso.
“Nós tivemos uma reunião com a Umbro em 2016 e nós falamos: precisamos de uma linha feminina porque a procura feminina é muito grande. Claro que eles precisam ter o cuidado de se o produto vai vender ou não, mas as nossas lojas oficiais sempre têm uma venda muito boa no feminino”, explicou Juliana.
“Nosso patrocinador às vezes não consegue fazer o vestido, mas nos licenciados nós temos tudo, blusinha, vestido, tudo. Quando você vê um homem na loja, ele compra a camisa dele e só. A mulher costuma comprar a camisa, aí vê uma caneca, um presente pro filho, etc”, esclareceu, reforçando a importância de pensar nesse público na hora de fazer os produtos.
O Vitória, pior colocado entre os times do ranking, também está pensando em novas ações que possam atrair mais mulheres para o clube.
“A gente tem empresas parceiras e estamos dando uma olhada nos contratos e estamos vendo o que tinha sido feito. Queremos dar um direcionamento melhor para as sócias. Queremos formar parcerias que sejam interessantes para as mulheres, e estamos fazendo um levantamento das que já existem para ver o que podemos manter e melhorar, afirmou Marcelo Behrens, diretor do “Sou Mais Vitória”, clube de sócios torcedores do Vitória.
Na semana do 8 de março, vimos as ações de Dia da Mulher pipocarem pelos clubes que usam a data para ‘lembrar’ que têm torcedoras – esperamos que em 2018 seja diferente e que essas ações sigam além dessa data. Só por esse ranking, já é possível perceber que há muitas mulheres que poderiam ser associadas dos clubes – e não o são por algum motivo. Uma estratégia bem pensada aqui pode ser a mudança que esse jogo precisa.
*Colaborou Juliana Lisboa