A melhor novidade do São Paulo em 2018 não foi nem a contratação de Éverton, muito menos a chegada de Diego Souza. A melhor novidade do clube do Morumbi neste ano, inclusive, vai muito além dos gramados e se chama: O SPFC se importa.
Esse é o braço de responsabilidade social que está mudando a forma do São Paulo enxergar seu torcedor e sua função, que é muito maior do que o futebol apresentado dentro das quatro linhas. A primeira ação do departamento foi o manifesto lançado no Dia da Mulher, 8 de março deste ano, anunciando que o clube iniciaria um canal aberto de comunicação com as torcedoras com o intuito de acolhê-las melhor nesse espaço tão hostil que o futebol ainda é para elas. Depois, houve um outro manifesto em 21 de março, no Dia Internacional da Síndrome de Down. Mas o melhor de tudo é saber que as ações estão continuando e não pararam apenas nas datas comemorativas.
Agora, a novidade do São Paulo é uma parceria com o Justiça de Saia, um projeto encabeçado pela promotora Gabriela Manssur, que faz parte do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo.
A primeira ação dessa parceria acontecerá mensalmente já a partir de maio, quando o São Paulo cederá o estádio do Morumbi para acolher mulheres vítimas de violência – a ideia é que a equipe da promotora possa dar auxílio jurídico e também psicológico a essas vítimas, que muitas vezes encontram dificuldades para denunciar os crimes que sofrem.
A novidade foi divulgada na segunda reunião promovida pelo São Paulo com torcedoras acompanhada com exclusividade pelas dibradoras. O encontro aconteceu em um dos camarotes do Morumbi antes da partida contra o Atlético-MG no último sábado e teve representantes de todas as idades – desde jovens adolescentes até senhoras (incluindo uma de 83 anos, fanática pelo São Paulo).
A parceria com a promotora Gabriela Manssur vem ao encontro do compromisso que o São Paulo fez em um dos itens daquele manifesto no 8 de março: “Abriremos conversas com grupos de apoio voluntário a mulheres vítimas de violência, com a intenção não só de trazer a discussão para dentro do clube, mas também envolvê-lo no acompanhamento de casos relacionados.”
Agora, todo mês (o dia da semana ainda está sendo definido, mas deverá ser às terças-feiras ou sextas), mulheres vítimas de violência – independente do clube para o qual torcem – poderão encontrar no Morumbi um lugar seguro para buscarem ajuda. As interessadas poderão se inscrever (o Justiça de Saia deve em breve divulgar como) e serão, a princípio, 50 vagas abertas a elas.
Além disso, o São Paulo também fará parte do projeto “Tem Saída” organizado pela mesma promotora Gabriela Manssur com o intuito de ajudar as mulheres vítimas de violência a se (re)inserirem no mercado de trabalho. Um dos motivos que ainda faz a mulher não denunciar e/ou conviver com a violência doméstica é o fato de muitas vezes ela depender financeiramente do marido. A ideia com o projeto é estabelecer parcerias com empresas que se proponham a contratar essas mulheres dando uma oportunidade de elas saírem desse contexto de violência.
“O Projeto TEM SAÍDA pretende que as vítimas de violência doméstica que cheguem ao Ministério Público e Poder Judiciário (Varas Especializadas em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) seja por boletim de ocorrência, pedido de medidas protetivas ou na própria audiência, sejam encaminhadas diretamente, por ofício, para empresas previamente cadastradas na Prefeitura e Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo como participantes e colcaboradoras do projeto, para possibilidade de contratação e inserção dessas mulheres no mercado de trabalho. Essas empresas serão consideradas ‘EMPRESA AMIGA DA MULHER'”, diz o projeto.
Sendo assim, o São Paulo também se propõe a priorizar a contratação dessas mulheres para o quadro social do clube.
A violência contra a mulher é um fato alarmante e urgente no Brasil. Alguns dados:
- A cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física (dados do Instituto Maria da Penha)
- 53% das mulheres vítimas de violência não denunciam
- Uma em cada três brasileiras acima de 16 anos é vítima de violência e 40% delas já sofreram algum tipo de assédio em ambientes públicos (dados do Datafolha de 2017)
- E a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Portanto é mais do que necessário falar sobre isso e pensar sobre isso em todos os lugares – inclusive no futebol. A pesquisa que o próprio São Paulo fez antes de lançar o manifesto mostrava que 59% das torcedoras disseram já terem sofrido algum tipo de assédio em dias de jogos e 74% não se sentem seguras para irem sozinhas ao estádio. Estava mais do que na hora de alguém se importar com isso – e que bom que agora o São Paulo se importa.
Essas não são as únicas ações que o clube está planejando no sentido de oferecer um ambiente mais acolhedor para as mulheres. Há um canal de ouvidoria para as são-paulinas fazerem suas reclamações ou sugestões – saopaulinas@saopaulofc.net – e há também uma parceria com o FemiTaxi para permitir a elas chegarem em segurança ao Morumbi em dias de jogos. Além disso, há outros planos em andamento que deverão ser anunciados ainda em 2018.
Torcedoras reclamam de assédio e uniformes
Na reunião, estavam presentes cerca de 20 torcedoras – o critério para escolhê-las foi principalmente frequência no Morumbi (foram chamadas algumas das sócias-torcedoras que mais vão ao estádio para jogos), mas houve também convites para quem entrou em contato pelo email (saopaulinas@saopaulofc.net) e outros para torcedoras mais idosas ou aquelas que frequentam o estádio com filhos. A ideia é ter todo tipo de perfil de torcedora para poder ouvir todo o tipo de experiência que elas passam no Morumbi.
A principal reclamação delas é o assédio. Praticamente todas tinham um caso desses para contar. A maioria acontece ou no entorno do estádio ou na fila da entrada. A revista feminina fica depois da masculina, então quando as torcedoras tentam passar entre os homens para chegarem até as policiais, tudo acontece. “Já passaram a mão em todas as partes do meu corpo nessa situação”, reclamou uma são-paulina. Outra contou sobre casos de discussão e violência que sofreu com torcedores também nesse momento porque eles entendiam que ela, com a filha de sete anos do lado, estava tentando “levar vantagem” ao passar pela fila.
A sugestão das torcedoras é que se faça uma fila separada para a revista de mulheres para evitar as discussões, o assédio e a violência contra elas no acesso ao estádio.
Outra crítica comum a todas é quanto aos uniformes disponibilizados para as torcedoras. “É muito revoltante entrar no site e ver as opções disponíveis para os homens, que são tipo 300, e as disponíveis para as mulheres, que não passam de 10”, comentou uma delas.
As são-paulinas pedem que as camisas comemorativas feitas para os ídolos sejam também feitas no modelo feminino e que a de goleiro também seja disponibilizada no tamanho delas. “O maior ídolo do meu time é o Rogério (Ceni), que é goleiro, e eu tive que comprar a camisa dele no tamanho infantil”, relatou uma torcedora presente.
Acabada a reunião, as torcedoras puderam acompanhar o jogo contra o Atlético-MG juntas no camarote do sócio-torcedor.
É verdade que, em campo, o São Paulo não tem dado muitos motivos para a torcida comemorar. Mas fora dele, o clube tem mostrado que sua grandeza vai muito além do que acontece dentro do gramado.