A CBF anunciou na noite desta terça-feira a saída do coordenador de seleções femininas, Marco Aurélio Cunha, do cargo “em comum acordo”. Com intenção declarada de disputar a eleição para presidência do São Paulo, Mac, como é conhecido, se retirou da CBF já com foco na sua candidatura ao clube do coração. O dirigente, que havia assumido a função em 2015, sai após cinco anos de alguns acertos, algumas polêmicas e muitos questionamentos.
Relembramos aqui os pontos positivos e negativos da sua gestão e, principalmente, por que ele não era mais o nome certo para ocupar uma função tão importante para o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil.
Faltou conhecimento de futebol feminino
Marco Aurélio Cunha foi convidado para o cargo de Coordenador de Seleções Femininas na CBF ainda pelo ex-presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, em maio de 2015, às vésperas da Copa do Mundo do Canadá. Um nome forte da cartolagem, ele traria experiência de décadas de trabalho no futebol masculino, mas nenhum conhecimento específico sobre o feminino – que tem desafios distintos, principalmente no desenvolvimento da modalidade.
Até aí, isso não precisaria ser um problema. Cargos da CBF exigem uma “habilidade política” e a presença de um personagem conhecido e já experiente com isso poderia ser benéfico – desde que ele se cercasse de gente do futebol feminino e se propusesse a ouvir os questionamentos dessas pessoas para determinar a melhor estratégia para a modalidade.
Nas duas vezes em que se criaram comitês com ex-jogadoras, jornalistas e especialistas no futebol feminino para elaborar um plano de ação, nada de concreto foi colocado em prática. Isso aconteceu em março de 2016 e depois em outubro de 2017.
A visibilidade que Marco Aurélio trouxe para a modalidade apenas com o seu nome ali – que fez com que o futebol feminino muitas vezes virasse notícia na grande mídia – foi um ponto positivo no início, mas a falta de conhecimento dele sobre os desafios a serem enfrentados ficou marcada em algumas entrevistas ao longo do seu trabalho.
A começar pela mais polêmica (e machista) delas. Durante a Copa do Mundo do Canadá em 2015, Mac deu uma entrevista para o jornal canadense The Globe and Mail falando sobre como as jogadoras estavam ficando “mais bonitas e elegantes” – como se o objetivo de uma seleção brasileira de futebol fosse a beleza, e não os gols.
“Agora, as mulheres estão ficando mais bonitas, usando maquiagem. Elas vão a campo elegantes. O futebol feminino costumava copiar o masculino. Até mesmo o modelo das camisas eram mais masculinizados. Costumávamos vestir as mulheres como homens. Então, faltava ao time o espírito de elegância e feminilidade. Agora, os shorts são um pouco mais curtos, e o estilo dos cabelos mais cuidadosos. Não são mais mulheres vestidas como homens”.
Em outubro de 2017, em entrevista às dibradoras, Marco disse que “não existia mais preconceito” com o futebol feminino e comparou o machismo que já proibiu as mulheres por lei de jogarem futebol (e até hoje cria barreiras para elas nos gramados) a ofensas sobre sua altura.
“O preconceito está na cabeça de cada um. Quando alguém me chama de baixinho e fala isso de forma ofensiva, se eu achar que é ofensa, vou me sentir ofendido. A ofensa está em quem recebe a ofensa. O preconceito está em quem imagina-se preconceituado”, afirmou.
Decisões técnicas injustificáveis
Ao longo dos cinco anos em que Marco Aurélio Cunha esteve no cargo, a seleção feminina principal teve três técnicos (Vadão, Emily, Vadão novamente e Pia) e mudanças bastante questionadas. Após a queda nas oitavas de final da Copa do Mundo de 2015 e eliminação na semifinal da Rio-2016 (com a perda do bronze para o Canadá), Vadão foi demitido, e a CBF anunciou a contratação da primeira mulher a comandar uma seleção brasileira de futebol, Emily Lima. Dez meses depois e, sem ter disputado nenhuma competição oficial, com 56% de aproveitamento, ela foi demitida. A opção foi pelo retorno de Vadão ao cargo.
Houve um movimento grande das jogadoras que pediram a permanência da treinadora, mas não foram ouvidas nem pelo coordenador, nem pelo presidente da CBF. O que realmente mais chocou da decisão foi a volta de um treinador que, há menos de um ano, havia sido demitido do mesmo cargo. O novo período de Vadão no cargo foi mais conturbado e os resultados não vieram – até abril de 2019, o técnico somou a dolorosa sequência de nove derrotas consecutivas. Ainda assim, ele foi mantido e se tornou o único treinador a comandar a seleção feminina em dois Mundiais – na França, a queda também aconteceu nas oitavas de final, depois da suada classificação em terceiro lugar na primeira fase.
Após a Copa, a CBF passou a ser bastante pressionada pela demissão de Vadão e pela escolha de um nome mais forte para o comando da seleção feminina. Foi aí que Mac saiu um pouco de cena. No anúncio da bicampeã olímpica Pia Sundhage para o cargo, ele não apareceu no palco, e ficou de escanteio enquanto o presidente da CBF, Rogério Caboclo, dava as boas-vindas a ela.
Outra decisão técnica bastante questionada do coordenador foi a que ele não tomou. As seleções femininas sub-17 e sub-20 ficaram quase um ano sem técnico e sem nenhuma convocação (de outubro de 2018 a agosto de 2019). Seria responsabilidade dele formar as novas comissões – depois das demissões dos antigos treinadores – e zelar também pelas seleções de base que, por quase um ano, ficaram sem atividade.
Melhor estrutura, mas ainda pouco desenvolvimento
A seleção feminina não costumava ter acesso à melhor estrutura de treinamento da Granja Comary e nunca era “prioridade” no calendário do centro de treinamento – isso significa que, quando qualquer seleção masculina chegasse ao local (inclusive as de base), eram elas que tinham que sair ou usar os campos auxiliares. Agora, elas têm o mesmo acesso que a seleção principal dos homens no local. Além disso, o planejamento da CBF para as competições costumava ter viagens em cima da hora, sem qualquer aclimatação. Na Copa de 2015, o Brasil chegou ao Canadá quatro dias antes da estreia – na França, a seleção viajou quase 20 dias antes do primeiro jogo, passou dez dias de aclimatação em Portugal e teve uma preparação física mais intensa já no fuso-horário da competição.
Houve também a seleção permanente em 2016, que garantiu um condicionamento físico muito bom para as jogadoras (que eram “contratadas” da seleção e não atuavam em nenhum outro clube) e projetou as atletas para equipes do exterior. Mas esse é um projeto que não desenvolve a modalidade como um todo no país – se você mantém jogadoras contratadas pela CBF, como vai desenvolver o futebol feminino nos clubes e melhorar as competições nacionais?
Ainda assim, apesar das melhorias da seleção principal, houve poucas ações para planejar o desenvolvimento efetivo da modalidade no país. Seria essencial, por exemplo, a criação de um departamento de futebol feminino que pudesse elaborar um plano estratégico em todas as frentes – competições, clubes, base e seleções – para garantir uma evolução contínua e alinhada. A presença de pessoas envolvidas com a modalidade há mais tempo era essencial para isso, mas até hoje a gestão do futebol feminino na CBF é feita majoritariamente por quem não tem experiência nele (exceção feita a Romeu Castro, coordenador de competições femininas).
Perspectivas pós-Mac
Essa não é a primeira vez que Marco Aurélio Cunha deixa seu cargo de coordenador das seleções femininas pelo São Paulo. Entre setembro de 2016 a janeiro de 2017, o dirigente tirou uma licença da CBF para ser diretor executivo no clube do Morumbi. A prioridade do cartola parece ser realmente voltar ao time do coração, onde até hoje é bastante adorado por muitos torcedores.
Ele deixa o cargo na entidade depois de atingido um objetivo do qual sempre falou desde que assumiu a função: recolocar o futebol feminino na TV. No ano passado, a Band fechou acordo com a CBF para transmitir o Brasileiro feminino todos os domingos.
Agora, o substituto de Marco Aurélio deverá ser mais uma mudança histórica na confederação, que está determinada a trazer uma mulher para a função. Será a primeira representante feminina a assumir o cargo. O nome mais forte é o de Aline Pellegrino, ex-capitã da seleção feminina e atual diretora de futebol feminino da FPF (onde trabalha na gestão da modalidade desde 2016).