O milagre Gabi Nunes é coisa de cinema

Autora do único gol que deu ao Brasil a vitória sobre a Nigéria na estreia pela Olimpíada de Paris, Gabi Nunes até tentou segurar a emoção, mas nas primeiras palavras após a partida abriu o jogo: “Eu sou um milagre. Quem sabe minha história sabe o quanto eu quis estar aqui vivendo esse momento”.

O milagre ao qual Gabi se refere é de ordem médica. A jogadora do Levante Unión Deportiva, da Espanha, enfrentou por três vezes a lesão mais temida no futebol: o rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho (LCA).

A primeira vez foi em 2017, quando Gabi se machucou em partida pela seleção brasileira contra os Estados Unidos. Sete meses depois, retornou aos gramados. Mas amargou no início do ano seguinte nova lesão no mesmo joelho, o esquerdo. Em 2019, nova ruptura de LCA, dessa vez, no joelho direito.

Foi com paciência, resiliência e foco que Gabi Nunes conseguiu chegar onde chegou: estreando numa edição de Jogos Olímpicos aos 27 anos e absolutamente decisiva para a partida.

“Na minha cabeça tá passando muita coisa. Minha família meus amigos… Foi muita oração para eu estar aqui. Agradeço todos, comissão técnica, médicos, principalmente essa equipe maravilhosa”, falou às dibradoras após a estreia.

Gabi Nunes e Marta comemoram após o gol (Foto: Rafael Ribeiro/ CBF)

Para deixar o momento ainda mais especial, o gol de Gabi teve assistência de Marta: a atacante nunca escondeu que a rainha do futebol mundial era uma de suas principais referências no esporte. Foi aos 12 anos, depois de vê-la ao vivo num jogo do Santos, ao lado de Cristiane, que teve certeza que se tornaria atleta.

Anos depois, o caminho uniria as duas. Em 2016, quando Gabi tinha 19 anos, foi vice-artilheira do Mundial Sub-20, e foi das mãos da Rainha que recebeu a chuteira de prata. O prêmio foi entregue quando jogaram juntas na seleção principal durante o Torneio Internacional de Manaus. Apesar dos contratempos por lesões, as duas construíram uma relação de muita troca e entrosamento, que se intensificou no último ano.

“A gente conversou muito dentro de campo, desde os treinamentos sempre juntas, conversando, falando. Marta é a Marta. Tem uma visão incrível, mandou um passe maravilhoso para mim…. (o gol) é metade dela, metade meu”, completou aos risos.

História de cinema
Mas tem outro milagre que Gabi Nunes viveu, ou melhor, vive. Graças a ela, o pai e o irmão conseguiram realizar o sonho de viver profissionalmente do futebol e defender a seleção brasileira. A paixão da família pelo esporte é tão intensa, e a carreira de Gabi tão inspiradora, que foi tema do filme “Nunes FC”, lançado em 2019 e dirigido por Cristiano Fukuyama, Edson de Lima e Luiz Nascimento.

“Nós (diretores) moramos próximos da família Nunes e a ideia de fazer o filme surgiu de nossa interação com eles. Primeiramente falaríamos da redenção da Gabi após a primeira contusão que a tirou da seleção brasileira, na época sob o comando de Emily Lima. E depois, com a troca mais íntima com eles, a gente viu que a história era muito maior do que abordar somente a menina prodígio da família”, declarou à época Edson, um dos diretores do filme. Ele é responsável por “A Vitrine do Futebol Feminino”, espaço que reúne informações e histórias sobre o futebol feminino.

O sonho de se tornar jogador de futebol começa com o Roberto Nunes da Silva, pai de Gabi. Mas, por falta de apoio e oportunidades, o desejo não se torna realidade. Depois, quem tenta seguir a trajetória incompleta pelo pai é o filho Roberto Nunes da Silva Junior, que chega a se tornar atleta profissional e tem conquistas importantes – mas foi com Gabi que família alcançou o auge.

O lugar onde Gabi deu seus primeiros chutes foi na quadra de futsal do Grêmio Filsan, na Zona Norte de São Paulo, região onde morava. Ela tinha apenas sete anos quando precisou enfrentar – ainda tão nova – a primeira barreira. “Fui proibida de jogar porque comecei a me destacar e os dirigentes do time não queriam que meninas jogassem com meninos. Fiquei triste porque gostava muito”, revelou.

Anos depois, encontrou espaço no Macabi, do Clube Hebraica de São Paulo. Ela pagava uma mensalidade e jogava com mulheres mais velhas e amadoras – com cerca de 40 anos – e foi a ali a maneira que ela encontrou de estar perto da bola, sem precisar sofrer com proibições.

De lá, passou para as categorias de base do Centro Olímpico. Começou no sub-15, passou pelo sub-17 e foi adquirindo experiências. No ano de 2015, foi artilheira do Campeonato Paulista com 12 gols defendendo o Osasco Audax. No final do mesmo ano, voltou para o Centro Olímpico e foi artilheira do Brasileiro Feminino com 14 gols em 12 jogos. E a partir daí, sua carreira ganhou notoriedade, chegou à seleção brasileira e, agora, à primeira edição olímpica.

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