Paris-2024 não terá a tão sonhada (e divulgada) paridade de gênero; por quê?

Apontada desde o início do ciclo como a primeira Olimpíada a ter o mesmo número de atletas homens e mulheres, Paris-2024 deve ficar longe de atingir este objetivo após análise dos nomes que compõem a maioria das delegações desta edição. Com o levantamento de especialistas, a diferença deve ficar entre 80 e 200 homens a mais. A lista final será divulgada na cerimônia de abertura, no dia 26 de julho.

Até hoje a promessa continua no próprio site oficial da Olimpíada: Paris-2024 será a primeira edição dos Jogos da história a alcançar a paridade numérica de gênero nas competições, com o mesmo número de atletas femininos e masculinos participando do maior evento esportivo do mundo.

“Cada federação internacional tem um tipo de pré-olímpico para distribuir as vagas. Se a gente dividir tudo direitinho, fica 50% para homens e 50% para mulheres”, disse o jornalista Guilherme Costa. “Eu imaginava que a paridade não seria alcançada, mas não que seria tão grande. Achava que ficaria entre 30 e 40 homens a mais. Calculo que essa diferença deva entre 150 a 200, o que foge muito da margem de erro dentro do universo de 11 mil atletas que estarão em Paris”, acrescentou. 

De fato, o Comitê Olímpico Internacional ofertou o mesmo número de vagas: 5.250 para homens e 5.250 para mulheres, totalizando 11.500. Mas, então, o que aconteceu? E, talvez mais importante, o que fazer para que a meta seja, de fato, alcançada? Adiantamos aqui: se organizar direitinho e colocar regras específicas, pode acontecer.

Primeira parte: apesar do COI ter ofertado o mesmo número de vagas para homens e mulheres, existe uma modalidade que não faz diferença de gênero: hipismo. E, justamente nela, há maior predominância do sexo maculino, com cerca de 60 homens a mais.

Machismo e inconsistência com resultados

Luciana Diniz foi finalista olímpica por Portugal
Luciana Diniz foi finalista olímpica por Portugal.

O jornalista Demétrio Vecchioli chamou atenção para a própria delegação brasileira, em que todos os convocados na lista principal são homens. O país deixou na reserva a experiente Luciana Diniz, atleta lusobrasileira com cinco Olimpíadas no currículo e uma das atletas com melhores resultados – além de ter sido diretamente responsável pela classificação do Brasil no salto na Copa das Nações.

“O hipismo brasileiro só leva homens. A gente fala em paridade de gênero mas, onde o Brasil pode escolher homem ou mulher, só leva homens. Mesmo quando tem Luciana Diniz com resultados muito melhores do que Pedro Veniss e Stephan Barcha. Ela não foi convocada por que? Porque é mulher”, afirmou.

“E o caso dela é ainda mais emblemático, porque ela foi boicotada em Sydney, foi para Portugal, onde disputou duas Olimpíadas e foi finalista por lá. Retornou ao Brasil com a promessa de que iria a Paris, fez a parte dela, classificou o país e não foi convocada. O machismo sempre existiu e vai continuar existindo. Especialmente no hipismo, onde apenas alguns países, como Holanda e Austrália, têm maioria feminina”, completou.

Outra questão é que os comitês e federações podem escolher quantos e quais atletas podem disputar as provas para as quais o país conseguiu classificação. E isso também reflete no número de atletas convocados. A canoagem brasileira é bom exemplo: na modalidade velocidade, Isaquias Queiroz, Jacky Goodman e Mateus Nunes foram convocados quando dois poderiam dar conta de todas as provas. 

Já na canoagem slalom, por exemplo, o Brasil se classificou em duas provas com duas atletas diferentes (as irmãs Ana Sátila e Omira Estácia), mas apenas Ana Sátila foi convocada. “É uma questão técnica, a confederação avaliou que é a melhor decisão nos dois casos. Poderia ter levado uma mulher a mais e um homem a menos, mas não foi o que aconteceu”, disse Demétrio. 

Ana Sátila vai disputar duas provas em Paris-2024. (Foto: Wander Roberto/ COB)

Como as mulheres foram incluídas em Olimpíadas apenas em 1900, contra 776 a.C., em muitos países não há grande estímulo ou desenvolvimento das modalidades femininas. Por isso, o espaçamento entre a primeira e a décima colocada no ranking mundial em diferentes esportes é maior, fazendo com que as mesmas mulheres acabem disputando mais provas. 

Isso ajuda a explicar o motivo de esportes como natação e atletismo, por exemplo, tenham menos mulheres. Os números aproximados sugerem 69 e 21 homens a mais, respectivamente.

Finalmente, o COI oferece aos países que não conseguem índice em provas as vagas de participação, as chamadas vagas de universalidades. Os comitês locais têm total liberdade para indicar quem quiserem – e uma maneira para contornar a disparidade entre a participação de homens e mulheres poderia ser a exigência de metade das vagas irem para atletas do sexo feminino.

Mas o que fazer?

“No papel estava tudo dividido, mas quando temos vagas ofertadas por outros motivos vimos que as mulheres acabaram perdendo. Quando estava bem discriminado, as mulheres conseguiram. Mas, quando pode ser homem ou mulher, aí os países optam por homens. O que o COI poderia fazer é delimitar o número de vagas de universalidades para homens e mulheres, por exemplo”, sugeriu Guilherme.

E vale questionar, também, até onde a ausência de distinção de gênero no hipismo acaba reforçando o privilégio masculino de convocações – mesmo em detrimento de atletas com melhores resultados – em vez de dar reais condições de igualdade de competição entre homens e mulheres.

“Algum órgão de imprensa questionou a convocação de só homens pro hipismo? Não, porque consideramos normal. Enquanto a gente continuar considerando normal e não questionar o porquê das mulheres não estarem nos lugares onde elas deveriam estar, nada vai acontecer”, finalizou Demétrio.

Mais do que isso, a não paridade após tanta promessa, nos faz questionar se ela realmente será atingida apenas ofertando o mesmo número de vagas para homens e mulheres. Pelo que vimos acontecer agora, se não houver controle e cobrança, nada é garantido.

Às mulheres não basta, infelizmente, a possibilidade de trabalhar. É preciso que esse direito seja assegurado de forma específica para evitar o privilégio de escolha masculina.

E também leva ao questionamento: terá sido a paridade de gênero uma bandeira levantada por marketing em Paris-2024? É até possível que não, mas o COI trouxe para si essa dúvida quando não efetivou essa paridade – e com uma “margem de erro” que pode chegar até 200 homens a mais.

Prêmio de consolação?

Mas tem uma parte boa: mesmo se não alcançar a equidade, Paris-2024 terá a menor diferença entre homens e mulheres. Em Tóquio-2020, por exemplo, houve 501 homens a mais do que mulheres entre 11.319 atletas. Diferença bem maior do que as 200, na projeção máxima. Na delegação brasileira, aí sim teremos maioria feminina: 153 entre os 276 classificados são mulheres, 55% do número total.

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