‘Teremos mulheres em cargos de liderança’, diz Yane Marques, candidata à presidência do COB

Em entrevista exclusiva, Yane fala sobre se tornar a primeira mulher a concorrer à eleição presidencial do Comitê Olímpico do Brasil
Yane Marques. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Yane Marques será a primeira mulher a concorrer à eleição presidencial do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que ocorrerá após os Jogos Olímpicos de Paris-2024. A ex-atleta de pentatlo moderno se candidatará como vice-presidente na chapa ao lado de Marco La Porta, atual vice-presidente da entidade. Se for eleita, ela será a primeira mulher a presidir o COB na história.

Em entrevista ao Dibradoras, Yane contou como foi a transição para a gestão esportiva após a aposentadoria como atleta, ressaltou o engajamento na Comissão de Atletas do COB e reafirmou a importância de abrir espaços para que mais mulheres assumam espaços de decisão na entidade. “Teremos mulheres em cargos de liderança. Isso é uma condição que precisa ser imposta e praticada e que vai acontecer na nossa gestão”, declarou.

Nascida em Afogados da Ingazeira, a pernambucana quer continuar fazendo história no esporte olímpico do Brasil. Ela ainda é a única atleta da América do Sul a ter conquistado uma medalha olímpica no pentatlo moderno, esporte muito masculinizado, como ela própria ressalta: “A minha modalidade só teve representação feminina nos Jogos Olímpicos de Sydney-2000. De 1912 até 2000, só homens competiam”.

Medalhista olímpica de bronze nos Jogos de Londres-2012 e bicampeã dos Jogos Pan-Americanos, Yane ainda foi porta bandeira do Brasil nas Olimpíadas do Rio-2016, um ano antes de aposentar e migrar para a então Secretaria Executiva de Esportes de Recife, onde foi secretária por seis anos até ser remanejada para assumir como secretária executiva de esportes educacionais, na Secretaria de Educação do estado.

Em paralelo a isso, Yane teve forte engajamento na Comissão de Atletas do COB, criada em 2009 para atuar como um canal de comunicação entre os atletas olímpicos e a entidade. Em 2013, foi a primeira vez que Yane se tornou uma das 19 membros do grupo que tem participação ativa nas decisões do COB. Na eleição de 2016, além de membro, ela foi eleita vice-presidente, ao lado do ex-judoca Tiago Camilo, em um ciclo marcado pelo aumento da representatividade da Comissão de Atletas nas assembleias e votações da entidade, como a eleição presidencial. Em 2021, Yane foi escolhida como presidente da comissão, cargo que deixou neste ano para concorrer à eleição da presidência do COB.

Tudo isso, sem perder o fôlego de uma pentatleta nem o bom humor próprio da Yane. “Eu trabalho na secretaria, dou aula de esgrima em duas escolas, levo minha filha para escola todo dia, sou esposa também, tenho o meu Instituto que está com os projetos engatilhados para serem aprovados na Lei de Incentivo do Estado, já aprovei na lei federal. Essa minha militância na Comissão de Atletas têm sido muito importante. É muita coisa. Eu digo que eu tenho que ser pentatleta mesmo, porque eu não consigo fazer uma coisa só”, brinca.

Yane Marques com a medalha de bronze no pentatlo moderno dos Jogos Olímpicos de Londres-2012 | Foto: Vatterci Santos/AGIF/COB

Leia a entrevista completa com Yane Marques

O que significa para você ser a primeira mulher a disputar as eleições executivas do COB?

Yane: É um sentimento muito misturado de quebrar paradigmas e fazer história, ao mesmo tempo, que isso tudo foi decidido pelo potencial. Tenho certeza que a ideia do Marco La Porta de me ter na chapa não foi pelo fato unicamente de eu ser mulher, mas ser mulher foi muito interessante porque faz a gente fazer uma coisa que nunca foi feita. O COB nunca teve uma mulher na presidência ou vice-presidência e isso traz a mensagem de que nós, mulheres, estamos ocupando os espaços que nos cabem, porque somos capazes e estamos preparadas para isso. Traz também a mensagem de que o fato de ser mulher não me impede de ser presidente do COB.

Eu sou de um esporte com histórico muito masculinizado. A minha modalidade (pentatlo moderno) só teve representação feminina nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000. De 1912 até 2000, só homens competiam. Então já estou um pouquinho acostumada a viver e ocupar esses espaços que as mulheres talvez já tenham buscado e não tenham conseguido, mas que neste momento é oportuno e eu fui agraciada com isso. Obviamente a gente tem muitas outras mulheres capazes e preparadas para, assim como eu, estarem concorrendo a esse cargo. Mas estou feliz que sou eu que estou aqui para botar meu nome na história e estou muito confiante de que o nosso projeto é muito bacana, bonito e bem intencionado. Ele tem que dar certo. Espero que eu seja a primeira mulher de muitas. Que venham muitas depois de mim, porque a gente merece e tem condições.

Caso a sua chapa seja eleita, como a sua gestão pode contribuir para ampliar o espaço da mulher em cargos de gestão, decisão e poder no COB? 

Yane: Essa é uma construção que já começou no COB, isso é importante ser falado. A criação da Área da Mulher no Esporte é uma iniciativa muito legal, que foi tomada lá atrás. Em muitas situações, ainda foi ou ainda é necessário que representações femininas ocupem esses espaços por imposição de lei, ao estipular um percentual mínimo de mulheres que entram para representar e ocupar esses espaços. E as mulheres que ocupam esses espaços estão mostrando que talvez não precisasse a exigência da lei, porque a gente mostra potencial, capacidade e que é possível. Mas eu entendo, é a desconstrução de uma cultura que não permitia que mulheres ocupassem determinados espaços. E acho que isso tem que acontecer, sim. 

Estou muito feliz que a gente viva essa transição de gerações em que mulheres antes não podiam e hoje podem. Naturalmente que eu, trazendo a figura da mulher na concorrência para vice-presidente, já é uma representatividade bem significativa. E é óbvio que a gente tem o interesse de amadurecer as políticas de mulheres no esporte dentro do Comitê Olímpico do Brasil, fazer reverberar isso nas políticas das confederações e, consequentemente, das federações e dos clubes. O retrato disso já está vindo nas Olimpíadas de Paris. Tudo indica que a delegação do Brasil terá mais mulheres do que homens. Isso é histórico, considerando tantas modalidades que, assim como a minha, são masculinizadas.

Ainda estamos nessa construção de como será o nosso plano de gestão (para a presidência) e como vamos atacar cada frente que já existe no COB, mas essa área da mulher no esporte certamente será tratada com muito carinho. O que está sendo legal precisa ser absorvido. As novas ideias precisam chegar e a gente também precisa absorver e fazer reverberar para o esporte olímpico brasileiro de uma forma  ampla. Sabemos das características muito particulares das regiões do Brasil, de acesso, de possibilidade, as particularidades das modalidades. Tudo isso precisa ser considerado, analisado e trazido como uma proposta de incentivo à prática e ao desenvolvimento das modalidades olímpicas.

A gente está dando um exemplo de uma gestão que abraça a causa das mulheres, que respeita a mulher como gestora e como pessoa preparada. Naturalmente isso reflete positivamente em todas as outras áreas. Queremos mulheres em cargos de liderança. Queremos não, teremos mulheres em cargos de liderança. Isso é uma condição que precisa ser imposta e praticada e que vai acontecer na nossa gestão. Eu e o La Porta já conversamos sobre isso e temos muitas mulheres preparadas, prontas e com potencial gigante para ocupar esses cargos. A gente vai dar espaço para elas e, assim, terão reflexos naturais por ter uma liderança feminina e equipes com muitas mulheres também trabalhando juntas.

Yane Marques: our no Pan-Americano de Toronto-2015 Foto: Jeff Swinger/USA Today Sports
Yane Marques no pódio do Pan-Americano de Toronto-2015 | Foto: Jeff Swinger/USA Today Sports

Em 2021, o COB criou a Área Mulher no Esporte, destinada exclusivamente à elaboração de projetos para atletas, treinadoras e gestoras mulheres. A velejadora Isabel Swan, que era coordenadora dessa área, foi demitida logo após os Jogos Pan-Americanos de Santiago-2023 em que o Brasil ganhou mais medalhas com as mulheres do que com os homens pela primeira vez. Qual sua análise sobre a conduta do COB nesse caso? 

Yane: Eu sou muito amiga da Isabel, tínhamos inclusive viajado juntas para um fórum de atletas em Losano pouco tempo antes de ela sair do COB, e falávamos de tanta coisa legal que ela estava conseguindo fazer, como a política da mulher no esporte, os fóruns que ela realizou para sensibilizar os gestores e as gestoras para a causa da mulher no esporte. A Isabel estava fazendo um trabalho bacana e de repente saiu. Nós, da Comissão de Atletas, não temos gerência nem participamos desse nível de discussão de quem entra e quem sai da entidade. Obviamente, muitas vezes, a gente se manifesta contra ou a favor, mas muito mais por entender que uma coisa estava dando certo e poderia continuar ou questiona por que será que pensaram em trocar. Mas a gente sempre respeitou essas trocas. 

Hoje, o COB tem muita preocupação com a questão financeira, tem muita gente preparadíssima, o corpo técnico do Comitê Olímpico é muito bom. Houveram algumas trocas nesse último ano, algumas a gente entende, outras fica sem entender, mas não entra muito nesse mérito, por enquanto. Quando for a nossa vez, pretendemos fazer com que isso aconteça de uma forma bem justa. Eu preciso, agora, entender com mais profundidade como as políticas de equidade de gênero estão sendo trabalhadas no COB para absorvermos e melhorarmos tanta iniciativa boa tomada até aqui e, obviamente, trazer a nossa cara, o modus operandi de trabalhar.

Quais são as principais propostas da sua chapa para a gestão do esporte olímpico brasileiro no próximo ciclo? 

Yane: O La Porta já conversou com presidentes de todas as confederações, praticamente. Eu também estou conversando para trazer sugestões e queixas deles. O COB gere um recurso público significativo, mas também tem um recurso privado. É um mundo de possibilidades. Neste momento, estamos ouvindo eles e, daqui a pouco, vamos colocar tudo no papel, pensar e realizar as proposições, soluções e sugestões que precisam da aprovação de todos. A Comissão de Atletas junto dos presidentes de confederações estão sendo partícipes de uma forma muito intensa nesse projeto. Eu e o La Porta oficializamos a chapa com muita antecedência para que os atletas da comissão e os presidentes das confederações tivessem tempo de colocar a mão na massa e participar da construção do plano de gestão.

Porque, se deixassemos isso muito mais para frente, eu possivelmente receberia um projeto muito mais amadurecido e adiantado. Mas queremos participar dessa construção, até porque também será mais fácil e eficiente depois na hora da execução. Agora foi minha primeira viagem para Brasília. Fiquei três dias, conversei com deputados e senadores, mostrei que a gente quer se aproximar do Congresso, se colocando disponível para dialogar, repassando nossos pleitos de trazer o esporte para dentro da gestão pública, porque a gente precisa pensar em políticas públicas de esportes. Está sendo intenso e cansativo, mas muito prazeroso e com uma esperança danada que vai dar certo.

Como foi a transição da carreira como pentatleta para se tornar uma gestora pública?

Yane: Eu planejei minha carreira para competir até os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Eu, meu técnico, que era o Alexandre França, e a equipe técnica inteira tínhamos um projeto até 2016. Nesse tempo, eu me organizei financeiramente, porque não sabia o que iria acontecer, me formei em Educação Física e estava toda disposta a viver novas experiências. Mas eu imaginei que seria em um clube, para dar aulas de alguma coisa, trabalhar em um projeto de iniciação esportiva, criar meu Instituto para fazer projetos sociais. Só que fui convidada para trabalhar na Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer em Recife, no finalzinho de 2016 para assumir em 2017. Pensei: ‘Meu Deus do céu, política, gestão… Eu tenho 20 anos de atleta, mas eu não entendo nada de gestão’.

Eu conversei com o prefeito que era um baita desafio para mim. Disse que a experiência técnica eu achava que conseguiria resolver, mas a minha experiência na gestão era perto de zero, eu realmente não tinha. Mesmo assim, fui secretária executiva de esportes na Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer. Depois mudou o prefeito e o João Campos criou uma Secretaria de Esporte e me chamou para continuar como (secretária) executiva lá.

Quando foi ano passado, o secretário de educação criou uma pasta chamada de Secretaria Executiva de Esportes Educacionais e disse que eu era a pessoa que tinha que tocá-la. Eu aceitei na hora, porque é a minha cara. Amo esporte educacional, é a minha paixão, acredito no esporte que educa, acredito que tem que ser na escola e a gente começou a tocar projetos do zero. Batemos recordes em cima de recordes. Neste ano, a gente tá com expectativa de inscrever mais de 4.500 alunos nos nossos Jogos Escolares e está sendo muito legal. Então o meu desafio na gestão começou assim, no trabalho na prefeitura.

Yane Marques Foto: Luciano Belford/COB
Foto: Luciano Belford/COB

E como começou o seu engajamento na Comissão de Atletas do COB?

Yane: Em paralelo a tudo isso, em determinado momento, fui eleita membro da Comissão de Atletas do COB e depois eu e Tiago Camilo fizemos uma chapa para concorrer à presidência da comissão. Entramos e tocamos lá, eu como vice do Tiago Camilo. Quando foi na última eleição para a Comissão de Atletas, eu me candidatei de novo, fui eleita membro com recorde de votação e participação de atletas olímpicos. Porque quem elege os membros da Comissão de Atletas do COB são atletas olímpicos que participaram da edição dos Jogos Olímpicos do ano da eleição e de duas edições para trás. Fui eleita membro e pensei que daria um passo à frente: me candidatar à presidente da Comissão de Atletas do COB. E fui eleita com 70% dos votos!

Fiquei muito feliz, foi um baita voto de confiança que os atletas me deram e eu fiz valer. Arregaçamos as mangas e fomos juntos, com um grupo muito participativo, uma Comissão de Atletas que nitidamente amadureceu de uma forma coletiva. Participamos de tudo. Eu, como presidente, e o vice Fabiano Peçanha, temos assento no conselho de administração, temos 19 assentos nas assembleias gerais, eu fui convidada para participar do grupo de assessoramento, planejamento estratégico, gestão ética e transparente, repasse de recurso. As portas de oportunidades foram se abrindo na minha frente e eu fui entrando e aprendendo muita coisa. Esse mundo da gestão, por ser inicialmente algo muito desconhecido para mim, todo dia é uma novidade e um aprendizado.

Como chegou à decisão de concorrer à candidatura da presidência do COB, na chapa ao lado do Marco La Porta?

Yane: Com esse amadurecimento da Comissão de Atletas, a nossa tentativa de se aproximar dos dirigentes das confederações e amadurecer as Comissões de Atletas dentro delas fazendo fóruns, encontros, usando nossos mecanismos de comunicação direto com elas, criando cartilha… Tudo isso fez com que conquistássemos muita coisa internamente no COB – como a nossa participação no Conselho de Ética – e nos perguntássemos: ‘Será que está na hora de indicar alguém para concorrer ao Conselho de Ética do COB?’ Teria eleição e a Comissão de Atletas nunca tinha participado nesse nível de governança. Conversamos com a Joanna Maranhão e ela topou. Indicamos ela para concorrer e ela entrou muito bem votada.

Depois, surgiu outra vaga no Conselho de Ética com a saída do Ney Bello e ajudamos a Duda Amorim, nossa atleta do handebol e membro da Comissão de Atletas, a entrar. A Duda topou, a gente apoiou e ela foi também muito bem votada para ser membro do Conselho de Ética. Assim as coisas foram ficando sérias. E, desde outubro do ano passado, começamos a tratar sobre a possibilidade de indicarmos um nome para concorrer a uma chapa para a presidência do COB. Essas conversas foram acontecendo, com reuniões semanais, e mais para frente chegou ao meu nome como uma possibilidade.

Você já havia recebido um convite para compor chapa de candidatura à presidência do COB antes. O que mudou desta vez?

Yane: Em 2020, eu tinha sido convidada também para ser vice-presidente por três candidatos: Paulo Wanderley, Rafael Westrupp e Hélio Meirelles Cardoso. Mas eu não me senti tão preparada, segura e confiante como eu me sinto agora. Eu estou disposta e com energia para escutar e trazer as confederações e os atletas para junto. A gente construiu um plano de gestão de governo amadurecido, construído coletivamente, que seja bom para todo mundo. E topei. A Comissão de Atletas chega com uma força muito grande, porque nós somos um terço do colegiado eleitoral nas Assembleias Gerais do COB atualmente. Entendemos que nós, da Comissão de Atletas, não somos votos individuais, porque somos um voto de representação dos atletas olímpicos do Brasil. 

A partir daí, fomos pensar com quem iríamos compor a chapa. Foi quando surgiu a chegada do Marco La Porta, que é uma pessoa já muito querida por todos nós da comissão, é um gestor que circula muito bem entre os atletas, a Comissão de Atleta apoiou a candidatura dele à vice-presidência do COB em 2017 após a saída do Nuzman e não nos arrependemos dessa escolha. De lá para cá, foi uma construção leve, natural e de sintonia. Eu faço muita questão de falar com orgulho da carreira honesta que eu construí até aqui e não abro mão disso. Ele também corrobora dessa forma de pensar. Estamos começando as nossas visitas, vamos construir juntos passo a passo esse modelo de gestão para o ciclo do esporte olímpico no Brasil. Para mim, continuam sendo dias de muitos aprendizados, desafios e eu estou gostando. Estou descobrindo uma vocação que eu não sabia que tinha: para a política! Essa eu não sabia que eu tinha.

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