Caso Daniel Alves e a necessidade de debater a cultura machista do futebol

Acusado de agressão sexual, Dani Alves levanta debate sobre cultura machista do futebol

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Daniel Alves foi preso preventivamente na Espanha na última sexta-feira em decorrência de uma acusação de agressão sexual (nome que os espanhóis dão para esse tipo de crime que, no Brasil, se enquadraria como crime de estupro ou violência sexual). O caso está sendo investigado, e o jogador nega todas as acusações.

Casos de violência contra a mulher envolvendo jogadores de futebol têm sido cada vez mais recorrentes. Não há evidências para comprovar se os casos estão mesmo aumentando ou se o que efetivamente está acontecendo agora é um aumento de denúncias – já que muitos deles podem ter acontecido sem que houvesse queixas formais à polícia (há muita subnotificação nesse tipo de crime).

Fato é que, de acordo com levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em 2021, a cada cinco dias há uma mulher denunciando um jogador de futebol por crimes de violência doméstica ou sexual no estado de São Paulo. Isso considerando apenas os casos que viram denúncias formais na delegacia.

Claro que o futebol é um reflexo da sociedade e, se o Brasil registra um estupro a cada 10 minutos (dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública), os números registrados no futebol ficam bem abaixo da média.

Mas chamam a atenção. Apenas pra dar um exemplo bobo: se houvesse um caso de roubo de carro envolvendo jogador de futebol a cada cinco dias isso não seria tema de discussão? Ou se a gente visse com frequência notícia de jogadores envolvidos em tráfico de drogas, não seria motivo pra se investigar o que leva esses atletas a cometerem tais delitos?

A impressão que dá é que já naturalizamos tanto as ocorrências de crimes contra a mulher envolvendo jogadores que elas até são registradas, noticiadas, mas não costumam gerar mais do que notinhas sem destaque nas capas dos jornais. A presença de Daniel Alves na lista de convocados de Tite para a última Copa do Mundo causou mais revolta e manifestações públicas de torcedores e personagens da mídia esportiva do que a denúncia de um possível crime de estupro envolvendo o nome dele.

Cultura machista

Ainda não se sabe se Daniel Alves é culpado ou não das acusações que foram feitas pela vítima de 23 anos na Espanha. Isso ainda é objeto de investigação e caberá à Justiça Espanhola determinar o veredito. Não é nosso papel julgá-lo ou condená-lo.

Mas podemos partir de casos como esse, como o de Robinho (condenado em última instância na Itália por crime de estupro) e como o de outros tantos jogadores investigados ou condenados por crimes de violência contra a mulher para debater e colocar em xeque a cultura machista e misógina que predomina no esporte que tanto amamos.

O futebol por muito tempo negou espaço às mulheres e fez questão de se manter um “clube do bolinha” (como em grande parte ainda é) onde comportamentos abusivos eram naturalizados. Quando comecei a trabalhar no Jornalismo Esportivo há 12 anos, sendo a única mulher da redação, falar de mulheres num tom desrespeitoso, assedioso até, era comum no dia a dia de trabalho.

E não faz muito tempo, em 2017, estava na sala de  coletiva de imprensa após um jogo da seleção brasileira esperando Tite falar, quando colegas assoviaram (aquele “fiu fiu” típico) em uníssono para duas mulheres que passavam no local. Isso em pleno AMBIENTE DE TRABALHO. Era comum ouvirmos comentários sobre os nossos corpos, cantadas e outras coisas mais de colegas e até mesmo de chefes. Comportamentos que hoje sabemos serem inaceitáveis, mas que à época, eram tão “normalizados” que a gente não tinha direito de reclamar (e também não teríamos eco nas reclamações, já que geralmente éramos menos de 5% de uma redação repleta de homens e chefiada exclusivamente por eles).

O futebol sempre foi o ambiente da masculinidade tóxica, onde os caras se sentiam livres pra tratar mulheres como objetos sem nem precisar disfarçar. Era como se ali houvesse uma “licença poética” pra exercer o ápice da sua virilidade sem ser incomodado.

Se no ambiente da imprensa esportiva já é assim, imagine o ambiente de jogadores de futebol, que muitas vezes são vistos como “deuses” na sociedade. Pra eles, ter sucesso é ter carro e mulher (e aí equiparam o valor de um e outro, como se nós fôssemos mesmo objetos de luxo pra eles). Quem vai dizer não pra um cara desses? – é o que muitos pensam. E quem ousa dizer pode sofrer as consequências disso.

É preciso debater essa cultura pra que o futebol se torne um ambiente mais acolhedor e menos opressor para as mulheres. E para que os meninos de hoje (futuros jogadores de futebol ou não) cresçam sabendo respeitá-las em qualquer ambiente.

Que a gente não deixe passar mais um desses casos sem discutir (e colocar em prática) o que é preciso fazer pra que eles não se tornem ainda mais recorrentes.

Compartilhe

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *