Fazia 16 anos que o Brasil não conquistava uma vaga na semifinal da Copa do Mundo sub-20. Em quatro das últimas cinco edições, a seleção brasileira caiu ainda na primeira fase. Mas depois de um Mundial cancelado (em 2020) e com uma seleção menos experiente (por não ter disputado a Copa do Mundo sub-17), o Brasil já quebrou alguns tabus e entra em campo nesta quinta-feira na busca por romper mais um: chegar a uma final inédita da competição.
Não é uma tarefa fácil, e o favoritismo está do outro lado. O Japão é o atual campeão mundial da categoria e chega forte mais uma vez para esta edição. Mas a seleção brasileira, que antes havia conquistado sua melhor posição no torneio (terceiro lugar em 2006) só na base do talento de uma geração excepcional, agora chega na semi colhendo frutos de um ótimo trabalho realizado por Jonas Urias (o técnico) e Jéssica de Lima, a auxiliar.
Mas tem um lema por trás dessa seleção. “O Sempre Juntas merece”, disse Jonas, ainda emocionado, quando o Brasil venceu a Colômbia por 1 a 0 nas quartas-de-final. Essa hashtag é também o mote que a seleção sub-20 carrega na sua metodologia de trabalho, conforme nos explicaram Jonas e Jéssica.
“Acho que essa forma de jogar não é nossa, do Jonas ou da Jéssica, é da sub-20. Não é um modelo de jogo proposto/imposto de forma alguma, é construído em conjunto com as atletas. E não de uma forma rasa. É um processo longo, são muitas convocações, pensando juntos desde a lógica do nosso jogo, o modelo de jogo real e ideal, elas fazem parte disso. Elas fazem com naturalidade (os movimentos com e sem a bola) porque na verdade elas construíram também aquilo. É diferente eu fazer o que estão me mandando e eu fazer o que eu construí junto. Você dá autonomia, emancipa, potencializa, empodera”, explicou Jonas.
Os pilares ofensivos e defensivos da seleção sub-20 foram construídos junto com as atletas, pra que elas também dissessem o que se sentem mais confortáveis em fazer, o que elas acreditam que pode dar mais certo. Desde janeiro de 2021, o trabalho com elas foi feito em conjunto. E o modelo de jogo delas hoje tem uma estratégia objetiva e vertical no ataque e uma forma de “atacar defendendo”.
“A nossa fase de finalização vem com 3 coisas legais. Liberdade de conexão, ali elas têm muita liberdade pra arriscar drible, ir pro um contra um, enquanto isso uma outra já está se movimentando para receber. São sempre 5 ou 6 jogadoras atacando. E enquanto a gente está finalizando, as zagueiras, laterais e volantes já assumem postura de engolir o adversário se ele roubar a bola. É o nosso ‘atacar marcando'”, explicou Jonas ainda durante a disputa do Sul-Americano sub-20 em abril.
Naquela competição, o Brasil foi campeão com uma campanha só de vitórias e sem levar gols. Bem parecido com o que tem acontecido no Mundial. Foram quatro jogos até aqui, três vitórias e um empate (0 a 0 contra a Espanha, atual vice-campeã mundial), oito gols feitos e nenhum sofrido.
“Elas são participantes de todo o processo do que a gente faz dentro do campo. Quando você trabalha num lugar onde você é ouvida, participa, tem voz, você dá a vida por aquilo. É isso que acontece com nossos princípios, ideias de jogo. Elas se sentem à vontade pra falar, questionar, pra debater, trazer coisas novas que talvez a gente não consiga enxergar. Acho que isso acaba ficando de uma maneira leve, quando você sente que deu uma participação pra um princípio de jogo. Elas são o maior processo”, explicou Jéssica.
“Quando tem as pausas técnicas, a seleção brasileira é a única que não vai pro banco buscar orientações. Elas se reúnem e resolvem entre elas. As ferramentas já estão nas mãos delas. A gente incentiva demais isso”, afirmou o treinador.
Por que demorou tanto tempo?
Foi muito tempo de espera até que o Brasil conseguisse chegar de novo a uma semifinal de Copa do Mundo. Considerando todas as categorias da seleção feminina, desde 2007 não havia uma representante brasileira numa fase como essa da principal competição do mundo. E considerando só a sub-20, desde 2006. A falta de atenção dos dirigentes do futebol brasileiro com a base fez com que a seleção ficasse muito atrasada no cenário mundial.
“Talvez algumas das pessoas que tiveram a oportunidade de conduzir (a seleção sub20) não tinham tanto conhecimento da modalidade, considerando tanto experiência dentro de campo, quanto perfil técnico, tático da modalidade, tem muitas especificidades. Acho que levava muito tempo pra se conhecer e aí quando se entendia já tinha passado o ciclo”, afirmou Jonas.
“Nossa primeira convocação a gente convocou jogadoras que eu joguei contra, eu conhecia muito bem a atleta, eu conhecia todas, e o Jonas conhecia também. Eu não precisava perguntar pra alguém quem a gente deveria convocar. Então o nível de entendimento que a gente tinha nos dava tempo de trabalho. E essa demora também foi por resquícios das proibições, de tudo o que é o futebol feminino e a mulher no Brasil”, completou Jéssica.
Onde esse time vai chegar?
O trabalho que Jonas e Jéssica têm feito com a seleção sub-20 impressiona pela organização tática do time em campo, ainda mais considerando que essa seleção é “menos experiente”. Isso porque boa parte dessas jogadoras não teve a chance de disputar Sul-Americano e Mundial na categoria sub-17. Com a pandemia, as edições dessas competições de 2020 foram canceladas, e as atletas chegaram direto para a sub-20, sem esse lastro de competições internacionais.
“Acho que o prejuízo maior foi elas não terem vivenciado as competições sub-17. Quando vira o ciclo no início de 2021, recebemos jogadoras com menos experiência internacional, pelo cancelamento do Sul-Americano e da Copa do Mundo. Esse é um prejuízo incalculável”, disse Jonas.
Além disso, essa seleção não teve a chance de fazer amistosos contra seleções internacionais. Depois do Sul-Americano, o time jogou contra equipes adultas brasileiras e fez jogos-treino, mas em termos de amistosos, só jogou uma vez contra a Nova Zelândia – isso porque a CBF não agendou outros jogos.
Ainda assim, o time mostra um nível alto de maturidade e competitividade. Onde elas podem chegar?
“É muito difícil falar onde a gente vai chegar porque nosso trabalho é manter os pés no chão. A gente confia e desconfia, no sentido bom da palavra, de estar sempre inquieto, de nunca achar que as coisas estão garantidas. Mas o Sempre Juntas merece o mundo, merece reconhecimento. É muito raro um grupo de pessoas tão diferentes, de histórias tão distintas, estarem tão conectadas por um propósito”, afirmou Jonas.
“O Sempre Juntas é mais que uma hashtag. Ele mostra que você, mulher, é capaz de fato, vocês, unidas, podem fazer o que vocês quiserem, podem de fato conquistar o mundo. Essa esperança que o Sempre Juntas deu pra chegar onde chegou. Que elas se agarrem cada vez mais a isso para buscar o que tem que buscar”, completou Jéssica.
A semifinal entre Brasil e Japão é nesta quinta, às 23h, com transmissão do Sportv.