Quando a Copa do Mundo feminina sub-20 começou, a expectativa sobre a seleção brasileira da categoria ainda era incerta. A geração é promissora, é verdade, mas o grupo do Brasil era forte. O primeiro desafio seria logo contra as atuais vice-campeãs mundiais e uma das favoritas ao título. A Austrália também estaria no caminho. Será que iríamos ficar na fase de grupos?
Se essa seleção chegou à Costa Rica para essa disputa ainda sob dúvidas, hoje ela já desperta outro sentimento. Era natural que tivéssemos os pés no chão com relação ao time, que conquistou o Sul-Americano da categoria com tranquilidade, mas teria desafios muito maiores pela frente no nível mundial. E considerando que, das últimas cinco edições, em quatro delas o Brasil não passou da fase de grupos, não seria surpreendente ver, mais uma vez, o time ficando pelo caminho antes do mata-mata.
Terminada a primeira fase, dá para dizer que o Brasil quebrou o primeiro tabu com gosto. Chegou às quartas-de-final do torneio com o segundo lugar de um grupo difícil – e só não foi o primeiro por uma diferença de um golzinho no saldo para a Espanha – sem nenhuma derrota e sem nenhum gol sofrido. Foram duas vitórias (5 a 0 sobre a Costa Rica e 2 a 0 sobre a Austrália) e um empate, sete gols marcados, zero gols tomados.
O clichê que a gente costuma repetir nessas horas é aquele: a base vem forte! Vem mesmo, mas não é por acaso.
Montagem da comissão e campeonatos de base
O Brasil foi para três Mundiais sub-20 (2014, 2016 e 2018) com o mesmo treinador, Doriva Bueno. Em três edições, a seleção saiu apenas com uma vitória (em 10 jogos) – uma goleada sobre a Papua-Nova Guiné. Em 2018, o time comandado por ele saiu da fase de grupos com apenas um ponto conquistado (empate com a Inglaterra). De resto, perdeu para o México e para a Coreia do Norte e terminou com o último lugar da chave.
Doriva foi demitido após quatro anos no cargo em setembro de 2018. A CBF não contratou nenhum treinador para substituí-lo até agosto de 2019, ou seja, a seleção sub-20 ficou sem qualquer atividade por praticamente um ano. Naquela época, o trabalho de base dependia muito das seleções de base, já que não havia nenhuma competição nacional nessas categorias. Sendo assim, o Brasil abriu mão de desenvolver jogadoras – para entendermos o tamanho do descaso da CBF.
Ao menos em agosto de 2019, a comissão técnica anunciada para a seleção sub-20 foi formada por profissionais que efetivamente entendem de futebol feminino e da importância dessa categoria. Jonas Urias, que fez um trabalho excepcional formando atletas no Centro Olímpico antes de trabalhar no Sport, e Jéssica de Lima, ex-jogadora e que coordenava também um projeto de base em São José do Rio Preto com escolinha para meninas, foram os nomes certos para assumir um trabalho na seleção de base que andaria muito junto com o trabalho feito na seleção adulta pela comissão técnica de Pia Sundhage.
Para além disso, o que também ajudou o Brasil a voltar ao mata-mata de um Mundial sub-20 foi o fato de que finalmente o país passou a ter competições de base em nível nacional. O Brasileiro sub-18 e o Brasileiro sub-16 começaram a ser disputados em 2019 e isso fez com que essas jogadoras que estão vestindo hoje a camisa do Brasil chegassem à seleção com um lastro maior de competições. É nítida a evolução física e tática delas – e quanto mais cedo as meninas tiverem a oportunidade de começar a jogar e competir no futebol, mais prontas elas vão estar para representar a seleção brasileira (na base ou no adulto) em competições internacionais.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa divulgada pela Fifa logo após a Copa do Mundo de 2019 mostrava que o Brasil tinha apenas 475 atletas abaixo de 18 anos jogando futebol de maneira organizada. A Espanha, para citar como exemplo, já tinha mais de 40 mil.
Campanha consistente
Com o mínimo de investimento, já dá pra ver que o Brasil consegue colher frutos da base até na seleção principal. Angelina e Ary Borges, destaques da seleção na Copa América, estavam até pouco tempo atrás na seleção sub-20. Mesmo caso de Kerolin, que disputou o Mundial da categoria em 2018, Duda Sampaio, que chegou agora ao time de Pia e já teve boas atuações.
E olhando para a seleção que disputou a primeira fase do Mundial sub-20, dá para ver como o Brasil hoje não sobrevive apenas do talento individual de jogadoras acima da média, mas tem organização e um trabalho coletivo que impressiona.
Quase todas as jogadoras que estão na Costa Rica disputaram alguma edição do Brasileiro sub-18 de 2019 pra cá. Várias delas já são até protagonistas de seus times na categoria adulta. Esse lastro físico e essa experiência têm contribuído para que a seleção não sinta tanto o peso de estrear numa competição importante como uma Copa do Mundo.
Diante das espanholas, um time mais forte e qualificado, o Brasil soube ser agressivo na pressão alta, roubou muitas bolas no campo de ataque e se conectou rápido com as atacantes para levar muito perigo à goleira adversária. Faltou só caprichar um pouco mais na finalização para conseguir o gol. Ainda assim, mesmo com a Espanha aumentando a intensidade do jogo na segunda etapa, o Brasil se defendeu muito bem, não cedeu muitas chances às espanholas e saiu de campo sem ser vazado – pra se ter uma ideia, no Campeonato Europeu sub-19, a Espanha foi campeã e fez gol em todos os jogos. É muito difícil ver um time forte como o delas passando em branco numa partida.
Contra a Austrália, o Brasil fez uma partida perfeita sem a bola. As australianas finalizaram só uma vez. Gabi Barbieri, a goleira, foi uma mera expectadora do jogo, já que a linha defensiva do Brasil estava perfeita na leitura das jogadas pelo lado – onde Ana Clara e Tarciane, além de Dudinha, cortaram todas as bolas antes de elas virarem um cruzamento.
Só o que ainda está faltando para essa seleção é melhorar a definição das jogadas quando estão mais perto do gol. A hora de tocar e a hora de arriscar o chute. A movimentação sem a bola para dar opção de passe quando as pontas partem no um contra um. A leitura dos espaços na frente do gol. Detalhes que, para uma geração promissora e que ainda é bem jovem, são acertados com o tempo.
Ainda assim, impressiona a organização dessa seleção sem a bola. Um time quase sempre compacto, que tem ótima leitura das jogadoras para as coberturas, que é rápido para recompor quando a pressão alta não dá certo, que se comunica o tempo inteiro e e faz jus ao lema dessa equipe: “sempre juntas”.
O próximo desafio não será fácil. A Colômbia é um time talentoso e com jogadoras rápidas e habilidosas, como Linda Caicedo. Independentemente do resultado, essa seleção sub-20 já dá mostras de que podemos sonhar em colher bons frutos no futuro, porque o trabalho vem forte e, consequentemente, a base também.
Quartas-de-final
Brasil x Colômbia
Sábado, 20/08, 23h, no Sportv