Euro das Euros reforça crescimento exponencial do futebol feminino europeu

“England break world record with historic Women’s Euro 2022 win”, traduzindo: “Inglaterra quebra recorde mundial com vitória histórica na Euro Feminina 2022”. Essa frase está estampada no site “Guinness World Records”, e remete ao histórico 31 de julho de 2022.

Em Wembley (Londres), 87.192 torcedores viram o time da casa vencer a Alemanha por 2 a 1 e conquistar o título inédito da Eurocopa Feminina. Foi o maior público já registrado na história do torneio, tanto feminino quanto masculino (o recorde pertencia à decisão masculina de 1964, disputada no Santiago Bernabéu, com 79.119 presentes).

A 13ª edição do torneio europeu feminino, realizada na Inglaterra, teve um total de 574.875 espectadores, média de 18.544 pessoas por jogo. Na estreia do time da casa contra a Áustria (vitória das inglesas por 1 a 0), 68.871 torcedores compareceram ao Old Trafford.

Mas, o que representam esses números?

Nadine Kessler, responsável pelo futebol feminino da UEFA, havia dito que: “Esta UEFA Women’s EURO 2022 será inovadora do início ao fim”, e completou: “O maior evento esportivo feminino da Europa será uma oportunidade sem precedentes para inspirarmos a próxima geração de jogadoras e torcedores. As cidades anfitriãs, os clubes e as autoridades locais estão à altura do desafio de oferecer mais do que nunca oportunidades para mulheres e meninas e, sabendo do compromisso de longo prazo da FA (federação inglesa) com o futebol feminino, não temos dúvidas de que juntos estabeleceremos uma nova referência”.

O plano de legado da Euro 2022 tinha três pilares principais: acesso igual para meninas jogarem futebol em escolas e clubes; profissionais ligados ao futebol (treinadores, árbitros e líderes locais) organizando jogos em suas comunidades; ambientes inclusivos, seguros e acolhedores para que todas as mulheres e meninas joguem futebol de base competitivo ou recreativo, independentemente de habilidade, deficiência, idade ou ambição.

Além disso, a Federação Inglesa se comprometeu a fornecer mais de 500.000 novas oportunidades de futebol para envolver mulheres e meninas nas cidades-sede do torneio (Sheffield, Rotherham, Manchester, Trafford, Wigan & Leigh, Milton Keynes, Londres, Southampton e Brighton & Hove). A entidade ainda garantiu que até 2024 mais 120.000 meninas estarão jogando futebol regularmente em escolas e clubes; 300 novas treinadoras serão qualificadas pela FA – o dobro do número atual; 350 novas árbitras formadas; mais 7.000 mulheres e meninas jogando regularmente futebol competitivo de base em clubes.

De olho na promessa de que esta seria a maior edição do torneio, a principal emissora do Reino Unido, a BBC, pela primeira vez realizou cobertura de 24h por dia, 7 dias por semana, na televisão, no rádio e no digital. No Brasil, a ESPN transmitiu os principais jogos da primeira fase e todos das quartas, semis e final, e no Star+ teve cobertura completa das 31 partidas.

Evolução – e mais recordes – dentro de campo

Os números e a história colocavam um favoritismo inevitável para a Alemanha com seus oito títulos de Euro. A atual campeã, Holanda, também poderia engrossar o caldo, assim como a Noruega (campeã em 87 e 93) e a Suécia (campeã em 84).

Mas a Inglaterra já dava sinais de que viria para brigar pelo inédito título antes mesmo de a bola rolar. Dentro de campo a federação foi atrás da campeã da Euro 2017 com a Holanda, Sarina Wiegman. Pela primeira vez a seleção inglesa teria uma estrangeira comandando seu time.

Ex-atleta, Sarina disputou 104 jogos pela Holanda (foi a primeira, entre homens e mulheres, a chegar à marca do centésimo jogo com a seleção). Treinadora da seleção holandesa, venceu o campeonato europeu e chegou à final da Copa 2019. Assumiu o time inglês logo após os Jogos Olímpicos de Tóquio no lugar de Phil Neville.

Pegou um grupo muito qualificado, com a maioria das atletas atuando na liga local, que, inclusive, evoluiu muito nos últimos anos (mais um projeto da FA). Estrelas como Lucy Bronze (ex-City, agora no Barça), Ellen White (Manchester City), Millie Bright (Chelsea), Fran Kirby (Chelsea), Beth Mead (Arsenal). Sarina só precisava fazer esses nomes darem liga como time.

E deu liga!

Com o elenco em mãos, treinadora e atletas foram atuando juntas em jogos eliminatórios para a Copa do Mundo e sobrando em vitórias como 10×0 contra Luxemburgo e Macedônia do Norte, 20×0 contra Letônia. Em amistosos, fazia 5×1 na Holanda e 3×0 na Bélgica, por exemplo. Entre as atletas o discurso também mudou. “Ela nos ensinou a importância de cobrarmos umas às outras, com respeito, para sempre buscarmos melhorar como time”, disse Beth Mead.

Chegada a hora de escolher os nomes para a Euro, Sarina precisou fazer cortes, e o mais “polêmico” deles, talvez, foi deixar a experiente zagueira do Manchester City, Steph Houghton (34 anos), de fora, alegando falta de ritmo com as recentes lesões de tornozelo da atleta. Fran Kirby, que passou por forte depressão quando adolescente, curou uma inflamação no coração e estava superando uma fadiga crônica, ganhou a oportunidade da treinadora.

No Grupo A da Euro com Áustria, Noruega e Irlanda do Norte, sobrou! Não tomou nenhum gol, aplicou a maior goleada já registrada na competição (8 a 0 diante do time de Ada Hegerberg) e enfrentou com postura e determinação a Espanha nas quartas de final, virando o jogo para 2 a 1 na prorrogação.

Nas semis, enfrentou a seleção europeia melhor classificada no ranking da Fifa (2ª), a Suécia, até então invicta há 34 jogos, e passeou no segundo tempo, vencendo por 4 a 0. Chegou à final com muita moral, jogando muita bola, e teria um estádio (praticamente) inteiro a seu favor.

Não podemos afirmar que foi sorte, mas a adversária desta final, a Alemanha, perdeu minutos antes do jogo começar sua principal atleta e goleadora, Alex Popp (os mesmos seis gols de Beth Mead, sendo quatro de cabeça) – ela se lesionou no aquecimento. Além disso, o time de Martina Voss-Tecklenburg já não tinha Klara Bühl, ausência por Covid desde as semis.

Nada mais pragmático e metódico como Sarina Wiegman

Quando as escalações foram divulgadas, Sarina Wiegman novamente entrou para a história: entre homens e mulheres, ela foi a única treinadora que repetiu as mesmas 11 titulares em todos os jogos de Eurocopa. Assim como em 2017, tinha suas “escolhidas” para entrarem no segundo tempo, com Alessia Russo (quatro gols em seis jogos), Ella Toone e Chloé Kelly. Essas duas últimas, inclusive, responsáveis pelo placar de 2 a 1 que deu o inédito título à Inglaterra.

E precisamos falar de Beth Mead. Enquanto assistia in loco a Euro masculina do ano passado, a atleta do Arsenal lamentava o fato de ficar fora da lista de Phil Neville para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Um ano depois, Mead levou o prêmio de melhor jogadora desta Euro e também a Chuteira de Ouro, artilheira com seis gols (e mais cinco assistências).

Sarina elevou o nível desta seleção. Fez os ingleses reverenciarem o futebol de mulheres, responsáveis por dar à Inglaterra um título de expressão com a seleção após 56 anos do último (Copa de 1966).

O time de Sarina joga bonito, utiliza muito bem suas pontas velozes, dá liberdade para Lucy Bronze subir ao ataque (mas não tanto quanto ela fazia no City para não comprometer a defesa), eleva o futebol de Keira Walsh, escolhida a melhor da final, tem na zagueira Leah Williamson (que virou titular após Greenwood testar positivo em junho), os melhores números do torneio da sua posição (472 passes concluídos, 56 bolas recuperadas, nenhum cartão tomado).

No seu jogo de número 20, Sarina chegou a incríveis 106 gols marcados e quatro sofridos, além de não saber até então o que é perder com o time inglês. Se a Inglaterra amargou uma final de Euro contra esta mesma Alemanha (6×2 em 2009), hoje o país pode cantar alto: “It’s coming home… football is coming home”.

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