Sarah Menezes concilia maternidade com missão de renovar judô feminino

Os dois anos de pandemia foram de muitas novidades para Sarah Menezes. Primeira judoca brasileira medalhista olímpica da história do país (ouro em Londres 2012), a piauiense se tornou mãe em 2020 e técnica da seleção brasileira feminina de judô no ano seguinte.

Nina nasceu em maio de 2021 e sete meses depois Sarah aceitou o convite do COB para assumir o time Brasil. A neném é fruto do relacionamento da judoca com o também atleta da modalidade, o francês Loic Pietri, e o novo cargo é resultado de uma “antiga” sondagem.

“Não foi uma surpresa não (o convite), já falavam sobre isso, só que eu achava que nunca ia ser, sabe? Apesar de conhecer muito as meninas, é diferente a situação, até brincava: ‘Ah, acho que não vou querer isso, acho que vou seguir em frente, fazer projetos’, mas eu acabei aceitando, foi uma oportunidade grande que aconteceu. Quando pensava em aposentadoria, pensava em projeto social, trabalhar em secretaria, em alguma coisa para ajudar o esporte em si”, conta a ex-atleta profissional.

Entre as qualidades observadas para a escolha do nome de Sarah – atenta, visão de luta, inteligente – uma em específico chama bastante atenção e é facilmente detectada ao conversar com a hoje treinadora. “Eu sou muito tranquila no dia a dia, meus pais são tranquilos, sempre fui uma garota muito calma e paciente”, diz uma voz bem suave enquanto ao fundo toca música de criança.

Dos primeiros passos no judô à medalha histórica

Foi ainda na infância que a medalhista olímpica conheceu o judô. Em Teresina, o sonho de ser médica veterinária foi ficando para trás ao passo que a habilidade no tatame aflorava.

“Comecei no esporte através da escola. Com nove anos conheci o judô, comecei como brincadeira, tudo uma brincadeira lúdica mesmo, coisa recreativa e aí na adolescência virou sério. Por volta dos 15/16 anos participei da seletiva para a seleção e começou a ficar mais profissional”, diz Sarah.

A caçula de quatro filhos (três mulheres e um homem) sempre teve o respaldo dos pais para seguir no esporte. Porém, o estudo vinha em primeiro lugar. “Nunca larguei os estudos, sempre conciliei tudo. Sempre tive a família do lado, só que meus pais achavam que o esporte não ia influenciar muito na minha vida, dar futuro, então eu tinha que estudar. O judô era opcional, eu conciliava tudo para ficar dentro do esporte, essa era a regra dentro de casa”, conta a mãe de Nina.

Sarah passou com excelência por todas as etapas que a tornaram uma campeã. Seu jeito tranquilo, confiante e paciente moldou as suas conquistas na modalidade e marcou toda uma geração.

“Quando integrei a seleção brasileira com 17 anos, naquela época a recruta (para Olimpíadas) era diferente, quem tinha melhor resultado internacional avançava, então eu fui para o meu primeiro Jogos Olímpicos em 2008, em Pequim. Perdi a primeira luta e de lá para cá foi mudando as regras. Eu já estava dentro da seleção, participando de tudo, fui ganhando mais confiança, experiência, passando em seletivas”, até que o auge veio.

Créditos: Divulgação/COB

“Na minha segunda Olimpíada veio o meu melhor resultado, o ouro. Quando passei de Pequim comecei a ganhar experiência, participar de eventos internacionais, fui ganhando confiança, todos os eventos que eu fazia eu estava nos pódios, primeiro, segundo ou terceiro lugar. Eu tinha uma qualidade muito boa de competição, estava bem confiante para os Jogos Olímpicos”, relata Sarah.

“Lembro que eu estava muito tranquila porque a luta mais difícil seria uma semifinal contra a japonesa e ela tinha perdido. Eu ia entrar para fazer minha semifinal contra uma atleta que eu estava sempre à frente nos eventos, sempre ganhava dela, estava muito confiante. Quando fui fazer a final eu estava mais confiante ainda porque eu tinha lutado recentemente com a adversária, eu já tinha perdido dela, mas tinha vencido também, então eu estava muito confiante”, completa.

Maternidade x gestão de carreira

O próximo ciclo olímpico de Sarah, a Rio 2016, não veio com medalha. No seguinte, Tóquio 2020, ela já pensava em aposentadoria. “Eu já estava com planos de engravidar, a gravidez acabou sendo antecipada em alguns meses só e após isso eu pararia porque é muito difícil voltar para a alta performance depois de ter bebê. O corpo, o peso, o treino, a rotina, a criança… ia ser muito duro”, explica a treinadora.

A princípio, Sarah e Loic Pietri tinham a ideia de morar na França, onde ele reside e treina. Mas o convite para assumir a seleção feminina projetando o ciclo de Paris desviou a rota. “Penso em ir para a França, vamos ver o que teremos por lá, está perto e um pouco longe (risos), mas penso sim. Vou tentar criar a Nina nas duas formas, lá ou aqui no Brasil, vamos ver em qual vamos nos adaptar. Nossa rotina continua igual de quando éramos namorados, quando o calendário dá uma folga ele vem, quando o meu dá uma folga eu vou, a gente se planeja dessa forma”, explica a campeã.

Para conciliar a maternidade com o trabalho, Sarah conta com uma rede de apoio formada, principalmente, pelos seus pais. Inclusive, ter a mãe, Dona Dina, ao seu lado ajudando com Nina enquanto a judoca dá os treinamentos foi uma das condições para aceitar o cargo de técnica.

“Primeiro veio o nascimento da bebê, depois logo nos primeiros seis meses já tinha que ir viajar e ficar longe. É delicado conseguir viajar tranquila, mas fui me adaptando, foquei muito nos meus pais me ajudando. Em concentração nacional minha mãe vai comigo, mas internacional ela fica com a minha filha, em Teresina”, diz Sarah.

Nina fará 1 ano durante o próximo camping da seleção brasileira. Ao passo que ela vai crescendo, a ex-judoca vai descobrindo uma nova versão da maternidade. “No início eu chorava, não dormia, foi muito delicado. Agora vai ser diferente porque ela vai fazer 1 ano, vai entender mais as coisas. No início ela não entendia nada, então para ela era normal eu sair, mas agora comecei a perceber que ela começa a sentir falta, quando chego de viagem ela quer ficar só comigo, mais ninguém, e depois vai se soltando. Ela é muito tranquila, graças a Deus, veio de benção numa tranquilidade, não dá trabalho nenhum, dorme a noite toda”, conta a treinadora.

Ciclo Paris x desafios pós-pandemia

Assim como muitas modalidades, o judô brasileiro sofreu um duro golpe com a pandemia. Esporte que mais medalhas olímpicas garantiu ao Brasil na história (foram 24 até hoje), em Tóquio teve o seu o pior desempenho desde 2004 em Jogos Olímpicos (apenas duas de bronze, com Daniel Cargnin e Mayra Aguiar). Ali já se falava em renovação.

“Eu percebo que é o esporte individual mais coletivo que existe porque um precisa do outro para planejar, os atletas precisam um do outro mesmo sendo adversários para evoluir e todo mundo precisa estar com o mesmo objetivo até alcançar o resultado e o desempenho. Após a pandemia nós perdemos muitos patrocínios, quebrou muito dentro do esporte em si, então estamos numa situação bem delicada, de verba e eu espero que melhore daqui pra frente. Há muitas reuniões, planejamentos, competições nacionais e internacionais. Tudo é estudado, planejado, trabalhado”, detalha Sarah, que em seguida comenta sobre alguns dos desafios que este processo implica.

“Não vai ser fácil não. Teve renovação, poucos eventos e treinamentos de campo, é um trabalho desafiador e o mais desafiador é tirar os vícios dos atletas mais experientes, tentar abrir a mente deles para evoluírem taticamente, modificar um pouco o jogo, montar estratégia”, completa.

Créditos: Arquivo Pessoal

Foram 15 anos defendendo o Brasil, três ciclos olímpicos como atleta e agora a missão de renovar e fazer ressurgir a força do judô brasileiro feminino. Nina ainda é muito nova para entender a representação de sua mãe para o esporte brasileiro, e caso queira seguir os passos dos pais, apoio não vai faltar. “Vou deixá-la à vontade, não sei o que ela vai pensar, vai querer fazer. Vou estar sempre apoiando”, finaliza Sarah.

Compartilhe

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *