Na última quarta-feira (23) as atletas do Juventus usaram as suas redes sociais para um desabafo coletivo. Segundo as jogadoras, o clube paulista caminha para encerrar a modalidade e sequer comunicou o elenco.
Após chegar às quartas de final do Campeonato Brasileiro A2 de 2020 e ser eliminado pelo Napoli, atual campeão, denúncias de falta de pagamento e transparência começaram a pipocar na internet. Vale ressaltar que o Juventus não paga salário para as suas atletas e não há nenhum tipo de contrato, apenas ajuda de custos.
A boa campanha no nacional (apenas uma derrota em nove jogos) não foi o suficiente para o futebol feminino do clube se garantir em 2021, como explica a goleira Dani Lameu. “Fizemos uma ótima campanha, jogamos o Campeonato Brasileiro A2 pela primeira vez e chegamos nas quartas de final. Demos um ótimo retorno por ser a primeira vez que jogamos um campeonato desse nível e simplesmente no começo deste ano não nos informaram sobre o que iria acontecer. Fizeram a gente gastar dinheiro para ir treinar durante um tempo prometendo uma resposta e chegou lá não tivemos a resposta”, diz a arqueira.
Ex-companheira de Dani na equipe, Emilly Santos critica a falta de diálogo por parte da diretoria. “Tudo começou em janeiro deste ano. Nosso treinador (Wellington), que sempre foi muito transparente com a gente em relação a tudo o que acontecia no clube referente ao feminino, nos comunicou que havia entregado o planejamento de 2021 para a diretoria e que não deram nenhuma resposta. Sem saída para essa confusão, ele (Wellington) nos comunicou que sairia do clube, já que não estava de acordo com o que a diretoria estava fazendo com a gente. Após isso, começou o desmanche total do elenco”, explica a volante.
Emilly estava no Juventus desde março de 2017 e anunciou sua saída por meio de suas redes sociais. “Muitas atletas começaram a desanimar e questionar o que tinha acontecido, como seria esse ano, se de fato iríamos disputar o Campeonato Paulista ou se íamos treinar por treinar. Continuei no clube até o último dia na esperança de ter boas notícias, até que no dia 10 de fevereiro, último treino nosso, a comissão nos comunicou que também sairia por não estar mais aguentando a situação. Com isso, encerramos as atividades esperando esse tempo todo algum posicionamento da diretoria, mas nada feito”, disse a jogadora.
Dani Lameu também anunciou sua saída da equipe. No Juventus desde o tempo de escolinha, a goleira lamenta o fim. “Momento algum tivemos a intenção de difamar o clube, pelo contrário, sempre falamos bem e a única coisa que a gente queria era um retorno da situação atual, sentar e conversar. Mas, não fizeram. Essa foi a nossa indignação, ver a categoria ‘acabar’ e não ter uma notícia sobre”, pontua a arqueira.
O que diz a diretoria?
Amaury Russo, assessor especial do presidente e responsável pelo departamento de futebol feminino do clube, nega qualquer falta de contato com as jogadoras. “Muitas me ligam, eu falo com muitas. No último treinamento o Wellington (técnico) foi sincero com todas as atletas, ele falou em meu nome para todas elas, colocou bem claro. Algumas atletas procuraram a Cristina (assessora de imprensa), nos procuraram, fomos sinceros. Isso foi falado no último treinamento. Foi uma ordem que eu passei para ele falar com elas”, explica o dirigente.
O Juventus estima um orçamento de 150 mil reais para o futebol feminino em 2021. Segundo Amaury, só será possível manter a modalidade caso surja um patrocinador até o dia 15 de março disposto a arcar com este valor. “O futebol feminino hoje deu uma inflacionada. Tem time disputando Campeonato Paulista pagando cinco, seis, sete mil reais para as jogadoras. Nós não temos condições disso. Nós só pagávamos transporte para elas virem treinar. Nós não temos condições de tirar do orçamento social, precisamos de patrocínio. É quase que 15 mil reais por mês”, diz o responsável pelo departamento.
Atualmente o Juventus conta com 14 atletas no elenco. Para 2021, era previsto disputa do Paulistão Feminino e da Copa Paulista. Amaury lamenta a crise atual do clube e credita a má fase à pandemia da Covid-19. “Tentei falar com o presidente novamente, sensibilizá-lo. Ele me mostrou todo o balancete do clube, o que entra, o que sai, não temos condições de fazer isso por conta da pandemia, nem os associados estão frequentando o clube nesta fase. A pandemia escancarou as dificuldades do Juventus. Sem patrocínio mínimo a gente não vai conseguir tocar o futebol feminino, as empresas também estão com dificuldade”, explica o assessor.
Celeiro de craques e tradição na modalidade
Ver um clube como o Juventus interromper o futebol feminino dói no coração de todos que acompanham a modalidade. Campeão Paulista de 1987 (único título estadual da equipe reconhecido pela FPF), foi da Rua Javari que saíram nomes tão presentes em convocações de Seleção Brasileira, além do incrível trabalho de Magali Fernandes.
Técnica da época mais vitória do clube (de 1982 a 1987), Magali formou Cristiane, Érika, Thaisinha, Andressa Alves, Tamires, entre outras, incluindo a ex-atacante Roseli. Com poucos recursos e sempre lutando pelo melhor da modalidade, a ex-treinadora idealizou o que chamou na época de “Casa da Atleta”, uma espécie de alojamento para as meninas do time da Mooca, e cansou de tirar dinheiro do próprio bolso para investir em sonhos.
Realidade não muito diferente do que se vê hoje pelos entornos da Rua Javari. Na espera de um milagre (no caso, um patrocinador), Amaury Russo vai arcar pessoalmente com gastos antes prometidos às atletas que não foram cumpridos. “Eu tenho algumas meninas que eu vou ter que pagar do meu bolso porque eu já prometi. Umas que fizeram ressonância (exame), por exemplo. Já falei com algumas, essa semana, o mais tardar semana que vem, vamos saldar com todas essas ajudas de custos”, prometeu o dirigente.
“Estamos pedindo ajuda para as pessoas que têm contatos, para a mídia, para tentar nos ajudar com patrocínio. A esperança é o patrocínio. Nós sempre tivemos futebol feminino, quantas jogadoras passaram pelo Juventus? A Emily Lima (técnica), por exemplo, o primeiro contrato que ela fez no futebol feminino foi comigo, hoje ela está no Equador. Só que infelizmente não temos recursos financeiros para tocar o futebol feminino nesse momento, inclusive sem pagar salário”, finalizou Amaury.
Reportagem de Mariana Pereira